quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Index Res Prohibitorum

Minha pequena coleção de objetos vivos:
Um armário que uiva durante a noite;
Uma gaveta cheia de memórias;
Um cinzeiro que me repreende
(porque fumo demais);
Uma cama cheia de dores na coluna
(pois que não saio de cima dela);
Uma gaita que chora notas tristes;
Minhas chaves que se escondem;
Livros que são mais que bons amigos;
Cartas que escrevi, não mandei e não param de falar,
Declamando e repetindo seu conteúdo
“ela teria gostado de receber isso”, me dizem.
E falam, falam, falam.
Retratos que me observam, e, acima de tudo,
Um telefone o tempo inteiro mudo, mudo, mudo.
Está tudo quase certo: Semana que vem, me mudo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Changes

Acontece que esse fim de ano tem me fodido mesmo. Não sei nem mais o que é. Só sei que, seja lá o que for, foi se acumulando. E agora, no momento em que preciso fazer algumas mudanças realmente significativas na minha vida, não tenho tempo, preciso terminar este trabalho, o prazo está se esgotando e eu não tenho a menor vontade de terminar algo que não estou gostando. Me acostumei a não levar a frente projetos naufragados. Nunca tive vocação pra capitão, nunca afundarei junto com o navio, meu papel desde que nasci é de afundar embarcações. E agora vivo um paradoxo, porque basicamente todos os planos que venho fazendo dependem essencialmente de concluir um plano mal-sucedido. Quero sair e conhecer e sentir, mas não tenho tempo. Quero me deitar, beber, sonhar, e não tenho tempo. Não tenho tempo nem pra ficar em casa, nem casa tenho. Deveria ter um só pensamento em minha cabeça, mas tenho 1.750 planos prontos para serem colocados em prática. Isso não vai levar a nada, não é mesmo? Eu sei. Resolução. Reconhecimento. Perseverança. Palavras estranhas, que vou aos poucos buscando encaixar em meu vocabulário tão pobre, tão carente. Fica na cabeça uma frase que serve de epígrafe no livro do Saulo: “É muito perigoso aplicar à conduta idéias literárias” (não lembro de quem é, neste momento). É mesmo. Muito perigoso.
Ana C. César, me salva.

CASABLANCA

Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
Não chegará nem perto de teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente ao cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
Madrugada feita de binóculos de gávea
E chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.”

sábado, 4 de dezembro de 2010

My Bloody Valentine



Ter segurado você em meus braços agora soou como ouvir uma melodia que foi esquecida através dos tempos; foi como agarrar com mãos firmes não você, mas sua essência; como ter chegado enfim a algum lugar depois de ter os pés sangrando por tanto caminhar a esmo. Eu sei que o caminho que nos trouxe até aqui foi complicado, perdemos muitas coisas, desperdiçamos outras tantas, mas foi o que escolhemos, queimamos os remos e nos colocamos conscientemente à deriva, então agora será apenas isso, minhas mãos em volta da sua cintura, o sabor dos seus lábios mornos tomando conta dos meus, seus cabelos molhados e um distante sentimento de desaparecimento. Nenhuma recompensa além deste vazio, nenhuma sensação além dessas dores excruciantes: A sua, física, letal, queimando em seu abdômen e esvaziando sua mente de qualquer pensamento que não seja – dor, dor, dor; A minha, uma dor no peito, uma angústia sem fim, a incapacidade de pensar em qualquer além de tudo que fizemos, uma dor sem marcas no corpo, mas nem por isso menos real que a tua. Estamos os dois morrendo aqui, cada um a sua maneira, minha doce delinqüente. Não pense que é mais fácil pra mim, nunca é”.

Ele finaliza este bilhete. Ajoelha-se ao lado dela, beija-lhe os lábios mais uma vez – ele faria isso por toda a eternidade, essa é a verdade – e deixa o pedaço de papel em cima dela.
Ela, que agoniza no chão, emitindo os últimos suspiros a que até um cão tem direito, deitada num chão cheio de garrafas quebradas, poemas rabiscados, um cinzeiro lotado, um revólver ainda quente e uma camisinha usada, sinal de que a morte não era esperada, não ainda, mas não teve jeito.
Suas mãos e roupas manchadas com o sangue jovem dela, em seus ouvidos o barulho do disparo se misturam aos gemidos de minutos antes – é tudo tão confuso quanto só a vida real pode ser.
Ele não conseguiu pensar numa saída digna pra tudo isso, pra esse carrossel vil e violento em que entraram desde aquela noite em que se viram na galeria de arte, quando ele finalmente conheceu sua vítima.
E pela primeira vez pensou em sim como algoz. Não mais um mero profissional, mas desta vez um anjo da morte cumprindo desígnios muito maiores que suas forças.
Nem seu corpo esguio sob o dele, nem suas mãos delicadas procurando as partes mais sensíveis do corpo dele foram capazes de evitar isso.
Ele não a teria matado. Em outras circunstâncias. Nem mesmo quando ela permitiu que seu amante quebrasse três dentes dele com uma paulada certeira.
Nem mesmo quando ela zombou dele no dia em que se pau não queria trabalhar.
Nem mesmo quando ela o fez esperar três horas na chuva, no território de seu inimigo, correndo o risco de uma emboscada a qualquer momento.
Mas era uma garota que vivia em busca de limites perigosos. E ela tinha mexido com as pessoas erradas dessa vez.
Nem mesmo ela, com suas pernas lascivas, seus olhos verdes fatais e seus sorriso de ninfa.

Para ele, um dos trabalhos mais árduos a que foi submetido, mas ainda assim um trabalho. Uma missão.
Pensou no tamanho de sua covardia.
Um homem impedido de proteger a quem ama é uma figura digna de pena.
Só lhe resta agora limpar tudo, talvez beijar uma vez mais aqueles lábios, e recolher todos os cacos do chão.
Cacos de dentro, e de fora.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Whitman

Eu me contradigo?
Muito bem, então eu me contradigo
(Sou grande, eu contenho multidões)

- Walt Whitman, "Song of myself"

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E La Nave Va

Talvez ainda caiba um pouco de vida
Neste corpo embalsamado.
Embalado por lembranças,
velejo por um mar sem ondas,
Sem vento, sem horizonte, sem volta;

Não será minha vontade a me conduzir
Quando eu decidir que é chegada a hora de zarpar.

sábado, 27 de novembro de 2010

Marca

Aquela ali está marcada a ferro. Aquele outro, traz a marca do demônio, é melhor se manter afastado. Aquela traz a marca de três filhos e um casamento de conveniência. Vai poder te dizer algo sobre acordar 20 anos ao lado da mesma pessoa. Esse que amarra o cadarço com os pés sobre o banco e carrega uma marca que ganhou num sonho, dizem que é esquizofrênico. Aquela ali foi marcada pelos 20 e poucos rapazes que já passaram pela sua cama. Aquela de vestido azul traz a marca da cinta de seu pai no rosto, bem abaixo do olho direito, você vê? E tem aquela ali, que canta maravilhosamente desde que foi deixada pelo último amante, e agora vive por aí interpretando Chet Baker, que a marcou muito e na verdade foi o motivo de sua separação. Este que acabou de passar por você eu não sei, mas ele carrega uma .45 na cintura, o que por si é uma marca perigosa. Ela, de preto, traz a marca de dedos, unhas, dentes, todo tipo de perversão. É assim desde que se deitou com outra mulher, que lhe cortou com uma navalha. Aquele lá, não sei se é homem ou mulher ou anjo, é portador de uma marca triste e misteriosa. A mulher de jaqueta jeans está a mais de cinco anos tentando terminar seu livro, está marcada por um fracasso, semelhante ao meu e seu. Como você pode ver, todos têm uma marca, todos algum dia em algum momento tiveram suas individualidades transformadas e nem por isso desmoronaram. É aí que está o charme, o segredo, a única verdade, seja ela fruto do acaso, de intenção ou de mentiras, existe algo que nos define e que escapa ao entendimento, mas basta chegar um pouco mais perto para se ver. A marca. Do assombro. Em nossos corpos. 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Para Billie, Ella, Aretha, Bessie...




Tempestades elétricas
Nuvens de saxofones, trompetes e trombones
Ar carregado de f(r)icções musicais
Em menos de um minuto, uma voz se sobrepõe a tudo isso
E meu coração transborda junto

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Relaxin' at Camarillo



Creio que seja hora de colocar em prática a tática mais fácil e manjada do universo para lidar com problemas profundos. Não, não estou falando de fugir, que diferente do que muitos acham, é difícil pacas e requer conhecimento de causa, ousadia e, por que não, um pouco de classe. Não é para qualquer um. Falo de relaxar. Simplesmente deixar o vento bater na cara, fazer o que há de ser feito sem considerar suas implicações ou o valor disso. Por que o fim do ano está chegando, e aí sei que ficarei tenso, relaxar não vai ajudar, é inevitável, é sempre assim e nem tenho forças agora pra mudar isso. Não que me importe tanto com datas, mas também não dá pra fingir que nada acontece, você está no mundo e não dá pra fingir que ele não existe ou adotar uma postura do tipo “lá fora” e “aqui dentro”, como se fossem coisas essencialmente separadas. Não são. O ano termina, calendários se encerram, projetos param, firmas entram em recesso, Roberto Carlos vai ter mais um especial e até o futebol dá um tempo. E aí reavaliações são feitas, contemplações inúteis, mas ainda assim não tão banais quanto os planos que são feitos a despeito de já ter prometido realizá-los no ano anterior, e falhado. É assim que acontece. Mesmo que não queira, farei tudo isso, e ao pensar se vale a pena seguir em frente, ou se tenho coragem de partir pra outra, meu semblante mudará, meus músculos enrijecerão, minhas pupilas dilatarão e beberei mais. Então, por enquanto, é relaxar. Fumar quantos cigarros precisar, ter o talento de fazer as coisas do seu jeito sem se cobrar demais, esquecer aquela pessoa que você gostaria de telefonar e dizer todas aquelas coisas, e, quando a barra pesar demais, nada de planos de suicídio ou cartas desesperadas, mas assistir a um filme do Fellini (ou de terror) e depois um passeio na praia. Um tipo de maturidade relaxada que, todo mundo sabe, dura pouco e é um tanto ilusória, mas necessária e talvez recompensadora do ponto de vista de sua saúde mental já um tanto deteriorada. Foi como uma revelação o que tive esta tarde, ao sentir o cheiro do café pronto, olhando pra garrafa de vinho esvaziada na noite anterior, “I’m yours and you’re mine” do Morphine começou a tocar naquele momento, o laptop ligado com o cursor do Word piscando esperando palavras técnicas, mas diante daquele momento, preferi sentar e escrever isso. Talvez tenha decepcionado o texto que me esperava, mais ganhei mais alguns anos de vida com isso, e pelo menos mais um mês de paz. Só até o fim do ano.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Meu avô não escutava blues/ Um abraço em Nelson Gonçalves

Porque ontem eu vi com o canto dos olhos de relance um vulto;
Porque o canto das sereias sempre se inicia ao anoitecer;
Porque uma música triste nunca vem sozinha;
Porque lembranças às vezes se parecem com navalhas;
Porque ficar sozinho é uma escolha, solidão é condição;
Porque meu pai morreu há exatos 15 anos,
E a única lição de que me lembro é de não confiar em quem tem as unhas sujas;

Faz sentido, se o sujeito não limpa as unhas, o que há de fazer com seu coração?

Porque ele era alcoólatra;
E meu alter-ego bebe demais;
Porque eu tenho uma dívida com Nelson Gonçalves,
Por ter partido em pedaços seu disco, que era dele;
Por me sentir sozinho, sem mulher, sem boemia;
Porque se sentir sozinho não necessariamente tem a ver com estar sozinho.
Porque convicções são mais frágeis que porcelana.
E, como tal, é melhor esconde-las das visitas.

Por tudo isso, não direi mais ao mundo que estou triste.
Serei como meu velho avô que já partiu,
Me sentarei negro, velho e cego
Em uma cadeira na varanda, com um violão e um velho blues,
Pedirei para que cuidem para que meu túmulo seja mantido limpo,
Como Blind Lemon Jefferson.
E se me perguntarem, direi que está tudo certo.
Algum dia há de cair uma tempestade sobre este deserto.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Versos para uma advogada de respeito

Minha doce amiga,
Do alto de seu irretocável sucesso, 
Peço agora que advogue em meu favor,
Eu, o filho torto da ninhada.
Lembre-se, pois:
Nós vimos o futuro naquela tarde abafada
No sótão da sua casa.
Velvet na vitrola, “heroin” nas nossas veias,
E você me dizia do marido perfeito e dos muitos filhos que teria um dia.
Eu só dizia dos filmes de terror que iria assistir
Naqueles dias de ressaca fodida;
E dos empregos que chutaria, só pra aproveitar o dia de chuva.
Nossos dias heróicos.
Aquela camiseta do nirvana que você não tirava,
A alça preta do sutiã sempre à mostra, eu de óculos escuro
No sótão.
Entre os discos, as garrafas, as abelhas
(de onde vinham aquelas abelhas?)
Esses pequenos objetos testemunharam nosso dom premonitório,
E algumas outras cenas, também.
Todos os dias, você tinha um corte novo no braço
E eu tinha que fingir não ver para você não chorar.
Aquele sótão empoeirado que você não limpava.
Aquele ventilador quebrado.
Aquelas transas que, para começar, esperávamos
Que começasse antes o barulho dos carros na oficina do teu pai;
Porque você gemia alto e os vizinhos eram curiosos.
Lembro-me de tudo isso.
De como previmos nosso futuro
Naquelas tardes quentes e heróicas.
Aquele pequeno poema riscado na parede,
Eu ainda me lembro:
“Guardemos com carinho
A dureza destes dias escuros,
Pois teremos dias de fartura,
Mas então já não teremos um ao outro”.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Eu ainda acho essa musica linda




Radiohead, "Motion picture soundtrack".

"Vinho tinto e pílulas para dormir
Me ajudam a voltar para seus braços.
Sexo barato e filmes tristes
me levam de volta pro lugar a que pertenço.

'acho que você está louco'.
Talvez...
'acho que você está louco'
Talvez...

Pare de mandar cartas
cartas sempre são queimadas.
Não é como nos filmes.
Eles nos alimentam com mentirinhas brancas.

'acho que você está louco'
Talvez...
'acho que você está louco'
Talvez...

Eu verei você na vida seguinte...

sábado, 13 de novembro de 2010

Palavras de Woody

"Depois daquilo, ficou tarde, nós dois tínhamos que ir. Mas foi ótimo ver a Annie de novo. Eu percebi que pessoal incrível ela era e como foi bom apenas conhecê-la; e eu me lembrei daquela velha piada, o cara vai ao psiquiatra e diz 'Doutor, meu irmão é louco. Ele pensa que é uma galinha'. E o doutor pergunta 'Bem, porque você não o convence de que não é?'. O cara responde 'Eu até o faria, mas preciso dos ovos'. Bem, acho que é assim que me sinto em relação a relacionamentos; você sabe, são totalmente irracionais, e loucos, e absurdos, e eu acho que insistimos porque a maioria de nós precisa dos ovos."
Annie Hall. Woody Allen.

Fernando Gonzales


Sempre muito perspicaz.
Ah, como eu queria fazer isso com uma certa instituição...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Basta um Dia


Pra mim
Basta um dia
Não mais que um dia
Um meio dia
Me dá, só um dia
E eu faço desatar a minha fantasia
Só um belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia da luz do dia
É só o que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia
Só um
Santo dia
Pois se beija, se maltrata
Se como e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor
Na orgia da luz do dia
É só
O que eu pedia, viu?
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia.
- Chico Buarque

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Questão de Idade

Não tive tempo sequer
De conhecer seus pequenos truques;
Será que você vai se lembrar de minhas palavras?
Seria a idade um problema?
Se eu for velho demais pra você,
Sou velho demais para todo o mundo.
Porque pra todo mundo, falta alguma coisa.
Sou velho demais para a mulher que espreita a saída de bordéis
À procura de homens solitários;
Velho demais para a viúva quarentona que reaprende a sedução;
Velho demais para a católica cheia de culpa
Que me sussurra perversidades cristãs ao ouvido;
Velho demais para a garota de treze anos,
Violenta em seus prazeres, sutil em seus encantos;
Velho demais pra ficar bêbado todas as noites;
Velho demais para o que chamam de vida talvez.
Mesmo assim, a vida pode acontecer.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Farinha do desprezo/J. & L. no meu quarto

Hoje, acordei uma mistura de Berlim com Rio de Janeiro, humores de neblina na tarde tropical. 
O dia inteiro tenho escutado os demônios que andam comigo.
Não estou aqui pra me queixar.
Elas devem ter seus motivos para me abandonar - todas elas.
Devem ter seus motivos.
Na minha janela sem cortinas, um gato gemeu a noite toda.
Amanheceu sem sol,  e ainda assim quente;
Berlim e Rio, entende?
No quarto apenas, eu e mais ninguém.
Até mesmo a razão só vem aqui de passagem.
Ela também deve ter seus motivos.
No bolso da minha calça, 1,5 gramas de sonhos em branco.
A vida é assim, puro risco.
Chega de escutar os demônios que andam comigo.
Hoje, Lou Reed e Jards Macalé são meus únicos amigos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Hurt



Johnny Cash tocando "Hurt", do Nine Inch Nails. Improvável, mas ótimo. A musica parece feita pra ele cantar. e foi sua última gravação...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Permanent Vacation

Os Sonhadores?


Paris, 2010

Uma aprendizagem

Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregues a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

- Clarice.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ride, Sally, Ride*

Se Sally tivesse um twitter, ela me disse, postaria a cada 25 minutos que está ficando louca.
Isso daria 96 posts por dia, ela não dorme mesmo.
Talvez um dia ela convencesse alguém, e fosse finalmente internada.
Uma cela acolchoada e uma cama, banho de sol de duas horas para ler Virginia Wolf à sombra, além de três refeições ao dia, é tudo que Sally precisa.
E sonhar, sonhar com longas cavalgadas.


Ride, Sally, ride.






* Título plagiado de uma canção de Lou Reed.


You won't let me down, again



Mark Lanegan (ex-cabeludo do Screaming Trees) e Isobel Campbell (ex-gracinha do Belle and Sebastian), juntos. Do "Lastfm":

Isobel Campbell, é escocesa, pertenceu antes aos Belle & Sebastian. Lanegan é norte-americano, um ex-membro dos Screaming Trees e Queens of the Stone Age e juntos fazem uma parceria pouco provável no mundo musical. É como se um cordeiro resolvesse se unir ao lobo, algo impensável . Mas o fato é que o casamento musical é perfeito, num tom alegre e psicodélico, folk ou country, construíram algo semelhante ao céu, ele com uma voz rouca e máscula, ela com uma voz suave e angelical. Como Campbell chegou a dizer numa entrevista, as duas faces de uma moeda. O primeiro single Ramblin’ Man é um cover de Hank Williams e Isobel chegou também a afirmar que poderia ser muito bem uma faixa de uma trilha-sonora de um filme do Quentin Tarantino, mas é a perfeita visão do mundo dos filmes e o espelho da perfeição das duas vozes. Pelo caminho ouviram desde Johnny Cash a Nancy Sinatra, mas do álbum é difícil selecionar ou nomear canções, é de uma qualidade homogênea e de uma diversidade de sonoridades e paisagens a que nos transportam, faz viajar.


Quem quiser ouvir mais, aqui tem "keep me in my, sweet heart" (que já vale pela apatia do Mark frente a apresentadora):


http://www.youtube.com/watch?v=8paR1SjbwNs

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Adormecendo sob sedutoras asas

Distância
Mais vontades, Noves fora, zero.
E ela ainda diz que pode ser.
Uma musica triste é como
Um cobertor para aquecer um corpo que já arde
Conhaque pra esquecer, e que me faz
Bater como um louco nessas teclas feitas de [mármore,
Inscrevendo aqui um sério epitáfio:
Esse acordo com o Diabo não fui eu quem quis, foi [esse calor que em certas madrugadas insiste em [voltar com uma tal violência que me paralisa;
Carneiro imolado oferecido aos lobos da mente, me [vejo
Aos sete anos de idade, de castigo no porão por [conta própria por ter me comportado mal.
O Anjo de Luz apareceu pra mim e me propôs
Não uma saída, mas um conforto.
Abriu suas longas asas sobre mim e pediu que eu [renegasse
As tardes outonais sob as mangueiras, ao amor materno,
Os amores inocentes no despertar da juventude, os [sonhos tranqüilos.
Recusei, cordeiro de Deus.
Ele voltaria mais tarde, no meio da noite, no meio [da chuva, mais uma vez expulso.
Não lhe negaria pela terceira vez, eu, Pedro ao [avesso.
Troquei minhas parcas ilusões por um inferno de [sensações.
Estou sempre próximo de um êxtase que nunca [alcanço,
Que me abandona quando estou quase no auge,
Pra me deixar enclausurado em minha própria [santidade
Sóbrio, exausto e sem amor nenhum, e este ciclo [vai se repetindo.
E a impossibilidade de vivenciar este encontro é [só uma prova
De que Ele ainda está aqui, com suas belas asas,
Sedutoras asas de anjo,
Para se certificar de que estou cumprindo minha [parte do contrato.
Como se eu tivesse outra escolha.
Como se fosse possível, para um dissidente,
Reatar antigos laços, lealdades, esperanças.

domingo, 17 de outubro de 2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Slow Motion (ou Sobre levar a luta até o décimo-segundo round)

Não existe motivo algum para agitação na hora de servir o café. A menos que você tenha absoluta certeza de que um meteoro se chocará contra sua casa nos próximos minutos, repito, não há motivo para pressa. Se não por você, o faça por mim. Gosto de observar seus vestido enquanto você se move com graça, o tecido preto roça suas pernas como eu gostaria de fazer agora com meus dedos; quando se aproxima do fogão para ver se está pronto, pisa com o pé direito sutilmente sobre o esquerdo e parece nervosa. Vejo tudo isso em câmera lenta e não quero que seja diferente, não te quero ver afobada, não, nunca mais, deixa essa novíssima calma que agora conheces escapar por seus gestos. Deixe a bebida cair lentamente da cafeteira para a xícara (não tenha pressa) enquanto eu te digo: Estou farto deste cansaço. Farto deste beco sem saída que a cada dia se estende um pouco mais sem me levar a lugar algum. Farto dessa ânsia, dessa sede não saciada, destes minutos preciosos sacrificados no altar da covardia e do silêncio. Quero abraçar algo mais quente e delicado. Ainda que longe. Em algum momento. Mas a paciência deve estar do meu lado dessa vez. Não tenho pressa. Assim que te peço para que também não imprima velocidade alguma a este momento. Quando crianças, éramos pródigos em imaginar vidas menos cinzas e nelas o tempo não passava, nunca era hora de dormir. E agora que queremos dormir o sono não parece chegar nunca, será mesmo que nos intoxicamos tanto assim? As toxinas do desejo. Os espinhos da realidade e dos crimes ainda por cometer e que desde já não merecem perdão. Não fomos feitos pra isso. Pra essa comédia de erros e misericórdia. Entre uma tarefa e outra, tomamos um café e respiramos ares menos conturbados, então, pra que apressar isso? Pra deixar que morra logo? Vamos nos estirar no sofá deste sábado-que-não-acaba-nunca. Vamos morrer para a humanidade. Um pequeno presente pra nós mesmos. Uma moeda pelos seus pensamentos, duas por um de seus segredos,    mil moedas pela profecia que há de se cumprir para nosso deleite. Madame Bovary dos tempos que correm, espere um pouco mais porque o tempo de se lamentar ainda não chegou. Vista-se com seus melhores panos, sorva esta bebida quente e forte, me conte que não vai mais fse sentir tão sozinha. Eu também cansei de me cortar com navalhas cegas. Carrego o peso dos dias só por instantes como esse, fiz dos filmes westerns que vi um aprendizado. Não desperdiço mais munição atirando a esmo. O tempo me levou a considerar melhor a minha própria ansiedade, do mesmo jeito que Muhammad Ali golpeava a verdade. Olhos nos olhos, deixo que despertem minha vontade. E ataco, certeiro, mas sem pressa.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Cowboy Junkies



"Blue Moon Revisited (Song for Elvis)"

Nessa música, a banda mistura uma composição própria com a famosa "Blue Moon", que dá pra encontrar na voz de Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Elvis, Sinatra e por aí vai.
E aqui a letra apenas de Blue Moon.

Lua azul
Você me viu parada sozinha*
Sem um sonho no meu coração
Sem um amor que seja meu
Lua Azul
Você sabe pra que eu estava lá
Você me ouviu fazendo uma oração por
Alguém com quem precise me preocupar


E então subitamente lá apareceu diante de mim
O único que meus braços irão segurar
Eu escuto alguém sussurrar por favor, me adore
E quando olhei para a lua ela se tornou dourada


Lua azul
Agora eu não estou mais sozinha
Sem um sonho no coração
Sem um amor que seja meu


Lua Azul...


* Coloquei o sujeito no feminino porque só consigo imaginar Billie cantando essa musica. Se bem que o Elvis também é foda. Enfim.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Hope Kills

A esperança mata, mas antes ela te esfola, arregaça, arranca tua dignidade e te faz rastejar na lama mais pútrida.  Ela te usa, te derrota e, se por esforço próprio você consegue superar tudo isso, dizem que tu venceu porque teve esperança. É assim que ela mantém sua aura de santidade. Mentindo. Você não descansará até que tudo esteja realmente perdido, quando era muito mais fácil ter dado as costas e pulado fora antes da queda final. Não é nenhum crime fugir. Mas você preserva a esperança, e fica. Nunca os seres humanos se mostram tão fortes quando têm esperança. E se fodem por isso. E ainda assim acreditamos. Melhor seria acreditar na escuridão de nossos olhos, na embriaguez de nossos corpos, na solidão de certas noites, em nossos beijos escandalosos, nas visões, ora magníficas, ora aterrorizantes, que temos. Mas é mais interessante (não necessariamente fácil) ter esperança. Interessante para nossa natureza masoquista e fluida. E assim nos jogamos. E assim criamos fabulosos poemas cuja substância é nossas próprias vidas, que poderiam até ser um belo romance se não fossem verdadeiras e se as autoras principais não se chamassem dor (sem sua irmã, redenção) e soledad. E esse vinho que desfrutamos enquanto nos enchemos de esperança é ao mesmo tempo tão amargo e tão doce...  E no fim, você pode até... digamos, vencer, mas isso não apaga as marcas e lembranças. Viver com esperança é ter uma arma apontada pra cabeça por um esquizofrênico. Ter esperança é ser punido por ser a vítima de um crime hediondo. Cortejar a esperança é suspirar no vazio. Viver de esperança é ter sede no deserto. E ainda assim é através dela que atravessamos os dias difíceis. Urge não aceitar a derrota. Em vão tentamos. E erramos. E vivemos. E esperamos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Discurso para um outubro sem demônios

Foi assim:
Primeiro eu achava que não precisava me preocupar com essa vida porque a que viria depois seria infinitamente melhor.
O importante era me manter respirando e não vacilar muito com os outros, tava tudo certo. Amar o próximo como a ti mesmo. Aham, sei.
Daí que a guria me deu um toco na igreja.
(Ok. Visando não perder a verossimilhança, devo confessar que nem houve toco. Nem tentei, mas ver a guria pra quem lançava olhares que eu acreditava serem de desejo desfilar com o cara mais tosco de todos arrebentou minhas esperanças. Demorei a descobrir que amor tinha muito mais a ver com sexo do que com gentilezas, e sim, ele tinha pinta de quem sabia foder alguém).
Depois, eu acreditei que era possível comprar ou forjar uma vida pra si. “Temos todas as opções, pode escolher, o cliente é quem manda.”
“Temos o rebelde sem causa que mora com os pais e sempre bebe até vomitar; o nerd que vive pelos cantos, não come ninguém e se julga incompreendido; o cara inteligente e boa praça que namora a mais bonita da turma; o machão encrenqueiro que come todas, conta pros amigos e chora à noite porque sabe que é sozinho... A lista não acaba”.
Não topei nenhuma dessas, ainda que tenha tentado algumas.
Nessa época coisas estranhas aconteceram. E nem falo da voz que muda e dos hormônios que surtam. Andei pra lá e pra cá, descobri o poder que se pode ter sobre alguém, o valor da negação pura das afirmações vazias (“sim, claro, você tem razão”), Velvet Underground, Sade, Coca, Baudelaire, Drummond, maconha, O curto verão da anarquia... Vivi minha década de 60 particular, anos incríveis, ateu graças a deus.
E então o vazio. “Viver por algo maior”, dizia pra mim mesmo. Adolescentes são mesmo seres dignos de pena.
Aí que resolvi colonizar minha vida com a política do cotidiano. Socialismo, anarquismo, existencialismo, desconstrutivismo, feminismo... Viver era transformar. E não bastava comer merda, ainda tinha que convencer os outros de que a merda era boa. Missão impossível pra quem prefere enfiar o dedo na tomada a subir em qualquer espécie de palanque.
Tudo ótimo. O idealismo realmente disfarça bem a mediocridade. Farras, orgias, super estimativa da própria importância, loucura. Por sorte, e eu sempre contei com a sorte, fiz amigos. E me apaixonei. De verdade. Nada a ver com a história da igreja.
E aí foi pisar fundo no acelerador. Rumo a um viaduto inacabado. E não tirar o pé ao ver a altura da qual despencaria. E isso justamente quando achei que estava dando um jeito na minha vida. Uma pessoa adulta, saca? Foi foda. Adrenalina e medo são viciantes. Viver no limite, andar no fio da navalha, o amor é um cão dos diabos, não é Velho Safado? Conheci tudo isso. Não me prostrava de joelhos desde a época da igreja. E cansei de rastejar. Caminhar pelo lado mais louco. E viver era isso. Desejar, sofrer, frustrar-se. Sentir. Sentir. E parar de sentir. Sem aviso prévio. O império dos sentidos cobra seu preço. A paixão vicia mais que a cocaína, e o veneno demora muito mais pra sair de seu corpo. Dizem que depois de algumas semanas, é como se você nunca tivesse cheirado. Amar não. Arrumar um grande amor pra substituir outro não encerra o vício, só muda a procedência e a qualidade da droga. Eis o truque do jogo. E descobrem-se outros vícios. Viver torna-se um vício. Minha mais nova ideologia, o vício, a certeza de dar para o mal. O resto é resíduo. Distrações enquanto a madrugada não chega ou pra ela passar mais rápido.
E o acaso. Minha religião. Não consegui nada que não fosse por ele, então nem ouse atacá-lo. Somos governados por um tirano endiabrado, que brinca com nossos pequenos dramas. Não há sentido. Uma grande piada. Elvis morreu sentado na privada, então não me venha chamá-lo de rei.
Beijarei teus lábios e vou te morder entre as pernas, não espere muito de mim além disso. Não posso oferecer muito além de minha confusão, minha história sem nexo, minha sina maldita, minha ausência de fé, minha vida imaginária tão real, meus caminhos, minhas veredas, veredas sinuosas, veredas blues. O resto é sombra. Mais rápido amigo, o mundo está atrás de você. É hora de testar a vida, descobrir enfim se ela é sólida, líquida ou etérea.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Notícias do front - Saulo Ribeiro



Leio coisas do Saulo desde os tempos do Duda Bandit (que, por falar nisso, deixa saudades). Felizmente, o blog morreu, mas não o ímpeto criativo. Já sabia disso. O trabalho como dramaturgo seguia, e textos eram atirados ao mar virtual vez ou outra, com muito menos frequência que antigamente, é verdade. Mas dava pra ver que a criatividade não havia cessado, afinal de contas, a "ferrugem nunca adormece", como diria Neil Young. E agora parece que ele resolveu soltar um livro de contos. Chama-se "Diana no Natal" (título intrigante), pela editora Cousa. Não sei exatamente o que se passa naquela terra, nem sei se pode ser atribuído à terra, mas vejo bons ventos soprando lá com relação à área literária. Diferente do Rio de Janeiro, esse balneário sombrio onde vim passar uns tempos (quanto tempo, nem perguntem!), ainda se faz poesia lá. Me entendam. Por aqui, uma tal poesia-performance domina o cenário. Todos poetas são atores/performers de seus escritos. Sinais dos tempos, talvez. Mas escritores que  se relacionam de modo íntimo com a palavra e confiam no vigor dela por si só, como "antigamente" (nem tão antigamente assim), esses estão em franca extinção. Então, talvez seja um bom sopro de anacronismo que algumas pessoas preservem este senso estético diferenciado, e dominem sua arte. Porque sim, e esse é o ponto, é muito bom.  E tento não acreditar que aconteceu de simplesmente conhecer os bons escritores da minha terra (é possível achar alguns deles nos links deste blog, ainda que nem todos/todas ainda escrevam, ou pensem em transformar o que escrevem em algum tipo de livro), creio sinceramente ser algo maior. Um sopro, ou melhor ainda, bons ventos. Espero coisas boas desse livro, gostaria de estar presente no lançamento. Quem puder, vá e me conte. E se quiserem comprar um pra mim, melhor. Prometo escrever algo aqui quando lê-lo. Porque cheira a coisa boa.

E abaixo o vídeo que tava rolando por aí:



Um brinde, com conhaque desse vez.

Em "homenagem ao dia de ontem"



Mark Lanegan, "Ugly Sunday".

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Encontrando Mário Bortolotto

21 - 09 - 10

Eu estava lá, na fila pra comprar o livro do cara, e a letra de "Nossa vida não vale um Chevrolet" não saía da minha cabeça. "Eu sangro, eu te ligo no meio da noite, pra dizer que o Mal, o Mal mora em mim". Nem vou entrar nesse papo de identificação e da sintonia com alguém que não conheço. Mas esse assunto do fantasma que habita em cada um, o "inimigo interno", sempre me perturbou. E é inevitável que, acompanhando os textos do cara, eu arrisque dizer que sei do mal que ele está falando. Mais inevitável ainda que eu compare com meus próprios demônios, comece a especular. Sei lá. Não acredito nisso, mas devemos ter nascido sob a mesma lua, sob o mesmo "signo ruim" daquela música que Hendrix regravou. Destinados a manter distância da humanidade, a mesma que desejamos conhecer, observar, e (por que não?), amar. É que eu não sei usar o amor, como diria Clarice? Pode ser. Mas não vai adiantar nem todo amor do mundo pra retirar esse tumor maléfico, essa certeza de ter nascido do outro lado do rio, esse prazer em caminhar em silêncio na escuridão. Só pra não ser notado. Para que, imensos e escuros, somente meus olhos resplandeçam, nada mais. A violência dessa certeza. Há dias em que acordo com a vontade de encontrar com alguém, qualquer pessoa, e iniciar aquele tipo de desabafo sobre mim que termina quase que inevitavelmente por espantar definitivamente meu interlocutor. Mas não quero afastar aqueles que amo. Há realmente coisas assustadoras aqui dentro e já me sinto vitorioso de não deixar isso vir à tona sempre. No máximo, os mais observadores vão notar pequenos sinais enquanto tomo meu gole de cerveja e fico distante da conversa que se desenrola, viajando por sabe-se lá quais outras veredas. Talvez daí esse cancro que só aumente e que vai acabar me matando. É que é muito difícil explicar para as pessoas que, por mais que todo carinho não adiante para afastar a sensação de que nasci errado, o esforço delas não é em vão. Mas é assim, vai sempre parecer ingratidão, egoísmo, cegueira. E quem sabe se no fundo não é mesmo? Espero que não. Mas até que fique provado, é só instinto de sobrevivência. Mas algumas coisas aliviam essa sensação. Cúmplices, amantes, soulmates. E esse mundinho indecente do cinema, poesia, música, muita música. E a banda do Bortolotto, "Saco de Ratos", é o tipo de som que deve rolar no inferno se ele for um tipo de bar; e ficar ali, curtindo aquele som, enchendo minha cabeça de pensamentos perversos, felizes e melancólicos ao mesmo tempo, fez a diferença. E agora vou passear meus dedos pelas páginas de seu livro, "Um bom lugar pra morrer". Título adequado, epitáfio pronto. Não saí de lá conhecendo nem mais nem menos o Mário, mas fiz um acordo comigo mesmo, que não posso inscrever aqui. Mas não tem problema, algumas coisas não foram feitas pra ser acendidas, algumas velas foram feitas para não serem acendidas em orações. E eu ainda não entendi o que ele escreveu pra mim no livro que ganhei naquela noite, mas bem que poderia ser um mapa pro inferno mais próximo.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Rearranjos

"Opa!"; Ele já entrou tropeçando, esbarrando em alguma coisa estranha na escuridão da casa. Se deteve. Não deveria ficar assustado, afinal de contas aquele já não era mais o seu lar, aquilo ia acontecer em algum momento. Já não há mais tempo sequer para um triste olhar de despedida, um adeus a toda uma obra erguida a partir de momentos que agora teria de deixar para trás. "Nem ao menos um instantâneo final, nenhuma saideira", pensava ele enquanto tateava cauteloso objetos potencialmente fatais, arranjados de uma maneira que a suas mãos pareciam aleatórias. A sala já não era aquela cheia de fumaça e música e conversas madrugada adentro. O quarto, que jogos perigosos e excitantes ele poderia guardar agora? Preferiu nem entrar. Cruzou a cozinha, com cuidado mas tentando ser o mais ligeiro possível para ir direto ao que importava naquele momento. Foi até o local que os dois costumavam chamar de escritório, resgatar daquela casa os discos de vinil e os livros contra o provável incêndio sentimental de que ela seria vítima; antes que o furacão sob o nome de esquecimento resolvesse se abater sobre eles, se é que ele já não se anunciava naquela súbita mudança dos móveis de seus lugares. Já quando se retirava, seus dedos que procuravam o vidro da janela para orientarem a viagem de volta, tocaram um nervo exposto. As violetas na janela, eram elas, ali, prontas para morrer junto com as lembranças. as violetas que lembravam as promessas de manter as flores intactas, a despeito de todo ódio, toda dor e toda loucura que pudesse se erguer naquele lugar. As flores ficariam intactas, um símbolo de que nem tudo precisa sucumbir, que algo sempre resta. Uma luz que nunca se apaga. E agora ele estava no escuro. Só assim permitiu que aquela lágrima caísse, solitária e vã. Empurrou os dois vasos de violetas e suspirou. Agora era só ele de novo. Porque ele não era nada mais que um homem e as canções que o acompanham, um homem e seus pecados, um homem e sua melancolia, tudo que ele tinha a oferece a qualquer pessoa cabia em uma caixa apenas, ou talvez no seu olhar. Se sentiria mal por toda uma vida depois de virar aquela chave na porta de uma vez por todas e atirá-la de cima da ponte na água suja do rio. Seus olhos já estavam habituados à escuridão. Poderia ter pensado em sentar-se no sofá, olhar para tudo que deixava pra trás e refletir se não poderia tentar mais uma vez ficar ali. Inútil tarefa. Escreveria cartas quando se instalasse num inferno mais confortável, e essa busca por si só ele já sabia ser motivo suficiente para retirar tudo seu que havia ali. 

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Hallelujah


Jeff Buckley interpretando "Hallelujah", de Leonard Cohen.
Mais um que morreu muito cedo...


"Eu soube que havia um acorde secreto


Que David tocava, e que agradava o Senhor


Mas você não liga para música, não é?


É assim..., a quarta, a quinta,


O menor cai, e o maior sobe,


O rei frustrado compõe aleluia





Aleluia, aleluia


Aleluia, aleluia





Sua fé era forte mas você precisava de provas


Você a viu tomando banho do telhado


A beleza dela e o luar arruinaram você


Ela amarrou você à cadeira da cozinha


Ela destruiu seu trono, e cortou seu cabelo


E dos seus lábios ela tirou um aleluia





Aleluia, aleluia


Aleluia, aleluia





Talvez eu já estivesse aqui antes


Eu vi este quarto, eu andei neste chão


E, sabe, eu vivia sozinho antes de conhecer você


E eu vi sua bandeira no arco de mármore


O amor não é uma marcha da vitória


É um frio e sofrido aleluia





Aleluia, aleluia


Aleluia, aleluia





Mas houve um tempo em que você me disse


O que realmente acontecia lá embaixo


Mas agora você nunca me mostra, não é?


Mas você se lembra quando eu entrei em você


E o Espírito Santo também entrou


E todo o suspiro que dávamos era um aleluia





Aleluia, aleluia


Aleluia, aleluia





Talvez haja um deus lá em cima


Mas tudo que eu já aprendi com o amor


Era como atirar em alguém que excluiu você


E não é um choro que você pode ouvir de noite


Não é alguém que viu a luz


É um frio e sofrido aleluia





Aleluia, aleluia


Aleluia, aleluia"

domingo, 26 de setembro de 2010

Pequenas Alegrias

Há um pequeno poema caindo do bolso da minha calça
Há estrelas caindo do teto da igreja
Há a garota assustada encolhida no canto da cama
Há o homem grande e triste segurando um copo de whisky
Há a mãe mentindo para o seu filho dizendo um dia ele vai ser feliz
Há os que acreditam em mães carinhosas e bem-intencionadas
esses se tornam psicopatas ou suicidas
Mães não vão para o inferno
Há uma espécie de limbo para as mães e elas estão todas lá
Há os que não prestaram atenção em suas mães
esses assobiam swamp music no metrô
e voltam para suas casas lendo "o monstro do pântano"
esses terão apenas pequenas alegrias
como afagar a cabeça de um cachorro
ou abraçar o porteiro do restaurante
Mensagens fúnebres na noite de Natal
Mas eles já estavam preparados
por isso apenas enchem seus olhos de lágrimas
enquanto servem outra dose
ao contrário dos outros que arrancam os cabelos
e arremessam telefones contra a parede
esses querem vingança
e acham que enganam Deus quando se ajoelham pra rezar
Os que não ouviram suas mães não rezam
apenas andam por aí com seus pequenos poemas caindo
do bolso de suas calças
e fazem de suas pequenas alegrias uma farra eterna
Há essas pessoas simples e evidentemente tristes
que enchem de alegria meu coração presciente
E há essas mulheres lindas que querem conquistar o mundo
e que inevitavelmente perdem todo o charme
quando procuram esbaforidas algo em suas bolsas

                                           (Mário Bortolotto)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Cuidando de feridas, compreendendo as cicatrizes

Finalizou aquela garrafa de vinho como quem conclui um poema.
Ébrio, pensou em quanto tempo ainda teria pela frente. Quantas noites febris, monótonas, singulares ou solitárias ainda teria de suportar admiravelmente. Houve um tempo em que se considerava fraco. Bobagem; É preciso estômago pra suportar tanto. Lembrou de Tom Waits:

"Você precisa me dizer, Mr. Siegal,
Por que os arrasados são tão fortes?
Como os anjos fazem pra dormir quando os demônios deixam a luz da varanda acesa?"

Era verdade. Aqueles para quem a realidade costuma bater mais dura, que sofrem mais com simples contratempos, que deliram, que se auto-flagelam sem motivos, não são fracos. Pelo contrário. Reúnem forças de suas entranhas para superar as tormentas, Cada noite de sono é uma guerra, e conseguir sair cama pela manhã é uma vitória (ou coisa que o valha).

Revirou o quarto de bagunças que era sua memória e recordou o tempo em que negava essa dor constante, essa melancolia crônica. E percebeu a maneira pela qual esses horrores, por contraste, faziam brilhar ainda mais suas pequenas alegrias. No efeito claro-escuro que era sua vida, sempre houve tempo para a morte e para o amor. Não sabia ao certo como, mas havia feito mesmo dos seus mais belos dias, obras de arte expressionistas. Olhou no espelho e conseguiu enxergar alguma beleza, sem se importar se algum dia alguém perceberia aquilo. Era tarde da noite, e o ultimo cigarro queimava no cinzeiro. No dia seguinte, acordaria em desespero, mas haveria uma música para lhe trazer a paz, para abrandar as ondas no interior de sua alma, talvez haveria até uma voz para lhe dizer que, até que você esteja morto, os abutres não pousam sobre si. 

Deixou o telefone tocar indefinidamente, poderiam ser boas notícias, poderiam ser más. Sorriu. O que importa é que não dependeria delas pra decidir o que fazer quando a peste invadisse o agridoce refúgio do seu lar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Fixação


A tentação
De ouvir uma doce musica em tuas asas.
Seria a morte menos triste que esse suave blues?

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Ninguém ampara
o cavaleiro do mundo delirante...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Lábios que não se abrem, lábios




Lábios que não se abrem, lábios
com seu segredo
calado
 

Segredo no ermo da noite
resiste à rosa dos ventos
calado.
 

Flauta sem a vibração
do sopro.
Luar e espelho, frente a frente,
em calada
vigília.
 

Fria espada unida
ao corpo.
 

Resto de lágrimas sobre
lábios
calados.
 

Borboleta da morte
em sorvo
pousada à flor dos lábios
calados
calados.

Henriqueta Lisboa, "A face Lívida"

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...