sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tempo, tempo....

Depois de meses, você a reencontra e percebe que se passaram apenas dias. O tempo é uma ilusão, ainda que com poder de dissolver tudo, de transformar superfícies calmas em mares revoltos, ainda assim um alucinógeno que não faz mais do que distorcer nossa percepção. Não se passaram anos, nem meses. Foram dias. Pense em quantas ligações que não foram atendidas. Elas não foram sequer feitas. Pense em quantas cartas jamais chegaram. Elas agora chegarão. Pense naqueles tristes cafés em manhãs melancólicas. Elas nunca existiram. Porque o dia da partida foi ontem, e você está enfim de volta. Não demorartá, e você partirá de novo, antes que possa deixar corações partidos na estação rodoviária, e quando isso acontecer já será outro carnaval, e mais um pôr-do-sol na praia. E sua terra verá seu retorno triunfante mais uma vez. E ela estará aí, ou em algum outro lugar, mas sem longas separações dessa vez, porque você sabe que ainda que o tempo devore e não pare, ele desliza devagar para aqueles que zombam dele, dançando na corda bamba. O tempo não mata. O tempo não cura. O tempo só existe para o que não dura.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Silêncio

Sete horas da manhã definitivamente ainda era muito cedo pra mim, depois de uma noite tão agitada. Mas já fazia mais de uma hora que eu estava deitado naquela cama, e isso me angustiava. Meia hora depois de me levantar, aquelas duas garotas que dormiram ali comigo estavam também de pé, observando todos os meus gestos silenciosos, lentamente colocando o pó na cafeteira, ligando o fogo, lavando o rosto na pia, tudo isso em um silêncio quase ritual, meus pés descalços tocando o chão delicadamente sem tirar dele nenhum som abafado, o abrir e fechar de gavetas sem barulho algum.  E elas respeitosamente mantinham-se em silêncio. Uma das duas, a morena de olhos claros e cabelos curtos, me perguntou se eu fazia aquilo para não desperta-las. Respondi que, na verdade, não. Eu estou sempre surpreendendo as pessoas, entrando silenciosamente nos quartos como se não houvessem portas fechadas, sempre mais ou menos calado. Esse sou eu, e se sou assim é porque descendo da linhagem dos Silenciosos, uma antiga estirpe de indivíduos que se encontram a vontade com o silêncio absoluto que existe dentro de nós, o silêncio que nos dita o rumo, o silêncio que acreditamos que é a única coisa que existe depois de morrermos, silêncio e vazio, o silêncio misterioso dos espelhos e dos cômodos vazios das casas, enfim, o silêncio do fundo do mar onde o som se propaga com dificuldade. Nossa postura de reverência ao silêncio é ao mesmo tempo uma exaltação do mistério. Essa capacidade que me acompanha desde cedo, de ficar em silêncio mesmo em meio ao barulho mais extremo, é herança desses ancestrais. Meus antepassados, talvez índios da linhagem de minha bisavó materna, obrigavam-se a passar longos períodos sem dizer palavra alguma, evitando qualquer forma de barulho vulgar. E quando esse período se acabava, celebravam-no com uma grande festa. É por isso que eu jamais quebro o silêncio. Quando tenho de fazê-lo, despedaço-o. Ao som de rock and roll.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Café da manhã com Nossa Senhora das Lágrimas


Hoje caíram algumas gotas de essência de melancolia na minha xícara de café. Fiquei sem saber o que fazer, olhando para o fundo da xícara, desatento, distante, atônito como um esquizofrênico tocado pelas mãos frias do Silêncio. Fiquei ali, olhando. E o tempo não parecia mover-se. Fiquei imóvel porque tive medo do que poderia acontecer se me movesse diante daquele fenômeno tão misterioso que se desenrolava à minha frente. As gotas se dissolviam lentamente, seu brilho aperolado diminuía em contato com o negro amargo ancestral que ritualisticamente bebo todas as manhãs, até que todo o conteúdo agora se revestia de um brilho escuro de uma noite absolutamente sem seus adornos, a lua e as estrelas. Eu fiquei ali, estava fascinado. Como meu próprio medo me fascina! E se eu tomasse aquela poção mágica? Que segredo subitamente se revelaria para mim? Quais as conseqüências de tamanha ousadia? Café com tristeza, num dia lindo de sol? Qual tribunal me julgaria por isso? Quais anjos seriam mandados para me salvar? Existirá salvação? A atração pelo abismo, é isso que me faz amante do Mistério e irmão de toda Dor? Determinado, mas não sem receio, começo a aproximar a xícara de meus lábios. Desafio o aroma, sinto o cheiro daquelas madrugadas esperando a ligação de uma garota muito distante cheia de tristeza e doçura, sinto que estou me aproximando da toca do coelho, no fim das contas. Toco a borda dela com os lábios, delicadamente, como se fossem os lábios de minha amante imaginária, meu doce fantasma. Não é a ausência de luz nem de brilho que me cativa, mas a capacidade de tratar as sombras com ternura. Um gole apenas, o café antes frio agora desce como conhaque, a xícara cai de minhas mãos e se despedaça em contato com o chão; nunca tive nenhum motivo para acreditar que minha aventura daria certa e ainda assim cheguei até aqui; meus olhos contemplam o sol entrando pela janela, mas eu vejo muito além. Estou suavemente me entregando, pouco a pouco desafiando a minha própria descrença, enquanto em algum lugar de minha alma algo parece quase se alegrar...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Vitória


Vitória,
Meus dedos delicados de querubim
Uma vez tocaram sua terra úmida
No local onde anjos negros foram enterrados,
Seus mortos são meus mortos
E eu delicadamente imploro
Que você os deixe beijar-me nos olhos
Para que sua memória fique em mim
Como uma marca de batom cinza-escuro
E desapareça aos poucos como a paixão em meu corpo.

Vitória,
Eu te deixo esses versos, mas eu não te amo.
Nos meus sonhos, tu és uma víbora
Que me ameaça com um veneno doloroso;
Em meus sonhos, 
Estou sempre navegando para longe de suas praias.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Desolation Row


Agora a lua está quase escondida
As estrelas estão começando a se esconder
A moça que lê a sorte
Até levou todas suas coisas para dentro
Todos exceto por Caim e Abel
E o corcunda de Notre Dame,
Todos estão fazendo amor
Ou então esperando a chuva.
E o Bom Samaritano, está se vestindo
Ele está se preparando para o show
Ele está indo para o carnaval essa noite,
Na Fileira da desolação.


- Bob Dylan


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Chales Bukowski

um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas
da morte,
um bom poema pode fazer a morte
derreter feito manteiga,
um bom poema pode enquadrar a agonia e
pendurá-la na parede

- trecho de poema sem título.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...