terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Fazia frio, e...


Por acaso, me peguei relendo tuas mensagens. E, atrevido, fui prestar atenção a tudo que estava nas entrelinhas, os recados, as pistas que você deixava, de maneira mais ou menos direta. Por acaso, de repente era sua voz que eu ouvia. De repente, sua boca. De repente, seus cabelos e suas mãos. E tudo que é doçura e embriaguez nos seus encantos. E então o que era calafrio se fez paz. Pensando bem, não foi tão por acaso assim.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

11-01-11


Quando menos esperava, voltei a contemplar os pequenos movimentos dos insetos nas paredes de minha casa. Voltei a pendurar fotos no espelho. A chorar ouvindo canções sobre prostitutas e homens que não crêem em Deus. Retornei aos dias sem vozes e sem mistérios. Voltei a me masturbar com pensamentos torpes. Ao álcool. Não muito inesperadamente, voltei a não cumprimentar as pessoas que conheço na rua, a esquecer de pegar o troco na padaria, a tomar o ônibus errado de propósito. Voltei a ser o cara que recusa convites, que engana pretendentes, o cara preguiçoso que sabota os próprios projetos. De um dia para o outro, voltei a freqüentar lugares duvidosos. Bares de mau gosto. Alcovas onde crimes são tramados. Os irreverentes escritórios da loucura. E isso não é nem o começo. No semblante de todos aqueles que me olham, um apaixonante casamento entre a frustração e o horror.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Elementar

"Perante o jurí eu fiquei mudo;
Lisonjeado com o insulto:
'Um orador limitado a um idioma morto'."

- Ludovic, "Trégua".


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ó Capitão! Meu Capitão!




Ó Capitão! Meu Capitão!




Ó capitão! Meu capitão! terminou a nossa terrível viagem,

O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que

buscávamos está ganho,

O porto está próximo, ouço os sinos, toda a gente está

exultante,

Enquanto seguem com os olhos a firme quilha, o ameaçador e

temerário navio;

Mas, oh coração! coração! coração!

Oh as gotas vermelhas e sangrentas,

Onde no convés o meu capitão jaz,

Tombado, frio e morto.



Ó capitão! meu capitão! ergue-te e ouve os sinos;

Ergue-te – a bandeira agita-se por ti, o cornetim vibra por ti;

Para ti ramos de flores e grinaldas guarnecidas com fitas –

para ti as multidões nas praias,

Chamam por ti, as massas, agitam-se, os seus rostos ansiosos

voltam-se;

Aqui capitão! querido pai!

Passo o braço por baixo da tua cabeça!

Não passa de um sonho que, no convés,

Tenhas tombado frio e morto.



O meu capitão não responde, os seus lábios estão pálidos e

imóveis,

O meu pai não sente o meu braço, não tem pulso nem

vontade,

O navio ancorou são e salvo, a viagem terminou e está

concluída,

O navio vitorioso chega da terrível viagem com o objectivo

ganho:

Exultai, ó praias, e tocai, ó sinos!

Mas eu com um passo desolado,

Caminho no convés onde jaz o meu capitão,

Tombado, frio e morto.

                                                     - Walt Whitman



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Into the Black



Estonteante. Vejam, por favor. Senão pela música, pelo público.
Neil Young. "Hey Hey, My, My";
Rock'n'roll não pode morrer jamais.
O Rei está morto, mas não foi esquecido.

sábado, 12 de novembro de 2011

O fundo

The face of the painter - Marlene Dumas


“Se eu te deixo, você me faria destruir a mim mesmo.
De modo que para sobreviver a você, eu devo primeiro sobreviver a mim.
Não posso afundar mais, e eu não posso te perdoar.
Não escolha senão te confrontar, te acoplar, te apagar.
Eu estive por longas distâncias para expandir minha fortaleza de dor.
Usarei meus enganos contra você, não há outra escolha.
Não tenho vergonha agora, não tenho nome agora, sou nada agora, sou ninguém agora;
Mas minha alma deverá ser ferro pois meu medo está despido,
Eu estou despido e destemido
E meu medo está despido”.

"Bottom" - Tool

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Questão de tempo

Há uma hora para se encontrar, e uma hora para se perder. E a loucura também começa a bater à minha porta.

E chega aquela hora em que a porta está aberta a sua frente, e você sabe que se atravessá-la, ela se fechará atrás de ti, e aí já era, ela vai se fechar de uma vez por todas. Nem sempre é assim, a maioria das vezes ela se fecha só por um tempo, e torna a abrir, e tudo que você tem a fazer é estar lá na hora certa... 
Mas não é sempre que é assim. E quando penso nisso eu lembro daquela guria que me perguntava se eu ia continuar a encontrá-la depois que ela estivesse casada e com filhos, se ainda seria seu amante, e eu sorria e dizia que sim, não porque acreditasse nisso, mas porque me sentia mais feliz em fazê-lo, ela via a porta aberta, pra longe de mim, e aquela vertigem a chamava, pra longe do caos, pra longe das drogas pesadas que eu não usava mas ela só aplicava na minha presença (tinha medo de uma overdose), pra longe das conversas sobre terrores noturnos, longe do calor, pra longe daquele sótão, pra longe, enfim, do sexo ao som de "the velvet underground & Nico", pra longe de muita coisa que, na boa, até hoje eu não sei se sinto falta, mas que me deixaram uma marca que arde.
E hoje a loucura se insinua de outras formas, e é sempre insinuante. E eu tenho consciência de algumas coisas sobre mim que não sabia há três anos, às vezes eu acho que o tempo também passa para o tempo e ele já não é tão sábio quanto antes, não tão sábio como quando Céline escrevia sobre ele, o tempo chega para todos, até para o tempo, mas sobre isso eu não sei muita coisa;
Como, na real, eu não sei sobre porra nem uma. Eu não sei, mas conheço. E conhecer já é um começo. É o primeiro passo para aceitar.
É o tempo passando. E eu aqui, olhando o mar...

There will Never Be Another You



É isso aí, Chet. Nunca haverá outro você.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O poder da canção


Por um instante, esqueci o ano em que vivia. Era como se nada mais existisse. Quando o show terminou, lembrei de algumas atitudes da banda que já conheço há 15 anos. Ou seja, desses vinte anos, estive presente em 15, vibrando a cada álbum lançado. A banda que deixou de fazer clipes pra MTv porque queria que as pessoas lembrassem da musica, não dos vídeos. Que parou de dar entrevistas porque Eddie queria que as pessoas escutassem Pearl Jam pela música, não porque o vocalista é bacana ou fala coisas legais. Que iniciou um mega processo contra o monopólio de uma empresa de venda de ingressos para shows que lesava seus fãs, e voltou a fazer shows com essa empresa porque isso estava afetando ela, a música. E toda essa fidelidade à canção acima de tudo rende frutos, como nessa noite de 06 de novembro de 2011, ao menos pra mim, mas tenho certeza que ela é renovada a cada show para milhares de pessoas. Porque ali naquele local, só a música importava. Ver o quanto aqueles caras ainda sentem prazer tocando, e a felicidade pura com as canções, uma após a outra, pessoas de olhos fechados apenas sentindo, outras tantas pulando, cantando, still alive, todas elas. Mais vivas do que nunca eu diria. Não é qualquer banda que tem um tamanho repertório, que não são reféns de alguns hits fáceis e inescapáveis, que fazem questão de ficar o maior tempo possível em cima do palco. Comparem com um show dos Stones: As “explosões” de energia movidas a tubos de oxigênio, deveras ensaiadas, os caras que nem se falam no palco, o tédio em tocar certas canções... não, isso é outra coisa. Esta banda que acabou de encantar 35 mil pessoas no Rio de Janeiro vai saber quando parar. E a sensação é que esse dia ainda está longe, longe. Até lá, continuarão abrindo os shows com musicas inesperadas, tocando “even flow” na metade da primeira parte do show pra lembrar o ano de 1991, chamando o público pra gritar em “Daughter”, e por aí vai. A felicidade é assim, fluída, cabendo em 2 horas e 40 minutos de puro rock’n’roll, sem gelo.

sábado, 5 de novembro de 2011

De "Sons of Anarchy"

"Todos nós causamos danos.
O que dita o caráter é como os consertamos".

Come Back (pearl jam)

Para alguém muito especial que não irá ver isso.





Se eu continuar a resistir,
A luz continuará a brilhar?
Sob este teto destruído,
É só chuva o que consigo sentir;
Eu tenho desejado por todos esses dias,
Volte.

Eu tenho planejado
Tudo aquilo que eu te diria;
Desde que você desapareceu
Saiba que eu permaneço verdadeiro.
Eu tenho desejado pelos dias.
Por favor me diga que se você não tivesse partido agora
Eu não te perderia de nenhuma outra maneira;
De onde quer que você esteja,
Volte.

E estes dias, eles persistem;
E à noite, eu tenho esperado
A real possibilidade de encontrá-la em meus sonhos e
Vou dormir.

Se eu não desmoronar,
Minha memória permanecerá clara?
Então, você teve que ir
E eu tive que permanecer aqui.
Mas a coisa mais estranha a notar é que
Tão distante e ainda assim te sinto tão próxima.
Eu não vou questionar isso de maneira alguma;
Deverá haver sempre uma porta aberta para você
Voltar.

E estes dias, eles persistem;
E à noite, eu tenho esperado
Uma possibilidade real de encontrá-la em meus sonhos
Às vezes você está lá e está falando comigo;
Chega a manhã e eu posso jurar que você está perto de mim.
E está tudo bem.

Eu estarei aqui, volte.
Eu estarei aqui.


(Vedder)

As canções que salvaram minha vida

Gracias.

A primeira vez em que ouvi “Ten”, (o primeiro disco do Pearl Jam), tinha 15 anos e ele não foi a primeira coisa que ouvi da banda. Quando ouvi falar na banda pela primeira vez (assistindo a um VHS da turnê de “nevermind”, do Nirvana) ela estava lançando “Yield”, um álbum incrível que, além de me transformar em fã do grupo, fez com que me interessasse por outras vertentes do rock, para além daquela coisa punk que marcou meu primeiro contato com o rock, e que era um pouco a do Nirvana, também. Mas o importante é que não é musicalmente que este nome (“pearl jam”) está inscrito na minha vida, do mesmo jeito como essa tatuagem marcada na minha pele. A primeira vez que ouvi “Alive”, chorei. Foi a primeira vez que isso aconteceu comigo. E se repetiria. Procurando pessoas para conseguir mais material da banda, enviando cartas por todo o Brasil e até fora (essa prática pré-histórica), conheci algumas pessoas que foram e são pra mim mais que amigas. Essas cartas foram fundamentais no que eu me tornaria depois. O nível de afeição, sinceridade, cumplicidade, carinho com esses estranhos familiares, o amor que cresceu em cantos inesperados, tudo isso me fez ver o que é mais fundamental numa amizade. Não tenho dúvidas de que esse meu jeito peculiar de me envolver com as pessoas hoje e valorizá-las é fruto disso. Nunca neguei que o rock estragou minha vida. Digo isso com uma dose de ironia, é lógico. Mas o fato é que a música me fez ter um apetite pela vida e conhecer coisas que estavam muito além do que eu esperaria. Coisas, lugares, pessoas e sentimentos. E o Pearl Jam tem a ver com essa história. Só resta agradecer. Muito obrigado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O verdadeiro final escuro da rua




Difícil vai ser não pensar em você todos os dias desta semana.
Porque assim estava combinado,
Seria neste dia, neste show, sob esta chuva.
Eu estaria lá com os tênis molhados
Tentando proteger dos pingos as cartas que faltavam lhe entregar;
Você em sua capa de chuva como se nada acontecesse.
Lentes cor-de-rosa e sonhos em cores.
Pensaríamos as mesmas coisas ao mesmo tempo
Mas não perderíamos tempo com isso.

Assim estava combinado. Seria neste show.
Pois seria ali aquele abraço,
Durante aquela música que sei que é a sua música.
Como Tom Waits,
Eu te contaria todos os meus segredos,
Mas mentiria sobre meu passado, pra te fazer sorrir.
Eu não sei se conseguiria, mas tentar é o mínimo que poderia fazer;
Diante de todas as madrugadas
Que fui salvo de um afogamento mais que certeiro.

E se eles tocassem “thumbing my way”,
Aí eu tomaria sua mão e diria “essa é pra você”;
Sorriríamos com orgulho e desfaçatez
Desta delicada comédia,
Eu e você, calados e rindo por dentro de tudo ao redor
Como se fossemos dois velhos cúmplices
Que acabaram de se conhecer.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Mamas don't let your babies grow up to be cowboys



Há muito uma musica não me fazia chorar. Karen O (yeah, yeah, yeahs) interpretando um clássico de Willie Nelson.

"Mães, não deixem seus filhos crescerem e se tornarem cowboys.
 Eles nunca ficam em casa e estão sempre sozinhos.
Mesmo com quem eles amam."

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Assim, despido;

(...) e, se quisesse, teria motivos de sobra pra pegar no seu pezinho, não que eu fosse ingênuo a ponto de lhe exigir coerência, não esperava isso dela, nem arrotava nunca isso de mim, tolos ou safados é que apregoam servir a um único senhor, afinal, bestas paridas de um mesmíssimo ventre imundo, éramos todos portadores das mais escrotas contradições, mas, fosse o caso de alguém se exibir só como pudico, admitisse nessa exibição, logo de partida, a sua falta de pudor, a verdade é que me enchiam o saco essas disputas todas entre filhos arrependidos da pequena burguesia, competindo ingenuamente em generosidade com a maciez de suas botas, extraindo deste cotejo uns fumos de virtude libertária, (...)

- Raduan Nassar, "Um Copo de Cólera".
Audrey Hepburn, por Yousuf Karsh


De novo, sim.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

Pássaros que voam solitários sobre o campo de lírios

O café e os cigarros estão lá, quando ninguém mais está. Boas companhias, mas que cobram o alto preço do vício e da culpa sem chance de redenção. Quem me dera a prescrição médica necessária para comprimidos que anestesiem o coração. Mas mesmo minha entrada no mercado negro de afetividades ilícitas, onde poderia encontrar tais drogas, está condicionada a teu perdão. Então postulo teorias malignas neste inferno particular, mas isso é apenas uma forma de me livrar delas, para que reste em meu coração apenas a ternura de dias deixados para trás, de cafés que não tiravam o sono e cigarros que não deixavam um gosto tão ruim na boca. Dias em que até rimos desses vícios sem sentido, dessas estradas sem rumos e das noites sem fim. Dias de ritmo, que é também beleza. Mas também dos espelhos sem reflexos. E da vontade cruel de deixar tudo pra trás, não sem antes deixar no ar o curto rastro de nosso voo, como uma linha de fumaça negra descrevendo uma parábola dentro da qual os mais espertos dentre os nossos lerão aquela tal palavra. 
Colhamos logo estes lírios.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Cores


Amarelo-manga
Azul-safira
Vermelho-violeta
Rosa púrpura
Toda cor é um estado de espírito
Mas, quando te encontrar,
Será vestido em preto e branco
E me farei tela
Para o quadro que quiseres
Tabula rasa para seus desejos.

Miss Celie's Blues



Cena do Filme "A cor Púrpura" (1985, Spielberg)

sábado, 1 de outubro de 2011

Sangria

Eu realmente pensei que seria muito pior
ter suas unhas cravadas em meu peito, mas,
eu deveria ter desconfiado:
o pior só veio quando a última unha saiu...

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sobre a arte de narrar (recomendo o livro)


"Se o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão psíquica. O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O menor sussurro nas folhagens o assusta. Seus ninhos - as atividades intimamente associadas ao tédio - já se extinguiram na cidade e estão em vias de extinção no campo. Com isso, desaparece o dom de ouvir, e desaparece a comunidade dos ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim essa rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida, há milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual".

- O Narrador; Walter Benjamin.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Não deixe isso te abater


O bom e velho Neil...

Don't Let it Bring You Down


Velho homem jazendo ao lado da estrada
Com os caminhões passando
Lua azul pondo-se pelo peso da carga
E os prédios arranham o céu
Vento frio picando a fraqueza na madrugada
E o jornal da manhã voa,
Homem morto jazendo ao lado da estrada
Com a luz do dia em seus olhos

Não deixe isto te abater
São apenas castelos queimando
Encontre alguém que está mudando
E você dará a volta por cima

Homem cego correndo atravéz da luz da noite
Com uma resposta em sua mão
Deça até o rio da visão
E você pode realmente entender
Luzes vermelhas brilhando atravéz da janela na chuva
Você pode ouvir as sirenes gemerem?
Bengala branca deitada em uma sarjeta na pista
Se você estiver caminhando para casa sozinho

Não deixe isto te deprimir
São apenas castelos queimando
Encontre alguém que está mudando
E você dará a volta por cima

Não deixe isto te deprimir
São apenas castelos queimando
Apenas encontre alguém que está mudando
E você dará a volta por cima

Beijo em William Lawson em versos

Por que eu não procurei escapar à solidão
Ela me tocou
E me deitou em seu colo
Em uma colcha de ilusões nos deitamos
E, como num sonho,
Nos misturamos,
Eu, a Solidão, e uma garrafa de whisky
Ao som de um blues.

Perfeitos, eternos e tristes
Com nossos olhares melancólicos e sem sentido:
Eu, o whisky, e uma garrafa de blues
Ao som lisérgico da solidão.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

brutal

Não queria essa chance de me mostrar descrente. Queria sim esse tom triunfante de um happy end. Essa explosão silenciosa dentro do peito dos contentes. Não tenho essa sorte. Essa herança sangrenta que me confiaram sem dar a mínima pra minha recusa determinada. Queria sim, a possibilidade do milagre, de fazer dessa escrita atormentada um gozo perene. Queria essa pluralidade de possibilidades que me redimisse das noites mal dormidas, das discussões sem fim dos botecos madrugada adentro, da impaciência com as pessoas que mais amo. Queria sim me mostrar subordinado à mera corrente dos acontecimentos. Mas eu encharco esse texto com asperezas que de maneira nenhuma podem me tornar agradável. não tenho esta sorte. Queria sim a redenção dos shoppings, o sabor agradável do vinho mais suave, mas não tenho essa sorte. Essa ferocidade do olhar que celebra meus movimentos mais duros.

-Mario Bortolotto

sábado, 17 de setembro de 2011

O homem e o trompete

              Chet Baker

Novidade

O que há de novo
É que uma fome não passa
E a outra não vem nunca;
Uma me devora
Enquanto esta outra debilita;
A primeira tem a ver com o inferno,
A segunda talvez seja um castigo do céu;
Há essa fome que jamais é saciada,
O desejo dos tolos;
E há esta fome por nutrientes,
Que devia existir para todos.
Sou comandado por esta fome em meu coração,
E definho a cada dia por esta que falta em meu estômago.
A novidade?
Não há contradição nenhuma entre elas.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

knock out

O que acontece é que nem tudo acontece em seu devido tempo. É uma mentira que se aprende cedo, é só isso que sei. Algumas coisas vêm tarde demais, e muitas passam pela gente quando não estamos maduros o suficiente para agarrá-las. E tudo o que te resta é a companhia de uma garrafa de vinho e cigarros e a vontade de escrever sobre isso algum dia, seja de uma maneira discreta ou visceral, Bukowski ou Raduan Nassar não tem muita diferença aqui, não com este propósito, não quando sua única intenção com isso é esperar o fim do mundo de uma maneira razoavelmente digna. Mas a vida é áspera, você não se deita sobre ela sem alguns arranhões. Não é possível se esquivar quando a realidade te acerta na cara, e ela faz isso sempre, desde que você dê a cara a tapa. E nem vai adiantar se pavonear de toda essa segurança, coragem, capacidade de rir de si mesmo e todas essas merdas dos manuais, porque depois que o golpe vem, você só se dá por si quando percebe aquelas pessoas te levantando do chão. Ah, e isso supondo que você tenha quem te levante. É o melhor dos mundos, porque o esperado é que não tenha ninguém lá. Mas como comecei, as coisas não tem um tempo para acontecer, no máximo você tem um tempo para se adaptar a elas, um tempo de reação que não é maior que um round, ou menos. O tempo não perdoa a inércia, mas a falha pode ser recompensada com uma boa lembrança de ao menos haver tentado. Tudo isso pode não fazer nenhum sentido, sinto não poder ser diferente, lembre-se de que esta carta é de alguém traído pelo tempo, e ademais, “a coerência é a virtude dos imbecis”.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Christmas Card From a Hooker in Minneapolis

Algumas pessoas não entendem que essa música é sobre ternura.




Cartão de Natal de uma Prostituta em Minneapolis

Hey Charlie, estou grávida
E morando na nineth street
Bem em cima de uma livraria suja
Saí da avenida Euclid
E parei de usar drogas
E deixei de beber whiskey
E meu velho homem toca trombone
E trabalha sem parar.

E ele diz que me ama
Mesmo que o bebê não seja dele
Ele diz que irá criá-lo
Como se fosse seu próprio filho
E ele me deu um anel
Que foi usado por sua mãe
E me leva pra dançar
Todo sábado a noite.

E hey Charlie, eu penso em você
Toda vez que passo por um posto de gasolina
Por causa de toda graxa
Que você usava no cabelo
E eu ainda tenho aquele disco
De Little Anthony and the Imperials
Mas alguém roubou meu toca-discos
O que você acha disso?

Hey Charlie, eu quase enlouqueci
Quando Mario faliu
Então eu voltei para Omaha
Pra viver com meu pessoal
Mas todo mundo que eu conhecia
Estava morto ou na prisão
Então eu voltei pra Minneapolis
Dessa vez acho que vou ficar.

Hey Charlie acho que eu estou feliz
Pela primeira vez desde meu acidente
Eu queria ter todo o dinheiro
Que nós costumávamos gastar em drogas
Eu compraria um pátio de carros usados
E não venderia nenhum deles
Eu apenas dirigiria um carro diferente
Todo dia dependendo de como
Eu me sentisse.

Hey Charlie,
Pelo amor de deus,
Quer saber a verdade?
Não tenho um marido
Ninguém que toque trombone
E eu preciso arrumar dinheiro
Pra pagar esse advogado.
E Charlie, hey,
Eu estarei aceitável para a condicional
Vem chegando o dia dos namorados.

domingo, 4 de setembro de 2011

Cinema e guerra

O jesuíta alemão Athanassius Kircher foi o autor da obra Ars Magna Lucis et Umbrae (A grande arte da luz e sombras), compêndio sobre ótica, "magia natural" e outros truques capazes de ludibriar os olhos, que data do século XVII. Muitos, influenciados pela leitura desta obra se encantaram pela arte da captura e projeção de ilusões imagéticas através de espelhos, cameras obscuras e outros artifícios.
A edição original do seu livro é dedicado ao arquiduque Ferdinando, filho do Imperador austríaco Ferdinando III, de quem Kircher era o protegido. O Imperador admirava muito a erudição e as curiosas aplicações das teorias óticas do jesuíta, que tem seu nome associado à evolução daquilo que viria a ser o cinema.
Dois séculos depois deste livro circular pela Europa, a mesma veria estourar uma guerra (ao vivo, não em uma tela de cinema) entre suas principais potências. Uma guerra que teve como estopim o assassinato. Do Arquiduque Francisco Ferdinando. Futuro sucessor do império austríaco. Na cabeceira da sua cama, uma cópia de Ars Magna Lucis et Umbrae, legado de Kircher.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Breve curso de administração com o Diabo


              Fausto sabia com quem negociar, mas não sabia o que queria...


Costumo dizer que as duas grandes invenções (talvez não sejam invenções, no fim das contas) do cristianismo foram a culpa e o diabo. Sem esses dois elementos, toda a coisa de amar ao próximo ou de salvação não serviria pra nada. Óbvio, não cheguei a essa conclusão sozinho. Nietzche,Rimbaud, Neil Gaiman, tem tudo a ver com isso. A culpa principalmente pela potencial expiação da culpa, que livra qualquer de um grande peso sem ter efetivamente feito coisa alguma. Já o diabo se relaciona com o mal. Transformar o mal em uma entidade externa com poderes de influência, e não como um atributo parte da extrema complexidade que é uma alma, foi tão essencial quanto a culpa para controlar o mesmo conjunto de instintos pra lá de indesejáveis. O cristianismo pré-reforma fazia muito isso, os protestantes deram um tempo, a inquisição pisou fundo na estória e hoje ela tem nas neo pentecostais um representante a altura da tradição demonológica medieval. Claro que estes últimos carecem demais de refinamento filosófico para criar um sistema de demônios e círculos infernais tão exuberantes quanto aquele descrito nos compêndios que hoje estão guardados nas bibliotecas empoeiradas do vaticano. A fascinação do mito (Lúcifer, o anjo caído) é fácil de compreender. Mais complicado é entender o mecanismo através do qual as pessoas atribuem a Ele atos que são tão humanos. Atribuem a ele a culpa por fazer pactos como se eles estivessem em busca de almas novas para governar. Como se o Primeiro Caído estivesse sempre por trás dos ouvidos de quem comete um crime. Como se a proibição (vinda de muito alto, do Altissímo) não inspirasse a transgressão. Quando não podem, ou não querem, se sentir culpados, eles evocam o Diabo. Que sequer toma conhecimento. Eles, os cristãos, estão dispostos a reconhecerem que são falhos, pecadores. E pra isso existe a culpa (e sua irmã gêmea, a redenção). Mas não estão dispostos a reconhecer sua maldade, sua fascinação pelo mal. Daí, imaginam um ser abominável (vermelho? Com rabo e chifre? Fedendo a enxofre?) impulsionando-os para o abismo. Será que ele sopra mesmo em nossos ouvidos? Sou mais inclinado a acreditar que o Diabo se trata de o administrador bem competente do infindável catálogo de maldades, perversões e vilezas de que é capaz o espírito humano. O gerente de nosso impulso de morte e destruição e todos os instintos que contrapõe a razão e o bom. Pois, de uma forma ou de outra, esses instintos foram tachados de “maus”. Mesmo os mais belos, como o sexo ou a imaginação, só são permitidos pela moral cristão quando racionalizados. Sem Ele, Aquele-Que-Tem-Mil-Nomes,não existiria o que chamamos de livre-arbítrio, algo que só o inferno pode conceder. Considere que um pacto com o Diabo é um modo mais rápido e eficiente de se atingir objetivos mais imediatos, como o prazer. Uma espécie de crédito rápido, sem toda a burocracia de orações e boas ações do céu, por um preço muito baixo. Nem sua alma, nem castigos eternos. Só a perda de sua paz. Aqui, e agora.

domingo, 14 de agosto de 2011

Do lado de cá

Chegaram notícias de um local distante, e tudo que chegou é para dizer que lá os velhos continuam morrendo e os novos continuam tendo filhos, tudo isso já acontecia muito antes de eu sair de lá, e eu acredito que ainda vá durar por muito tempo; mas, não havia nada melhor pra contar? Impressiona o jeito como eles contam isso, sem um traço de rancor, aborrecimento ou tédio, longe disso, são revelações, sopros de esperança, o nome que quisermos dar a este sentimento que tem algo de nobre, algo de ridículo, ou talvez aja mesmo algo de nobre em tudo que é ridículo e baixo, vai saber. Mas o fato é que as notícias continuam chegando, um tsunami de antigas novidades alimentando as mesmas enchentes, honestamente, deveria estar cansado de escutar, mas não consigo deixar de ficar atento ao que há de assombroso em todas estas estórias, quase tão fantásticas quanto aquele casarão assombrado no qual costumava me refugiar quando criança e que hoje está ocupado por homens sérios de negócios, não eu escuto estas estórias como quem ouve conselhos dos mais velhos, serenamente, curioso, sem que eles percebam que aqueles conselhos não são pra mim - não agora - vocês estão enganados, eu não preciso ouvir isso, meu caminho já foi traçado há muito tempo, não sei bem quando, sei menos ainda o porquê, sei que súplicas por misericórdia ou tentativas de redenção já não funcionam mais - estou naquele ponto da estrada em que, quando a tempestade começa, a única coisa que você pode esperar que se aproxime de um milagre, é uma carona - a garrafa de Whisky é por sua conta. Não que isso seja ruim, veja bem...

"Who's prepared to pay the price/for a trip in paradise?"

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Jamais

"(...) e não esqueça as canções que te fizeram sorrir
e as canções que te fizeram chorar;
(...) e as canções que salvaram a sua vida".

- The Smiths - "Rubber Ring"

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Arriscado


A isca,
Arisca,
disca, disca
E não acha ninguém em casa, e daí
Risca, de sua lista, o meu número.
Não sou bom em brincar com palavras.
Mas sempre tive talento, em jogar
E decepcionar quem se arrisca
Comigo.

Love or Leave Me





segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A ética breve dos afogados

Aliados até a morte.
Cúmplices de um crime muito bem executado.
Comunicamo-nos mesmo em silêncio,
Enquanto assistimos nossas almas torturarem-se
Com as fantasias escondidas de olhos vulgares
Ou desnudas sob o véu embriagador da noite;

Somos jogadores colecionando derrotas.
Sorrindo ante a inevitabilidade do fim.
Tristes apenas com o teor amargo das revelações
Que chegam, dia após dia, sob o efeito do álcool,
Das músicas e do amor e das decepções, todos tão presentes em nossas vidas.
Nossas vidas, de cujas ilusões a livramos
Apenas por esporte sadomasoquista de libertação.

Somos parceiros.
Trapezistas que se jogam sem confiar realmente
Que seremos seguros um pelo outro
No instante definitivo, derradeiro.
Mas certos de que nos afogaremos juntos
Quando descobrirmos que um de nós não sabe nadar,
Mas ainda assim entramos na água juntos
Porque em caso de desespero, é em seu pescoço que me agarro
E neste último momento, molhado, triste e profundo,
Poderemos até, quem sabe, nos beijar.

Aliados até a morte.
Nesse jogo de soma zero,
Nesta manhã zombeteira,
Nesta sala que esvaziada de móveis
Mantendo somente aquilo que nos interessa – (...)
Aliados até a morte, ou ao menos até o fim do verão.
O que vier primeiro.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

I Know that you were no good


Ela morreu, neste dia 23. E os fanáticos estão fazendo o papel deles. Como se um monte deles não estivesse morrendo de câncer ou atropelados. Eu não mudo uma linha do que disse sobre ela, porque Amy fez muito mais do que a maioria por aí pode dizer que fez, e isso é o que realmente importa. é tudo muito triste a seu respeito, mas eu não vou declinar. Obrigado, garota.

Texto de 2009:



AMY E BILLIE

Tem uma garota que eu adoro que canta. Muito. Canta como se estivesse presa e quisesse fugir. Canta como se vivesse num outro mundo, e ela está. Como se estivesse chapada, como se soubesse que é linda e como se dissesse “que se foda”. E no final é isso que ela quer dizer. Amy, porquê você está nos jornais? O que você está fazendo aí? Seu lugar é no bar mais louco de Nova Orleans, Kerouac, Ginsberg, Cassady e orgias loucas estão te esperando. Quando você canta, ilumina com luz lilás os lugares mais sombrios das almas tempestuosas. Você me lembra... ela, que injetava amor, solidão, confusão e tristeza quando cantava. Billie. Billie, que apertava com força um garrote em torno de nossos corações e prendia-nos o sangue, antes de drogar-nos com sensualidade e melancolia, transformando seu microfone numa seringa que derrama lágrimas e versos. Ela era linda, como só os anjos que já caminharam pelo inferno podem ser. Ora, quem já caminhou pelo lado selvagem como gatos de rua, por essas vielas escuras cheias de dor, de maravilhas, de carícias e de terror; soltou aquele uivo de derrota e de satisfação, conseguiria cantar com tanta sinceridade e beleza. Amy, você é como Billie. Amy, eles querem que você pare, eu não. Amy, são eles os egoístas, não eu e você. Ou somos nós os egoístas, não eles, os samaritanos e fariseus. Deixe-os lavarem as mãos, continue vivendo, de corpo e alma. Body and soul. Que ironia, uma música da Billie. Uma noite eu sonhei que você cantava outra dela, St. Louis Blues, só para mim, e era incrível. Love of mine, someday you will die. Meu amor, um dia você vai morrer, é normal. Você já deixou marcas em muitos de nós. Os insatisfeitos, os insaciáveis, os solitários. Pra que se importar com eles? Eles já sabiam. Eles te conheceram assim. Esqueça tudo. Cante mais uma vez: You know that i’m no good... Eu sei que você não é nada boa. Nada correta. E eu sempre gostei assim mesmo, sempre quis o que me faz sofrer no final, e a história corre assim mesmo. Só peço que, antes de partir, cante mais uma vez o blues de St. Louis, porque Billie não pôde fazer isso por mim e eu sou melancólico até hoje por isso. Há uma luz que nunca se apaga.

domingo, 17 de julho de 2011

escrita

"Só se escreve porque é vital e escrever envolve insegurança, sofrimento, angústia e nenhuma espécie de paraíso. Escrever significa “mexer com quem tá quieto”, tá ligado? Ou seja, despertar memórias adormecidas, sofrer repetidamente o mesmo cruel acontecimento. E quem é que gosta disso a não ser esses sujeitos esquisitos e solitários trancados com suas máquinas de escrever nas noites de sábado?"

- Mário Bortolotto

sábado, 16 de julho de 2011

Back to the Beat

"Assim, na América, quando o sol se põe e eu sento no velho e arruinado cais no rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, e posso sentir toda aquela terra rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão até a Costa Oeste, e toda aquela estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando nessa imensidão, e em Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar, e essa noite as estrelas vão aparecer, e você não sabia que Deus é a Ursa Maior? E a estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria antes da chegada da noite completa que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia e ninguém,  ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice, eu penso em Dean Moriarty; penso até no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos; eu penso em Dean Moriarty."

Jack Kerouac, versos finais de "On the Road".

quinta-feira, 14 de julho de 2011

conselho

"Vão dormir, criancinhas. O Sandman está a caminho...."

 - Nick Cave and The Bad |Seeds, "Tupelo".

quinta-feira, 7 de julho de 2011

estilo



"o estilo é a resposta para tudo.
o modo fresco de encarar um dia chato ou perigoso.
fazer uma coisa chata com estilo é preferível a fazer uma
coisa perigosa sem estilo.
fazer uma coisa perigosa com estilo é o que chamo arte.
as touradas podem ser uma arte.
o boxe pode ser uma arte.
o amor pode ser uma arte.
abrir uma conserva de sardinhas pode ser uma arte.
não há muitos com estilo.
não há muitos que possam manter o estilo.
já vi cães com mais estilo que homens.
todavia poucos cães têm estilo.
os gatos têm-no em abundância.

quando hemingway pôs os seus miolos numa parede 
com uma shotgun, isso foi estilo.
às vezes as pessoas dão-te estilo.
joana d´arc tinha estilo.
joão baptista tinha estilo.
jesus.
sócrates.
césar.
garcía lorca.
conheci homens na prisão com estilo.
conheci mais homens na prisão com estilo do que fora dela.
o estilo é a diferença, um modo de o fazer, um modo de ser feito.
seis pássaros em silêncio numa poça de água, ou tu,
saindo da casa-de-banho sem me veres"








- Bukowski

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ensaio

Um silêncio do tamanho desse desespero que não tem nome, ambos tão imensos quanto a lua. Num inferno que eu mesmo criei, fiquei até as quatro da manhã desperto, pensando no que poderia ter dado errado. Nada.  Imaginando em que curva errei o caminho, tomei a direção mais perigosa. Exercício inútil, já repetido tantas e tantas noites. Por que sempre deste jeito, não sei. Mas não vou esperar até estar tudo irremediavelmente perdido para descobrir que era mais fácil do que parecia. Apenas mais fácil do que parece, porque fácil mesmo nunca é. Agora é encarar com a graça de um adulto, não a fragilidade de uma criança. Sempre teve a ver com insistir na decisão que foi tomada, e a despeito de tudo, se acostumar com alguns ossos que inevitavelmente serão quebrados pelo caminho, saber conviver com essa dor e não deixá-la te deixar cego para todo o resto, pois a dor é capaz de fazer este tipo de coisa. Basta levarmos um soco no estômago para instintivamente abaixarmos a cabeça e fecharmos os olhos, mecanismos de defesa que estão além de nosso controle; mas o bom boxeador sabe que é nessa hora que a guarda não deve ser baixa, deve-se sim lutar contra o primeiro instinto e manter-se firme, direcionar o olhar e lembrar contra o que está lutando, e se possível pelo que está lutando, porque o próximo golpe vem mais depressa do que se espera e não há tempo para se recuperar. Claro que sempre temos o sinal para um merecido descanso antes do próximo assalto, mas ele nem sempre virá quando precisamos, quase nunca vem. Então ficamos de pé, em nossos pés de bailarinos e nossa fé de anjos deserdados por Deus, que só podem contar com a própria sorte e com outros desavisados que aparecem pelo caminho. Assim sou eu. Desavisado e deserdado, a um só tempo. Tempo que insiste em passar, vida que insiste em doer. 

Noturno

Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

 
Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

 
dançam livres como libélulasem redor do fogo.



- Henriqueta Lisboa
Today,
my mind is an open door...
with nothing inside.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Um Sonho

O lugar tinha a fachada de um tom azul-marinho, com alguns pequenos detalhes em branco e vermelho, e um nome escrito sobre a porta que eu não conseguia ler. Também não conseguia reconhecer a musica que vinha lá de dentro, mas sabia que era algo familiar, com sopros e uma voz delicada que os acompanhava, quase como se ela estivesse sendo sussurrada próxima de meus ouvidos, e o som ficava mais alto se eu fechasse meus olhos. Uma placa na entrada exibia a carta de bebidas oferecidas na casa, todas com nomes em inglês e francês, e ao lado desta, outra plaqueta que especificava “somente sócios”. Então aquela casa magnífica, que exibia num telão imagens de filmes mudos e decorada com velas e arranjos de outros tempos só era aberta a sócios? O mais aterrorizante: as pessoas sentadas às mesas e de pé junto ao balcão pareciam muito felizes, enquanto comiam, conversavam, mesmo as que sentavam-se solitárias lendo seus livros ou assobiando a canção que ouviam. Pareciam aconchegadas como em casa, sem nenhuma gota da histeria ou brutalidade de gestos que observo em outros cantos. Com meu coração disparado, corri até aos umbrais de madeira do lugar, e quando empurrei a porta para forçar a entrada, percebi que estava trancada. Impassível diante de meus esforços. Impossível naquela tarde de neblina. E contentamento das pessoas em suas mesas, e a porta cada vez mais cerrada... desisti quando tive certeza que eu não era desejado lá. Aquela mulher que me fuzilou com seu olhar de escopeta, sua beleza mediterrânea, me expulsou como se colocasse um cão pra fora da igreja, um bêbado pra fora de um bordel. Sei que ela já existia em algum lugar na minha memória, e talvez por isso seu olhar tenha doído tanto. Saí com a certeza de que o lugar não era e nunca seria para mim, e o que via a frente era só uma avenida que era o retrato da desolação, cheio de bares, lojas de antiguidades e restaurantes de quinta que pareciam feitos para mim, agora que eu havia caído em desgraça, banido do Éden e forçado a caminhar para longe da felicidade que por um instante vislumbrei.
Acordei com uma aguda sensação de falta, como se algo houvesse sido arrancado de mim, de uma vez por todas.  

domingo, 3 de julho de 2011

A fúria dos pores-do-sol

Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo e fleuma.
Todo o dia construí
uma vida e agora
o sol afunda-se para
se desfazer.
O horizonte sangra
e chupa seu polegar.
O pequeno polegar vermelho
desaparece de vista.
E admiro-me
com minha própria vida,
este sonho que vivo.
Eu podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
Por que estou aqui?
Por que vivo nessa casa?
Quem é o responsável?
Hein?

- Anne Sexton

Tradução: Priscila Manhães

sábado, 2 de julho de 2011

Artistas e o ambiente





"A arte nada tem a ver com o ambiente, não lhe importa onde esteja. Se você se refere a mim, o melhor emprego que jamais me ofereceram foi o de administrador de um bordel. Em minha opinião, esse é o melhor ambiente em que um artista pode trabalhar. Goza de uma perfeita liberdade econômica, está livre do temor e da fome, dispõe de um teto sobre sua cabeça e nada tem que fazer senão levar umas poucas contas simples e ir pagá-las, uma vez ao mês, à polícia local. O lugar está tranqüilo durante a manhã, que é a melhor parte do dia para se trabalhar. Nas noites existe a suficiente atividade social, para que o artista não se aborreça, se não lhe importa participar dela, o trabalho dá certa posição social, nada tem ele que fazer porque a encarregada leva os livros, todas as empregadas da casa são mulheres, que, certamente, o tratarão com respeito e lhe dirão “senhor”. Todos os contrabandistas de licores da localidade também lhe dirão “senhor”.  Um mal ambiente somente o fará subir a pressão sangüínea, ao fazer-lhe passar mais tempo se sentindo frustrado ou indignado. Minha própria experiência me ensinou que os instrumentos que necessito , para um ofício, são papel, tabaco, comida e um pouco de whiskey..."


William Faulkner (link para entrevista com o escritor: http://www.revistabula.com/posts/entrevistas/entrevista-william-faulkner )

Mémoire

Imagem: "Barbette aplicando maquiagem", Man Ray, 1926.


Do cinema para a rua, da rua para o bar, do bar (esfumaçado, misterioso, aconchegante aos ouvidos – real? Não no Rio) para casa, meu quarto, no quarto, de volta para a cama e seus lençóis azuis vindos de um hospital psiquiátrico, não sei se utilizados ou não, mas que jamais contarão história alguma a respeito de noites de insônia, porres imaginários ou damas atrevidas, meus lençóis que calados valem por toda uma vida e por isso mesmo tiram meu sono por tantas ocorrências obscenas, indescritíveis ou apenas angustiantes em sua beleza, então é melhor trocá-los, por um sonho novo que se instaure e me revele uma nova realidade.
Ao lado da cama, uma garrafa de vinho que data de 1972 e dois livros que não sei de quando datam, mas tem me feito companhia, além de uma imensidão de memórias, rancores e sutis prazeres que carrego comigo só para manter minha consciência limpa de que tentei. Mas os fantasmas são ruidosos, eles nem sempre estão quietos como naquelas tardes e noites de junho, então para ter algum descanso, me arrasto até a sala, as correntes presas aos meus pés fazem algum barulho e eu temo acordá-la, demoro séculos para deixar este quarto que já se tornou inesquecível, memorável nos salões do tempo, atiro-me no sofá com a gana dos que tem sede.
(no espelho do quarto, vi um rosto que não era o meu, um movimento que nunca fiz, uma silhueta que delicadamente fazia a maquiagem, retocando olhos e boca num ritual que, não vou mentir, é tão excitante quanto um bom vinho).
Estico-me, apoio a cabeça contra a almofada enquanto a luz da janela da sala entra por um espaço pequeno o bastante para iluminar apenas o meu sorriso enquanto penso em você, em musica, em tardes de domingo e em gatos – o que afinal sonham os gatos quando dormem em grandes almofadas lilases de cetim?

quinta-feira, 23 de junho de 2011

"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."


Caio Fernando Abreu

Mulheres e cigarros

Anna Karina


Marlene Dietrich - o anjo azul


Charlotte Gainsbourg

Jeanne Moreau

Uma Thurman, como Mia Wallace

E inúmeras xícaras de café. E a mesma canção.

memórias (falsas)

Diz-se da memória que se trata de um estoque de experiência que reservamos e ao qual recorremos para enfrentar situações análogas, identificar padrões e estar preparados para contingências futuras, seja para corresponder ou frustrar expectativas de outros. De qualquer maneira, é uma forma de organizar e entender as coisas. Entretanto, pouco se sabe sobre o funcionamento deste mecanismo de armazenamento de experiências passadas, esta caixa preta; apenas que – óbvio – não retemos aquilo que não vivemos e que ninguém vive se só vive no presente.
Naquele princípio de noite, agíamos como se nada houvesse acontecido na manhã anterior. Nossos passos graves e nosso silêncio felino estavam em ressonância, mas o que havia acontecido parecia tão fora de todos os esquemas mentais que criáramos com a intenção de nos precaver do mundo, que daquela experiência só guardamos sensações sem ter aprendido coisa alguma com elas, como dois amadores à véspera de um grande acontecimento. Temíamos voltar àquilo que, independente de ter ocorrido há pouco mais de vinte e quatro horas, parecia não existir em nossa memória, enquanto os sentidos alertavam que algo estava fora do lugar, como um vulto que vemos com o canto de um dos olhos, ou a sensação de estar sendo perseguido ou um sonho do qual não nos lembramos, mas que deixa um leve incômodo. Quase falei para você: “pensei muito nas últimas palavras que você disse”, mas algo me impelia a pensar que essas poucas palavras poderiam fazer explodir o universo inteiro, ou talvez retirar a solene lua de sua órbita. Então, apenas prosseguimos. Seu olhar, ou melhor, os poucos olhares que você me lançou, me levaram a crer que dentro de ti se passava algo semelhante, certo temor de cometer um pecado tão grande, tão grande quanto derramar sal nas chagas de Cristo. Então, prosseguimos. Uma velha cruza nosso caminho e em sua sabedoria ela nos observa, certamente imaginando que fazemos aquilo que todos fazem com nossa idade: perdendo tempo pensando em como não se arrepender de alguma coisa. Ela sorri então afável, sabe que isso é da juventude e ela mesma deve ter desperdiçado muito tempo desse mesmo jeito. Uma chuva fina começa a cair, seguimos caminhando tentando não pensar no assunto. Em frente a uma loja de calçados, você pára e observa um sapato idêntico ao que você perdeu naquela manhã, e que eu sabia muito bem como. E me diz que perdeu um sapato como aquele, com um olhar triste. “Como você o perdeu?”. A pergunta é a deixa, e você, preparada, animada com a possibilidade aberta de eliminar de uma vez aquele desconforto causado por um corpo estranho no campo de suas memórias, responde: “quando desci do trem, chegando de N****” e me conta toda uma estória sobre um lugar, uma família, um mar infinito e um trabalho, todos hipotéticos, improváveis, mas eu acredito plenamente, enquanto você fala a própria verdade se delineia no contorno de seus lábios e eu silenciosamente rezo para que você não deixe de falar, não hesitaria um segundo entre escolher entre sua boca e a verdade; e se você esteve onde disse que esteve, então nunca estivemos juntos, naquela manhã nublada, e estas sensações não passam de devaneios. E criamos, enfim, uma memória, juntos lapidamos uma experiência para nos livrar de um sentimento e assim continuar nossos projetos paralelos, sem precisar esperar pelo próximo abalo sísmico, ou pelo próximo trem, que sabemos que inevitavelmente virá, e do qual nos esqueceremos, olvidados em nossas memórias arquitetadas.

domingo, 19 de junho de 2011

Oração para a chegada do inverno

Que você venha com teus poderes de assombro e conforto;
Que minha casa esteja fechada para os corvos do paraíso e aberta para suas noites de frio;
Não te temerei, ainda que esteja desabrigado, desamparado e só,
Porque sei que em tuas brisas há mais do que arrepios: Há também calor,
em uma forma estranha e delicada, mas ainda assim, para as almas sensíveis, calor;
Dias e mais dias ainda nos separam,
Mas te espero com a ansiedade e angústia dos amantes apartados;
Desde que findo o verão da histeria,
aguardo-te, inverno da temperança e suavidade,
dos abraços demorados e
das noites sem fim,
que começam com beijos insidiosos
e se prolongam noite adentro em sonhos com paisagens chuvosas.

Ao inverno, que ele venha
carregando em seus ventos as melodias das ninfas.

sábado, 18 de junho de 2011

Nos Salões do Sonho

Mas vocês não repararam, não?!
Nos salões do sonho nunca há espelhos...
Por quê?
Será porque somos tão nós mesmos
Que dispensamos o vão testemunho dos reflexos?
Ou, então
- e aqui começa um arrepio -
Seremos acaso tão outros?

Tão outros mesmos que não suportaríamos a visão daquilo,
Daquela coisa que nos estivesse olhando fixamente do outro lado,
Se espelhos houvesse!
Ninguém pode saber... Só o diria
Mas nada diz,
Por motivos que só ele conhece,
O misterioso Cenarista dos Sonhos!

Mário Quintana

domingo, 12 de junho de 2011

Gaviões Noturnos














"Nighthawks", Edward Hopper.


Os Gaviões noturnos
Só saem quando sabem que estarão a sós;
juntos, cada um em sua própria solidão
Se encontram num canto solitário da cidade
E beber, até se lembrarem de seus amores perdidos.


                                                                    R.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Walking after you

Foo Fighters:



Uma amiga me fez lembrar dessa música linda. Já paguei muito pau pra essa banda. E ainda sorrio melancolicamente quando escuto essa letra...

* Prometo que até o fim da semana volto a postar textos meus!

sábado, 28 de maio de 2011

O que o médico disse

 Ele disse não parece bom
 ele disse parece mau aliás muito mau
 ele disse eu contei trinta e dois deles em um pulmão antes
 de parar de contar
 eu disse fico feliz não ia querer saber
 que tem mais do que isso lá
 ele disse por acaso você é religioso você se ajoelha
 em bosques na floresta e se permite pedir ajuda
 quando encontra uma cachoeira
 a névoa soprando contra seu rosto seus braços
 você para e pede clareza nesses momentos
 eu disse não mas pretendo começar hoje mesmo
 ele disse sinto muito ele disse
 gostaria de ter outro tipo de notícia para dar
 eu disse Amém e ele disse algo mais
 que eu não entendi e sem saber mais o que fazer
 e sem querer que ele precisasse repetir aquilo
 e que eu realmente precisasse digeri-lo
 apenas olhei para ele
 por um minuto e ele olhou de volta foi então
 que me ergui num salto e apertei a mão daquele homem que
 acabara de me dar
 algo que ninguém no mundo jamais tinha me dado
 talvez eu tenha até agradecido por força do hábito.

 Raymond Carver

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...