quinta-feira, 28 de julho de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

I Know that you were no good


Ela morreu, neste dia 23. E os fanáticos estão fazendo o papel deles. Como se um monte deles não estivesse morrendo de câncer ou atropelados. Eu não mudo uma linha do que disse sobre ela, porque Amy fez muito mais do que a maioria por aí pode dizer que fez, e isso é o que realmente importa. é tudo muito triste a seu respeito, mas eu não vou declinar. Obrigado, garota.

Texto de 2009:



AMY E BILLIE

Tem uma garota que eu adoro que canta. Muito. Canta como se estivesse presa e quisesse fugir. Canta como se vivesse num outro mundo, e ela está. Como se estivesse chapada, como se soubesse que é linda e como se dissesse “que se foda”. E no final é isso que ela quer dizer. Amy, porquê você está nos jornais? O que você está fazendo aí? Seu lugar é no bar mais louco de Nova Orleans, Kerouac, Ginsberg, Cassady e orgias loucas estão te esperando. Quando você canta, ilumina com luz lilás os lugares mais sombrios das almas tempestuosas. Você me lembra... ela, que injetava amor, solidão, confusão e tristeza quando cantava. Billie. Billie, que apertava com força um garrote em torno de nossos corações e prendia-nos o sangue, antes de drogar-nos com sensualidade e melancolia, transformando seu microfone numa seringa que derrama lágrimas e versos. Ela era linda, como só os anjos que já caminharam pelo inferno podem ser. Ora, quem já caminhou pelo lado selvagem como gatos de rua, por essas vielas escuras cheias de dor, de maravilhas, de carícias e de terror; soltou aquele uivo de derrota e de satisfação, conseguiria cantar com tanta sinceridade e beleza. Amy, você é como Billie. Amy, eles querem que você pare, eu não. Amy, são eles os egoístas, não eu e você. Ou somos nós os egoístas, não eles, os samaritanos e fariseus. Deixe-os lavarem as mãos, continue vivendo, de corpo e alma. Body and soul. Que ironia, uma música da Billie. Uma noite eu sonhei que você cantava outra dela, St. Louis Blues, só para mim, e era incrível. Love of mine, someday you will die. Meu amor, um dia você vai morrer, é normal. Você já deixou marcas em muitos de nós. Os insatisfeitos, os insaciáveis, os solitários. Pra que se importar com eles? Eles já sabiam. Eles te conheceram assim. Esqueça tudo. Cante mais uma vez: You know that i’m no good... Eu sei que você não é nada boa. Nada correta. E eu sempre gostei assim mesmo, sempre quis o que me faz sofrer no final, e a história corre assim mesmo. Só peço que, antes de partir, cante mais uma vez o blues de St. Louis, porque Billie não pôde fazer isso por mim e eu sou melancólico até hoje por isso. Há uma luz que nunca se apaga.

domingo, 17 de julho de 2011

escrita

"Só se escreve porque é vital e escrever envolve insegurança, sofrimento, angústia e nenhuma espécie de paraíso. Escrever significa “mexer com quem tá quieto”, tá ligado? Ou seja, despertar memórias adormecidas, sofrer repetidamente o mesmo cruel acontecimento. E quem é que gosta disso a não ser esses sujeitos esquisitos e solitários trancados com suas máquinas de escrever nas noites de sábado?"

- Mário Bortolotto

sábado, 16 de julho de 2011

Back to the Beat

"Assim, na América, quando o sol se põe e eu sento no velho e arruinado cais no rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, e posso sentir toda aquela terra rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão até a Costa Oeste, e toda aquela estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando nessa imensidão, e em Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar, e essa noite as estrelas vão aparecer, e você não sabia que Deus é a Ursa Maior? E a estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria antes da chegada da noite completa que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia e ninguém,  ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice, eu penso em Dean Moriarty; penso até no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos; eu penso em Dean Moriarty."

Jack Kerouac, versos finais de "On the Road".

quinta-feira, 14 de julho de 2011

conselho

"Vão dormir, criancinhas. O Sandman está a caminho...."

 - Nick Cave and The Bad |Seeds, "Tupelo".

quinta-feira, 7 de julho de 2011

estilo



"o estilo é a resposta para tudo.
o modo fresco de encarar um dia chato ou perigoso.
fazer uma coisa chata com estilo é preferível a fazer uma
coisa perigosa sem estilo.
fazer uma coisa perigosa com estilo é o que chamo arte.
as touradas podem ser uma arte.
o boxe pode ser uma arte.
o amor pode ser uma arte.
abrir uma conserva de sardinhas pode ser uma arte.
não há muitos com estilo.
não há muitos que possam manter o estilo.
já vi cães com mais estilo que homens.
todavia poucos cães têm estilo.
os gatos têm-no em abundância.

quando hemingway pôs os seus miolos numa parede 
com uma shotgun, isso foi estilo.
às vezes as pessoas dão-te estilo.
joana d´arc tinha estilo.
joão baptista tinha estilo.
jesus.
sócrates.
césar.
garcía lorca.
conheci homens na prisão com estilo.
conheci mais homens na prisão com estilo do que fora dela.
o estilo é a diferença, um modo de o fazer, um modo de ser feito.
seis pássaros em silêncio numa poça de água, ou tu,
saindo da casa-de-banho sem me veres"








- Bukowski

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ensaio

Um silêncio do tamanho desse desespero que não tem nome, ambos tão imensos quanto a lua. Num inferno que eu mesmo criei, fiquei até as quatro da manhã desperto, pensando no que poderia ter dado errado. Nada.  Imaginando em que curva errei o caminho, tomei a direção mais perigosa. Exercício inútil, já repetido tantas e tantas noites. Por que sempre deste jeito, não sei. Mas não vou esperar até estar tudo irremediavelmente perdido para descobrir que era mais fácil do que parecia. Apenas mais fácil do que parece, porque fácil mesmo nunca é. Agora é encarar com a graça de um adulto, não a fragilidade de uma criança. Sempre teve a ver com insistir na decisão que foi tomada, e a despeito de tudo, se acostumar com alguns ossos que inevitavelmente serão quebrados pelo caminho, saber conviver com essa dor e não deixá-la te deixar cego para todo o resto, pois a dor é capaz de fazer este tipo de coisa. Basta levarmos um soco no estômago para instintivamente abaixarmos a cabeça e fecharmos os olhos, mecanismos de defesa que estão além de nosso controle; mas o bom boxeador sabe que é nessa hora que a guarda não deve ser baixa, deve-se sim lutar contra o primeiro instinto e manter-se firme, direcionar o olhar e lembrar contra o que está lutando, e se possível pelo que está lutando, porque o próximo golpe vem mais depressa do que se espera e não há tempo para se recuperar. Claro que sempre temos o sinal para um merecido descanso antes do próximo assalto, mas ele nem sempre virá quando precisamos, quase nunca vem. Então ficamos de pé, em nossos pés de bailarinos e nossa fé de anjos deserdados por Deus, que só podem contar com a própria sorte e com outros desavisados que aparecem pelo caminho. Assim sou eu. Desavisado e deserdado, a um só tempo. Tempo que insiste em passar, vida que insiste em doer. 

Noturno

Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

 
Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

 
dançam livres como libélulasem redor do fogo.



- Henriqueta Lisboa
Today,
my mind is an open door...
with nothing inside.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Um Sonho

O lugar tinha a fachada de um tom azul-marinho, com alguns pequenos detalhes em branco e vermelho, e um nome escrito sobre a porta que eu não conseguia ler. Também não conseguia reconhecer a musica que vinha lá de dentro, mas sabia que era algo familiar, com sopros e uma voz delicada que os acompanhava, quase como se ela estivesse sendo sussurrada próxima de meus ouvidos, e o som ficava mais alto se eu fechasse meus olhos. Uma placa na entrada exibia a carta de bebidas oferecidas na casa, todas com nomes em inglês e francês, e ao lado desta, outra plaqueta que especificava “somente sócios”. Então aquela casa magnífica, que exibia num telão imagens de filmes mudos e decorada com velas e arranjos de outros tempos só era aberta a sócios? O mais aterrorizante: as pessoas sentadas às mesas e de pé junto ao balcão pareciam muito felizes, enquanto comiam, conversavam, mesmo as que sentavam-se solitárias lendo seus livros ou assobiando a canção que ouviam. Pareciam aconchegadas como em casa, sem nenhuma gota da histeria ou brutalidade de gestos que observo em outros cantos. Com meu coração disparado, corri até aos umbrais de madeira do lugar, e quando empurrei a porta para forçar a entrada, percebi que estava trancada. Impassível diante de meus esforços. Impossível naquela tarde de neblina. E contentamento das pessoas em suas mesas, e a porta cada vez mais cerrada... desisti quando tive certeza que eu não era desejado lá. Aquela mulher que me fuzilou com seu olhar de escopeta, sua beleza mediterrânea, me expulsou como se colocasse um cão pra fora da igreja, um bêbado pra fora de um bordel. Sei que ela já existia em algum lugar na minha memória, e talvez por isso seu olhar tenha doído tanto. Saí com a certeza de que o lugar não era e nunca seria para mim, e o que via a frente era só uma avenida que era o retrato da desolação, cheio de bares, lojas de antiguidades e restaurantes de quinta que pareciam feitos para mim, agora que eu havia caído em desgraça, banido do Éden e forçado a caminhar para longe da felicidade que por um instante vislumbrei.
Acordei com uma aguda sensação de falta, como se algo houvesse sido arrancado de mim, de uma vez por todas.  

domingo, 3 de julho de 2011

A fúria dos pores-do-sol

Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo e fleuma.
Todo o dia construí
uma vida e agora
o sol afunda-se para
se desfazer.
O horizonte sangra
e chupa seu polegar.
O pequeno polegar vermelho
desaparece de vista.
E admiro-me
com minha própria vida,
este sonho que vivo.
Eu podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
Por que estou aqui?
Por que vivo nessa casa?
Quem é o responsável?
Hein?

- Anne Sexton

Tradução: Priscila Manhães

sábado, 2 de julho de 2011

Artistas e o ambiente





"A arte nada tem a ver com o ambiente, não lhe importa onde esteja. Se você se refere a mim, o melhor emprego que jamais me ofereceram foi o de administrador de um bordel. Em minha opinião, esse é o melhor ambiente em que um artista pode trabalhar. Goza de uma perfeita liberdade econômica, está livre do temor e da fome, dispõe de um teto sobre sua cabeça e nada tem que fazer senão levar umas poucas contas simples e ir pagá-las, uma vez ao mês, à polícia local. O lugar está tranqüilo durante a manhã, que é a melhor parte do dia para se trabalhar. Nas noites existe a suficiente atividade social, para que o artista não se aborreça, se não lhe importa participar dela, o trabalho dá certa posição social, nada tem ele que fazer porque a encarregada leva os livros, todas as empregadas da casa são mulheres, que, certamente, o tratarão com respeito e lhe dirão “senhor”. Todos os contrabandistas de licores da localidade também lhe dirão “senhor”.  Um mal ambiente somente o fará subir a pressão sangüínea, ao fazer-lhe passar mais tempo se sentindo frustrado ou indignado. Minha própria experiência me ensinou que os instrumentos que necessito , para um ofício, são papel, tabaco, comida e um pouco de whiskey..."


William Faulkner (link para entrevista com o escritor: http://www.revistabula.com/posts/entrevistas/entrevista-william-faulkner )

Mémoire

Imagem: "Barbette aplicando maquiagem", Man Ray, 1926.


Do cinema para a rua, da rua para o bar, do bar (esfumaçado, misterioso, aconchegante aos ouvidos – real? Não no Rio) para casa, meu quarto, no quarto, de volta para a cama e seus lençóis azuis vindos de um hospital psiquiátrico, não sei se utilizados ou não, mas que jamais contarão história alguma a respeito de noites de insônia, porres imaginários ou damas atrevidas, meus lençóis que calados valem por toda uma vida e por isso mesmo tiram meu sono por tantas ocorrências obscenas, indescritíveis ou apenas angustiantes em sua beleza, então é melhor trocá-los, por um sonho novo que se instaure e me revele uma nova realidade.
Ao lado da cama, uma garrafa de vinho que data de 1972 e dois livros que não sei de quando datam, mas tem me feito companhia, além de uma imensidão de memórias, rancores e sutis prazeres que carrego comigo só para manter minha consciência limpa de que tentei. Mas os fantasmas são ruidosos, eles nem sempre estão quietos como naquelas tardes e noites de junho, então para ter algum descanso, me arrasto até a sala, as correntes presas aos meus pés fazem algum barulho e eu temo acordá-la, demoro séculos para deixar este quarto que já se tornou inesquecível, memorável nos salões do tempo, atiro-me no sofá com a gana dos que tem sede.
(no espelho do quarto, vi um rosto que não era o meu, um movimento que nunca fiz, uma silhueta que delicadamente fazia a maquiagem, retocando olhos e boca num ritual que, não vou mentir, é tão excitante quanto um bom vinho).
Estico-me, apoio a cabeça contra a almofada enquanto a luz da janela da sala entra por um espaço pequeno o bastante para iluminar apenas o meu sorriso enquanto penso em você, em musica, em tardes de domingo e em gatos – o que afinal sonham os gatos quando dormem em grandes almofadas lilases de cetim?

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...