sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sobre toca-discos e um gosto qualquer seu


Eu (e todos nós) e meus (nossos) pequenos espantos cotidianos, como aquele toca-discos encostado num canto do quarto e que volta a funcionar de repente quando você simplesmente está sem saco pra dormir e fazendo qualquer coisa para que o tempo passe. Foi com este sentimento que encontrei rabiscado em meu antigo caderno de notas uma frase sobre você. Era assim: “e ela chegou flutuando e criou um paraíso dentro do meu inferno”, no meio de umas tantas bobagens que eu já havia esquecido. Mas esta frase, especificamente, não era uma bobagem. Era, continua sendo, muito sério. Mas acho que só agora eu entendo as implicações dela. Como exclamado pelo personagem de Noites Brancas, ninguém precisa de mais do que um minuto inteiro de felicidade para sentir que sua vida valeu a pena. E foi muito mais que um minuto, foram horas e horas que você me entregou! E enquanto eu fumava meu último cigarro da noite na varanda, me perguntava como pude até a pouco tempo querer me livrar do gosto em minha boca que eu acreditava ser amargo porque amarga está minha vida. Neste exato momento, com toda minha atenção voltada apenas para mim, percebi que meus lábios ainda tinham o seu sabor, e é aquele mesmo agridoce que senti na primeira vez em que estivemos realmente juntos. E eu não quero esquecer isso. Não quero perder. O gosto amargo que sobe de meu estômago até a boca por tantas vezes em meu dia nada tem a ver com a lembrança de nossos beijos clandestinos. Não importa se não os tenho mais, não exorcizarei esta lembrança como um cão tocado de dentro da igreja. É minha vida que tem me dado dissabores dos quais não consigo me livrar. Não sou o mesmo que era antes, e como poderia? Acontece que ainda não fiz os ajustes necessários entre quem sou agora e aquela pequena essência da qual sou feito, que ainda persiste dentro de mim. E nem sei se farei um dia. De alguma forma eu tento lidar com este descompasso e a grande descoberta destes dias de total inércia pelos quais passei foi ver que este azedume nada tem a ver com você. Não vou, não posso mentir: My heart still hurts from last night, como diria aquela música bacana. A queda foi dura. Mas eu estou me erguendo, e não preciso esquecer pra isso. Veja só, andei perambulando pela casa de muita gente recentemente e, pode até parecer irônico, não foram poucas aquelas nas quais havia um toca-discos quebrado num canto qualquer.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Do diário de Anaïs Nin

                Cena do filme "Henry & June", de Philip Kaufman


"Pela primeira vez sei o que é comer. Ganhei 2 Kg. Fico desesperadamente faminta, e a comida que como me dá um prazer duradouro. Nunca comi dessa maneira profunda e carnal. Só tenho três desejos agora, comer, dormir e foder. Os cabarés me excitam. Quero ouvir música roca, ver rostos, roçar-me em corpos, beber um Benedictine ardente. Belas mulheres e homens atraentes provocam desejos em mim. Quero dançar. Quero drogas. Quero conhecer pessoas perversas, ser íntima delas. Nunca olho para pessoas inocentes. Quero morder a vida, e ser despedaçada por ela. Henry não me dá tudo isso. Eu despertei o seu amor. Ele sabe foder como ninguém, mas eu quero mais do que isso. Eu vou para o inferno, para o inferno, para o inferno. Selvagem, selvagem, selvagem".


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Eu não preciso de nada que me distraia esta manhã
Nada pra me fazer rir, também;
Tenho gargalhado o bastante nos últimos dias,
Risadas demais pra alguém a beira do abismo e
Que tem sonhado todas as noites com o fundo do mar.

O que precisava hoje era tão somente de uma boa notícia,
Uma notícia que fosse para mim.
Uma boa notícia, uma surpresa ou um convite;
Era tudo que eu precisava para iluminar esta manhã,
Porque do sol que brilha lá fora eu já estou farto.

Já disse que aquilo que preciso esta manhã é uma surpresa:
Uma carta num envelope enfeitado chegando pelos correios,
Escutar na rua uma música perdida em minha lembrança,
Ou você, telefonando pra dizer que já vem.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Jorge Luis Borges

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de um certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Blue Moon


"Blue Moon, you saw me standing alone, without a dream in my heart, without a love of my own"...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Vai Passar

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessado não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça. Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca...

(Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Munch - Cigarro aceso;

Olho pra este quadro e não sei o que nele me passa essa sensação de terror. Me parece que a fumaça que sai do cigarro se espalha pelo quadro e o homem que o segura é apenas uma imagem materializada dessa fumaça. E sua expressão é grave, como se soubesse de algo que nenhum de nós sabe, um segredo que ele traz de onde ele veio. Depois percebo que o cigarro não poderia criar o homem e imagino, então, que a fumaça que sai do cigarro aceso por ele está na verdade consumindo-o, aos poucos ele se mistura com a fumaça e vai desaparecendo e é isso que lhe dá essa expressão grave, a consciência de que ele mesmo acendeu a chama de sua extinção iminente, e ele segue resoluto rumo ao fim, me encarando. E eu acho que entendo-o.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Peregrino

“Há uma larga estrada aberta e, querida, eu quero que você saiba: Você pode partir rumo ao sul, ou pode voltar para casa" - Jhonny Cash, "Wide Open Road.

Colocou as coisas na bolsa e saiu no meio da noite. Seria tolo perder esta oportunidade, o caminhão estaria lá, a sua espera, para enfim se atirar à vida larga e improvável que lhe aguardava estrada a frente. Antes de abrir a porta, se deteve por alguns minutos para pensar uma última vez no que estava prestes a fazer. Pensando friamente sobre isso, ele sabia que seria só mais uma oportunidade perdida, se deixasse passar.
Não poderia nem dizer que seria a maior delas. Ele já deixou passar chances maiores de dar vida a alguns de seus sonhos e não foi por medo, não foi conformismo, nem o cálculo sobre os custos, foi apenas o hábito de permanecer e dar uma chance a mais a todos os destroços, escombros e sombras que ele chamava imprudentemente de vida. Imprudência, imaturidade ou miopia, tanto faz, ele se acostumou a ver aquele emaranhado de erros e acertos como o substrato de tudo do que ele é feito, como uma colcha de retalhos que, ainda que feia, aquece. Acontece que agora essa colcha está cheia de buracos feitos pelos ratos da rotina e da solidão e deixa o frio entrar quando a noite vem, e algo sopra no seu ouvido que ele pode partir, que não é nenhum crime escapar. E assim ele foi, hesitante mas certo de que nesta vida se deve chegar a algum lugar, pelos meios que estiverem disponíveis. Seus únicos sapatos, já gastos, velhos companheiros de empreitadas abortadas em seus estágios iniciais, amigos que não o abandonaram, estão com ele enquanto ele encara o vento frio, os uivos de cães invisíveis e as incertezas, suas incertezas que assombram feito um raio lunar entrando pela janela e iluminando sombriamente o corredor de um casarão antigo. Entoou suas preces, que ele sempre fazia apenas para o caso de que exista algo que possa escutá-lo numa noite assim tão escura, e pensou nos passos que levaram pra longe seus amigos e tantos outros que estavam sempre se deslocando: Pensou no herói de Reinaldo Arenas perambulando de México a Cuba, em Kerouac pedindo carona em algum ponto da 66, São Francisco de Assis despojado de seus pertences caminhando ao lado de animais, Thoreau perdido em algum bosque perdido no tempo, Buda sendo ele mesmo perdido em caminhadas e visões e enfim em seu pai em algum vagão de trem rumo ao interior desconhecido. Não impediu que as lágrimas viessem. Não mais. Nunca mais tentaria esconder sua fraqueza, não agora que sabia o quanto era forte. Chegando ao posto de gasolina, por algum motivo não se espantou tanto ao ver aquele caminhão já distante na estrada. Estava alguns minutos atrasado, mas quem é que pode saber quanto tempo se leva para consertar toda uma vida?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Reconhecimento (mãos também foram feitas para preces e socos)


Estas pernas já estão cambaleantes há algum tempo
Mas isso não é uma justificativa.
Se me ajoelhei, é porque preciso ser salvo.
Às vezes, é preciso ceder,
senão, nenhum milagre acontece.
Faz algum tempo que venho sonhando com milagres;
Nada de extraordinário,
só um milagre menor.
Como um gol aos 48’ do segundo tempo;
Como um disco do Neil Young num sebo empoeirado;
Uma ligação inesperada quando ‘cê tá bêbado de madrugada;
Um bar aberto na noite de natal;
Um milagre tão pequeno e tão insignificante para o mundo
Que ninguém saberá que foi um.
Estas pernas estão cambaleantes e frágeis,
Mas elas aguentam mais alguns rounds.
Quem sabe eu não seja como Cassius Clay
E esteja só esperando que a vida se canse de me dar porradas
Pra enfim reagir?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

E o que fazer com aquela vontade de cometer alguma besteira pra ir parar em coma só pra ver o quanto você vale?

As trevas de outubro

Eu estou absolutamente envergonhado e arrependido de ter, em algum momento, manifestado o otimismo com o qual outubro normalmente me toma. Ter tornado isso público, dito isso pra algumas pessoas. Nunca um mês começou tão agressivo, enunciador de tantas desgraças pelas quais ainda terei de passar simplesmente porque minha natureza jamais irá mudar.
No dia em que completei 30 anos, eu enterrei a minha avó. E não se trata apenas de sentimentalismo e simbolismo barato. Dói mesmo. Na pior circunstância possível, que eu não vou detalhar aqui. Basta dizer que eu tinha motivos pra acreditar que eu estava lá para começar a ser alguém novo, e o passado me bateu na cara. O mesmo erro continuava sendo cometido. A história é velha, eu sei, mas ela segue em frente. 
Desde então, o passado, esse fantasma, tem me lembrado de tudo isso. Uma semana depois, e eu estou aqui sendo tomado de assalto novamente pelos meus erros. Sempre foi assim. Sempre que tentei mudar e fazer de um jeito diferente, meus erros retornam indomáveis e me dizem que eu sou assim e não há nada que possa mudar isso. E eu sofro insistindo em dizer que não, quando, para me sentir melhor, bastaria seguir esse fluxo, essa pulsão inumana que me habita. Foi o mais próximo que cheguei de qualquer coisa parecida com felicidade, foi quando segui esse impulso. O resto é distração. Acontece que essa violência toda cobra caro. Nunca terei uma série de coisas que de todo o coração desejo... e, quando a coisa se torna insuportável, eu decido mudar. E sempre que faço isso, eles retornam. Pra me dizer que não há ponto de retorno, que as cartas já foram jogadas. E eu sinto não ter as forças suficientes pra lutar contra isso. Sozinho, como todos estão. 
Mais uma esperança jogada fora, é hora de retornar ao velho ciclo. Jamais tentarei ser bom novamente.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Beleza Aniquiladora


Quem usou esta expressão pela primeira vez devia estar terrivelmente consciente do que dizia. Pobre homem.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A parte que me cabe (entre clichês)

Esfrie duas xícaras de café
Pensando em mim; apenas em mim;
Acenda um cigarro, deixo-o queimar entre seus dedos,
Enquanto pensa apenas em mim;
Olhe para o canto, disfarce o choro,
Dê bom dia aos passantes e não,
Não deixe de pensar em mim.

Dias bons, dias ruins se alternam e penso em você, só em você.
Você pode até passar por isso um dia com alguém e ainda assim não saberá como é
Voltar para a mesma casa fria de madrugada
Como faço todos os dias, pensando em você.

sábado, 6 de outubro de 2012

Até os 30, cachaça, amor e sorrisos
Me fizeram aguentar o tranco.
Já deu. Daqui pre frente,
o tranco que me aguente.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

There is no Greater Love

Audiência de Amy com produtores da Island... sing, Amy, sing.

Enquanto Houver Olhos Como Os Seus




Enquanto houver olhos como os seus, será sempre dia para mim. E enquanto for dia, nenhum sol além dos teus olhos. O sol pode queimar minha pele, mas a noite gela minha alma e nem sempre foi assim, houve um tempo em que as noites eram minhas, amigas, solidárias e acolhedoras, agora não passam de noites escuras que passo em claro esperando para ver seus olhos resplandecerem em meio a tantas cores diurnas, não temo mais o sol (nem a estrela nem teus olhos) quero te ver colorida em suas vestes de leveza e tenho pensado até mesmo em abandonar meus panos pretos e trocá-los por qualquer coisa mais alegre e tudo por causa dos teus olhos, vestidos, mãos e sorrisos. Como se você sempre houvesse existido e, como o sol, só se apagará em milhões de anos, levando consigo tudo o mais que existe, pálido que ficaria o universo sem tua beleza.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Anúncio

Meio que inadvertido respondi àquele anúncio, na incerteza de suas consequências. Talvez procurando um desafio que estivesse à altura do meu tédio, ou talvez apenas eu houvesse desenvolvido uma talento mediúnico inconsciente que me levou ao encontro de um abismo que eu definitivamente não conseguiria transpôr nem com o maior salto do qual minhas pernas seriam capazes. Saltei, fui fundo, gozei, me surpreendi. Agora, depois de caído, festejei a queda. E você continua tão linda. Por que, afinal, deixaste aquele recado na minha caixa de e-mails: "procura-se um amor marceneiro capaz de reformar um coração destruído"?

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Outubro

Outubro sempre chega. Atenuando a dor por amigos ausentes, amores perdidos, ofensas não vingadas. Inocentando a todos nós perante os tribunais da memória. Dando a seus filhos mais uma chance, é pegar ou largar. Outubro sempre chega, com a primavera cantando.

domingo, 30 de setembro de 2012

Cartas


O que aconteceu com aquele cara que escrevia cartas? Afogou-se num mar de comprimidos para dormir numa madrugada qualquer? Descobriu o pote de ouro no fim do arco-íris e foi, enfim, ser feliz? Acordou numa manhã de sonhos intranquilos e se viu metamorfoseado em outra pessoa? Bom, ele desapareceu, não se veem mais cartas assinadas com seu nome, viajando clandestinamente. Alguém irá notar que suas cartas desapareceram? É uma possibilidade, mas, esteja onde estiver, ele dorme sonhando que em alguma gaveta repousa uma de suas missivas, que quando abertas deixam escapar uma música do My Blood Valentine.

domingo, 9 de setembro de 2012

Joana a Contragosto



"O amor, para mim, ainda era o mesmo ônibus errado. Desde o Aterro do Flamengo até parar no Leblon, sem que eu me desse conta que Copacabana ficava no meio do caminho. Se antes de Joana já era difícil entender o itinerário ou "meu lugar nesse mundo", depois dela e de seus abismos, que não passavam de córregos estreitos,e  da loucurinha controlada com antidepressivos violentos, dos filhos matados no dia seguinte e até da beleza disfarçada em tragédia, e por isso mesmo mais bela, mais trágica, enfim, se antes dela e de todo esse pacote de novidades e cemitérios já me era difícil atravessar as ruas e dar bom-dia ao porteiro do meu prédio, depois de Joana perdi completamente o senso de navegação, e também o pouco daquilo que chamam por aí de "si mesmo" ou do sujeito que (antes, antes dessa mulher...) se achava apesar da confusão".

M. Mirisola.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Sangue Latino

"Rompi tratados,
Traí os ritos.
Quebrei a lança, lancei no espaço
Um grito, um desabafo.
E o que me importa é não estar vencido."

É o que mais importa. O resto é sombra.

domingo, 26 de agosto de 2012

Sobre auto-detratação, Tribunais e Inércia

Já me perguntaram mais de uma vez porque eu falo tão mal de mim mesmo e porque me tenho em tão baixa conta. E eu nunca soube direito o que responder. E então só dizia "porque é verdade" ou "não sei, mas não vou fazer mais isso". Mas nunca parei. Nem uma trégua. Sempre me proponho tréguas, mas o cessar-fogo dura apenas até o primeiro gole de conhaque. Mas já tem algum tempo que ninguém me pergunta mais isso. E faz sentido, a coisa se desgasta, as pessoas se cansam de perguntar a mesma coisa. E eu sempre sinto que devia estar dando uma resposta diferente, dar-lhes alguma coisa mais palpável, mais observável, mais sensata, enfim. Mas não isso seria honesto de minha parte, e eu tô cheio de mentiras. Mas numa dessas madrugadas de sábado sozinho, me perguntando qual, afinal de contas, é o meu problema, cheguei a uma resposta que, se não é de todo sincera (mas nenhuma seria mesmo), ao menos não é uma completa mentira. O fato é que todo mundo devia ter alguém para explicitar os seus defeitos, vícios e desvantagens. É por isso que existem os bullyies nas escolas, as pessoas de humor negro, os bêbados e os loucos que perderam suas respectivas noções de sociabilidade  e cordialidade. Na falta de quem fale mal de mim, eu me encarrego do serviço sujo. Mas daria muito trabalho ofender a mim mesmo e depois me defender de mim. E me defender é algo que muitos tentaram, mas eu não facilito o trabalho de ninguém. É difícil ser promotoria, defesa e réu no mesmo processo. E neste tribunal não há um júri de meus pares. Eu não tenho par.


                                               *************

O princípio da inércia postula que um corpo tende a manter seu estado de movimento, e se não sofrer a força de nenhuma ação ou de forças de ação que se anulem, ele consegue. Isso significa que se estiver parado, ele permanecerá parado, e se estiver em movimento, ele seguirá assim. O uso comum do termo leva as pessoas a associarem essa lei da física à paralisia, mas esta é só uma de suas propriedades. Um corpo pode continuar se movimentando, por inércia. Bom, o motivo de eu estar relembrando a primeira lei de Newton é o seguinte: Me descobri, como quem tem uma súbita revelação, uma visão, pra ser mais fiel ao que me aconteceu, inapelavelmente inerte. Agindo simplesmente porque não havia força alguma para me parar, assim como não havia nenhuma para me mover mais rápido. Seguindo o fluxo de uma estrada que não era a minha. E o único sintoma era o sentimento de esvaziamento, uma incapacidade de sentir os prazeres normais de qualquer pessoa, de deixar que meu pior lado fosse responsável pelo que eu sentia, nutria, amava. Matei muita coisa que sempre me foi cara. Deixei que coisas que não deveriam ter acontecido ocorrerem. Me perdi, no pior sentido do verbo. E foi só agora, quando este sentimento ganhou contornos físicos, com um rosto, uma voz e um nome, eu me vi desperto e, pela primeira vez, reduzindo a velocidade. E percebi que eu não estava sequer no controle. E senti, bem lá no fundo do peito, um desejo de mudar de direção. E só de pensar nisso, eu sorri sozinho, como não fazia há muito tempo, não sóbrio. Pode não significar muito pra ninguém, mas significa pra mim. Hora de mudar não apenas o valor da Força que age sobre mim, mas a direção vetorial. Hora de experimentar o efeito de outra lei, a da gravidade. Porque sou um corpo dotado de massa, e meu peso há de aumentar com a aceleração. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012



"Se você não ficar de pé por alguma coisa, você cairá por qualquer coisa".


"Olhar a vida de frente. Sempre, olhar a vida de frente. Conhecê-la pelo que ela é. Finalmente conhecê-la. Amá-la pelo que ela é. E então, descartá-la".


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Um Mundo de Desassossego


Um passo em direção à varanda, e a paz acaba.

Do lado de fora, o mundo sorri,

Diabólico;

A natureza me é estranhamente familiar

E as pessoas pequenos pedaços de absurdo;

Da varanda, eu contemplo o espetáculo de suas misérias

E meu cigarro no filtro

É uma metáfora pobre do fim que chegará para todos,

Inclusive para mim.

Antes que a morte me alcance, porém,

Tenho que lidar com todo esse desassossego

Dentro de minha alma,

Meus maus hábitos e minha calma insana.

Não existe tranquilidade para um coração

Inchado como a lua cheia;

Paz, ela só existe dentro de minha casa,

Da porta pra dentro,

De meu corpo pra fora.

domingo, 12 de agosto de 2012

Don't Let me Be Misunderstood

- Mário Bortolotto.

(O poema que eu citei no post anterior).

A tarde que parece inatingível
Meu suspirar nervoso e quase insolente
Quando a cozinha é quase um pântano
Quando o coração ameaça explodir no peito
Quando seu nível de apreensão te levar a completa exaustão
Quando você brinca com frisbees pra passar o tempo
Quando o tempo ameaça não passar
Quando a música te levar para um canto escuro atrás da cortina
Quando toda tristeza derrubar sua porta
E não há como dormir, não há como fugir
Quando saio na noite incendiando bares
Quando volto pra casa com a alma atormentada
me sentindo o mais solitário e infeliz dos caras

Você saindo de dentro de um temporal
com o sorriso mais bonito do mundo.

                                     


Que algumas coisas têm que ficar para trás para que outras novas possam chegar e ocupar o lugar delas, é algo que eu já aprendi tem tempo. Conheço bem estes ciclos em que uma parte que você considerava imprescindível de tua vida te abandona ou precisa ser abandonada, por mais que doa. Não que seja fácil ou indolor, mas tenho algum know-how neste tema. Desde sempre. Algumas pessoas próximas chegam a nem me reconhecer mais quando isso acontece. Mas elas se acostumam, porque depois de um tempo percebem que eu, eu mesmo, não mudei porra nenhuma, afinal, o DNA é o mesmo, sou o mesmo amontoado de células de antes, the modern monkey de sempre; valores e crenças estão aí para serem trocados como roupas. E sim, eu mudo meu guarda-roupa bem de vez em quando. Mas quando mudo, vai tudo embora de uma vez. Quase tudo. E eu sinto que é hora de outra mudança, de forçar o vento a soprar em outra direção mais uma vez. Quando você sente que já não cabe em si mesmo, que uma outra pessoa tem vivido dentro de você, e sente-se alienado de si mesmo, é hora de mudar de novo. Tenho tido comportamentos suspeitos que evidenciam essa necessidade. Meu sentimentalismo barato aprendido com baladas dos anos 80 e poemas de Neruda e Garcia Lorca não vão me salvar agora. Normalmente, sou do tipo que sai da fossa com coisas mínimas, uma chuva no fim da tarde, uma musica que não ouvia há tempos, ou, como naquele poema do Bortolotto, "você, saindo de um temporal, com o sorriso mais bonito do mundo". Todas essas coisas costumam aliviar a pressão, e quando elas não mais o fazem, ou eu mudo os filmes que vejo, lugares por onde ando, ou tudo de uma vez. E sei que tenho acordado todos os dias dizendo pra mim mesmo que odeio o jeito como estou fazendo as coisas, que este não sou eu. Que meu tesão agora é outro e tenho que acabar com a dificuldade de assumir isto. E a hora, creio eu, é de recuperar algumas coisas que deixei para trás. Coisas que posso aproveitar melhor agora, com o benefício da idade, enquanto há tempo. Eu tinha o potencial. Tinha as armas. A vontade. E deixei passar. E talvez não seja tarde pra tentar de novo. Um pouco de foco, ânimo, e talvez algumas drogas, e eu volto à minha melhor forma. Farei isso. E poderei me orgulhar, algum dia, de ter tentado. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Cruel Intentions



Placebo - Every You, Every Me
" (...) Tem o braço recurvado sobre a testa, a outra mão apoiada contra o peito, como para comprimir os batimentos de um coração fechado a todas as confidências, oprimido pelo pesado fardo de um segredo eterno. Cansado da vida, envergonhado por caminhar entre seres que não se assemelham a ele, o desespero tomou conta de sua alma, e prossegue sozinho, como o mendigo do valo. (...) De bom grado, fala às vezes com aqueles que têm o temperamento sensível, sem lhes tocar a mão, mantendo-se à distância, no temor de um perigo imaginário. Se lhe perguntam porque tomou a solidão por companhia, seus olhos se elevam para o céu, mal retendo uma lágrima de recriminação contra a Providência; mas ele não responde a essa pergunta imprudente, que espalha pela neve das suas faces o rubor da rosa matutina. Se a conversa se prolonga, inquieta-se, volta os olhos para os quatro pontos cardeais do horizonte, como para tentar fugir da presença de um inimigo invisível que se aproxima, faz um brusco aceno de adeus com a mão, afasta-se sobre as asas do seu pudor despertado e desaparece na floresta. Tomam-no geralmente por louco."

- Lautréamont, "Os Cantos de Maldoror", canto primeiro.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

"Como vivemos desse fiapo de nada!!!"

Do blog do Xico Sá (10/08/2012):

"Basta eu pensar que você pensa em mim. Um segundo já é o bastante.

Tempo líquido em que nada se solidifica, nem o nostálgico amor de pica.

Por um momento pensar que você pensa em mim... só isso interessa".

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Matheus 6, 22-23

"A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;

Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!".




quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Candy Says (The Velvet Underground)



Candy diz:
Cheguei a odiar me corpo
E tudo que ele exige neste mundo.

Candy diz:
Gostaria de saber completamente
Sobre o que os outros tão discretamente conversam.

Eu vou observar os pássaros azuis voarem sobre meus ombros;
Vou observar eles passarem por mim.
Talvez quando eu for mais velho,
O que você acha que eu veria
Se eu pudesse me afastar de mim?

Candy diz, eu odeio os lugares quietos
Que provocam o menor sabor do que virá.
Candy diz, eu odeio as grandes decisões
Que causam infinitas revisões em minha mente.


Eu vou observar os pássaros azuis voarem sobre meus ombros;
Vou observar eles passarem por mim.
Talvez quando eu for mais velho,
O que você acha que eu veria
Se eu pudesse me afastar de mim?


A razão de tudo é eu sair por aí procurando alguma coisa que faça meu sangue ferver. É o motivo pra beber tanto, pra ouvir rock, pra iniciar conversações suspeitas, pra ficar acordado até tarde. Acho que até a razão pra me levantar da cama pela manhã tem a ver com esperar que alguma coisa perigosa aconteça. E nada mais perigoso suas pernas movendo-se com graça por entre os objetos espalhados pela sala. Em sincronia com seus olhares, os movimentos de suas pernas a aproximam de mim como a serpente que hipnotiza. E eu que  me levantei da cama apenas para isso fico indefeso diante de tamanha provocação, nenhuma outra reação diante de teu corpo além de aceitar este convite para o regresso à cama, agora incendiada. Sua boca é meu ponto fraco e seus seios o lugar onde repousa meu desejo, do início ao fim. Todos os dias acordando com a certeza de que és a fonte de todos os meus problemas e ainda assim vou esperar que você chegue com suas sapatilhas mortais, seu toque de Midas, perturbando minha existência com mais um punhado de doces problemas aos quais eu me lanço pretensiosamente a tentar solucionar obsessivo. Você vai pisar em meu coração. E do furo feito pelo teu salto, jorrará um sangue quente feito o inferno.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Caras como eu não deveriam viajar de avião


Quando o avião acelerou na pista, se preparando para a decolagem, eu olhei pela janela e me vi do lado de fora, menino, correndo ao lado dele. O avião arremetendo contra as nuvens me lembrou de mim quando criança, tomando distância da lagoa lá embaixo, correndo, correndo, mais rápido e mais rápido, ganhando velocidade para, a um passo do fim, saltar buscando o céu e finalmente caindo dentro d’água não sem uma pontada de frustração. E desta vez, ao invés de despencar, eu subi. E subi, cada vez mais. E uma vez acima das nuvens, foi inevitável o deslumbramento, a fascinação diante do improvável, mas regada a certa melancolia vinda não sei de onde.  Tudo era tão claro e tão cheio de paz, que contrastava com essa inquietação de espírito que não me abandonava mesmo ali. Eu desejava aquele silêncio do mundo lá fora, a paz do infinito. Era como se, aprisionado dentro de uma gaiola de ferro, eu houvesse sido lançado para fora do espaço e do tempo, tentando cruzar uma barreira há muito esquecida por quem já se habituou a voar, claro, sem asas. Pela primeira vez desempenhava uma viagem e a estrada não estava lá, arrancada de sua nobreza e santidade, não havia nada nas nuvens que lembrassem as rodovias que ligam cidades e corações como artérias de concreto e poeira, e lentamente as nuvens iam assumindo para mim um tom enegrecido, um tipo de deserto particular, um inferno próximo ao céu, uma cor azul de um vazio anômalo, entediante, sinistro até. O céu não te permite visões. Eu estava próximo de meu destino, sem sentir que havia realmente deixado algum lugar, e mesmo quando revolvia meus pensamentos a algo menos terrível, alguma turbulência me trazia de volta do meu caos interior e eu encarava a paz infinita lá de fora, o avião sacudia e sacudia, e eu murmurava para que apenas eu pudesse ouvir: “caia de uma vez, caia, apenas dessa vez, caia, maldição”. Ele não caía, e do meu lado via a senhora olhando para mim com um misto de espanto e reprovação no olhar. Pelo visto eu não murmurei baixo o suficiente. Eu ri, meu primeiro sorriso desde a decolagem. Caras como eu não deveriam viajar de avião. Senti uma saudade enorme do garoto que não decolava e caía n’água, mas ri porque sabia que lá embaixo haveria uma estrada pra mim como há para todo mundo.

A melhor canção de amor já composta?

Leonard Cohen: "One of Us Cannot Be Wrong".




Perfeita.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Números de uma viagem.

Três ladeiras abaixo.
Dois ônibus daqueles.
Duas horas de avião em direção ao sul.
Uma van cheia de "buenas muchachas".
Um trem para o mercado.
Mais um ônibus.
Cheguei.
Só pra te ver?
Não, nunca mais.
Por mais que te ame, PoA,
Você é só mais uma estação no caminho.

domingo, 22 de julho de 2012

A lanterna mágica



“Wilhelm, que seria, para o nosso coração, o mundo inteiro sem amor? O mesmo que uma lanterna mágica apagada! Assim que a gente coloca aí uma lâmpada, imagens de todas as cores se projetam na tela branca... E quando fosse apenas isso, fantasmas efêmeros, nós encontramos a felicidade postando-nos diante deles, como as crianças se extasiam ao contemplar aquelas aparições maravilhosas!” (Werther, Johann Wolfgang Von Goethe).
A lanterna mágica foi o ancestral direto do cinema. Uma caixa ou cilindro de metal em que dentro queimava uma lâmpada e que, através de um passa-lentes no qual se colocavam pinturas diversas, projetava em uma tela ou parede branca imagens assombrosas. Encantou muito mais do que crianças. Sábios, cientistas, reis e plebes inteiras maravilharam-se com aquela que também era conhecida como lanterna do medo.
A lanterna mágica projetava sonhos e medos. E suas imagens se abasteciam de um fogo que se consumia depois de algum tempo. Também a vida se nutre de um sentido maior que o de meramente estar vivo. Por isso a metáfora é perfeita. Não possuímos mais lanternas mágicas. Temos o cinema.

E minha vida tem sido um projetor sem filme.

Shame



"I don't need no rising sun
I don't need no ball and chain
I don't need anything, but you.

Such a shame, shame, shame.
Shame is the shadow of love."

sábado, 21 de julho de 2012

Eu previ o futuro, e sei que essa previsão, diferente de muita coisa na minha vida, está certa. O problema é que o futuro não chega, não chega, e até lá me desespero, choro, bebo, sim, fico bêbado e durmo sonhando com fadas, violinos, putas, navalhas e uma porção de assombrações, rostos de mortos que jamais deixam de me perseguir por que eu não quero, eu não deixo. Lá se vão anos desde que (...) partiu, anos desde que (...) pela primeira vez, anos desde que (...) foi assassinado e tudo isto retorna, dia a dia, como se eu não pudesse fazer nada a respeito. Todos os dias eu digo a mim mesmo que não devo alimentar estes fantasmas, tento cantar pra mim canções alegres, tento acreditar que todo o problema está apenas na minha cabeça, mas isto não é o suficiente. Nem toda a paixão do mundo pelas coisas próximas é capaz de varrer essa doença pra longe - ainda que com um passe de mágica através do movimento rápido de suas mãos ela consiga, por instantes, afastar todas as sombras e exibir o sol que se oculta entre nuvens negras, mas elas sempre voltam quando ela se vai, ou quando não vem - então eu fico sempre acreditando que o problema é maior, mais profundo e inabalável. E o que desejo é uma porção tão ínfima de tudo que eu poderia ter. E que terei. Talvez falte a mim o sangue que banha as mais gloriosas conquistas, a chama exígua que aquece e consome.

sexta-feira, 20 de julho de 2012


O maior pecado então será esse.
Você e eu cercados por nossos fantasmas desejando talvez
estar longe dali,
e ainda assim, desfrutando aquela pontada de prazer
que o medo traz.
Você nunca saberá se aquela excitação
vem do ranger de dentes destes animais ferozes
ou de minha mão entre suas pernas.
Em todo caso, abrirá elas um pouco mais
enquanto sussurro mentiras leigas,
nada de muito novo ou especial.
Apenas um tipo peculiar de embriaguez,
um antigo pecado conhecido.
Nenhum crime que não tenha sido catalogado,
vil como da primeira vez que nos tocamos
na escuridão de nossas almas,
na tristeza que vagava ao nosso redor naqueles dias,
na imensidão de desassossego
que insiste em nos perseguir até os dias de hoje,
na falha de caráter comum a todas as pedras que rolam,
na inocência abandonada na infância
e recuperada naquele último suspiro antes do gozo.  

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Certezas:

As pessoas estão cheias delas.

Eu também estou cheio delas.

Delas, e de suas certezas.

It's You

"When I was younger,
I spend my days
Wondering to whom
I Was suposed to pray.

It's you.

(PJ Harvey).

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Delicadeza ou Desespero?



O amor é intoxicação. Quando não envenenamento. E eu penso nisso sempre que olho o número de livros, filmes, poemas, musicas e afins. E nem é preciso olhar o conteúdo, os títulos já entregam. Aliás, a quantidade de filmes que tinham a palavra "amor" (e seus derivados) essa temporada nos cinemas foi de lascar. Não que eu não goste, mas essa verve monotemática me enjoa às vezes.
(Ok, já pensei sobre a possibilidade disso ser recalque de pessoa mal-amada. Não precisa me lembrar. Mas mesmo em minha amargura em relação ao amor eu ainda consigo manter um olhar de longe pra falar sobre isso. Aliás, uma coisa é falar de amor na arte e falar dele como é. Sou principiante sim em termos de amor. Mas não somos todos? Segundo Truffaut, no amor os homens são sempre amadores e as mulheres profissionais. No que concordo absolutamente).
Mas voltando.
Há um filme em cartaz - que não vou assistir, of course - chamado "A Delicadeza do Amor". Por uma dessas coincidências, eu passava de ônibus em frente a um cinema com esse filme em cartaz e no meu celular tocava "The Desperate Kingdon of Love", da minha musa PJ Harvey.
Difícil contraste maior. Amor ou desespero? Porra, não acho o amor delicado. No meio do amor pode haver delicadeza, como pode haver delicadeza em passar manteiga no pão ou ao entrar no ônibus. Mas no fundo, é desespero. É tesão e medo de perder o ser amado. Claro que não tô julgando o filme que não vi e nem vou ver. O título em si não diz muito. Poderia ser sobre a delicadeza que pode haver no amor, e sem dúvida há (mas pelo que soube, o filme é isso mesmo: o amor é delicado). Tanto faz. Mas me chamou atenção o fato de os nomes enfatizarem aspectos tão diferentes do amor. Ou talvez momentos diferentes. Momentos. A delicadeza existiria após a fúria, o furacão que varre todas as nossas certezas? Há quem viva desses vendavais. E, após a explosão inicial, rompem e partem em busca de um novo amor. E há quem não conheça essa explosão, que só desfrutam o que no amor há de delicado e calmo e... pouco. Existe amar pouco? O amor é sempre demasiado, carrega consigo uma porção desesperada. Sublimar esse desespero não significa extirpá-lo. Mas e o amor sem delicadeza, resiste? Não sei. Sei que o amor feito de som e fúria é uma vela que queima dos dois lados, e que não vai durar a noite inteira. Mas, como diria Neil Young, é melhor arder em chamas do que evaporar.

           

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sem Resposta


Até onde posso ver, nada está suficientemente claro. E eu tento entender por que. O senhor que veio até mim no ponto de ônibus, há dez anos, pra me contar que sua filha havia suicidado porque não passou no vestibular pra medicina, ele tentava entender. A jovem que ia toda noite ao mesmo ponto esperar pelo amante que prometeu que viria e nunca veio, queria entender. E eu sempre imaginei que os jogadores daquela seleção da Hungria em ’54, por muito tempo devem ter acordado sobressaltados no meio da noite tentando entender. E o cachorro expulso do bar, esperando do lado de fora algum resto de comida de presente, também ele tenta entender. A todos falta alguma coisa. Há mais na foto do que o olho pode enxergar, me diz a canção, e isso vale pra todo mundo, então porque me sentir tão deslocado? Será que entre os andrajos e veredas de uma vida torta não há espaço para um pouco de suavidade? Ou este gosto de decepção já está tão impregnado na boca que mesmo as canções mais doces soarão sempre amargas? Eu só sei que o homem que se olha no espelho pela manhã não é o mesmo que faz suas orações antes de dormir, e se um dia este rio resolver correr na direção contrária, não será por não ter tentado seguir a corrente comum e ele não deixará de ser um rio por conta disso. Não sei. Em algum lugar entre a violência do gozo e a resignação de um adeus devem estar a calma, sorrisos e um café da manhã livre de pressa. Em algum lugar que meus olhos ainda não alcançam, deve estar aquela que com a suavidade da voz me põe em contato comigo mesmo, e faz o mundo girar como se existisse mesmo um eixo. 
Parece que, no final das contas,
Todos temos nossas uvas verdes.

Da Mão Impossível


Eu não quero mais que uma mão,
uma mão ferida, se possível.
Eu não quero mais que uma mão,
ainda que passe mil noites sem leito.

Seria um pálido lírio de cal,
seria uma pomba amarrada a meu coração,
seria o guardião que na noite de meu trânsito
proibiria absolutamente a entrada à lua.

Eu não quero mais que essa mão
para os diários óleos e o lenço branco da minha agonia.

Eu não quero mais que essa mão
para ter uma asa de minha morte.

Tudo mais passa.
Rubor já sem nome, astro perpétuo.
O demais é o outro; vento triste,
enquanto as folhas fogem em bando.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Nylon Smile




"I'd like to laugh at what you said
but i just can't find a smile.
Wonder why you can't.
I struggle with myself.
Hoping I might change a little
Hoping that  I might be someone I wanna be".

Portishead.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

"Não há comparação entre o que está perdido por não ter sucesso
 e que se perde por não tentar." 


Francis Bacon

domingo, 8 de julho de 2012




Calmo e distante. Não fui eu que pedi por esse ar indiferente e magoado. Eu, que nem sempre demonstro exatamente o que se passa. É a suavidade do ar quando a noite chega, uma borboleta voa trêmula sobre meu ombro, e eu calmo, calmo e distante, com a mente em lírios, violetas, o ou que quer que sejam estas pétalas que povoam meu pensamento. O Nada possui essa virtude peculiar de me trazer de volta, e quando você me vir assim, distante, saiba que estou centrado em mim como a árvore que produz o próprio alimento (ou talvez um cachorro atrás do próprio rabo); o Nada me protege e me afasta. As ondas do mar soam distantes agora, um fantasma melancólico assovia uma canção, não há mais tumultos ou pessoas: mesmo no epicentro do furacão, estou calmo e distante. Eis o que sou, um caos calmo.

Sobre a Arte (VII e VIII)


VII (Pina)

A dança como uma obsessão
Os movimentos são poesia para o olhar
E um desafio para as palavras
Que, não servindo para medir, descrever ou narrar,
Contentam-se com a medíocre tarefa de exaltar,
Elogiar o encanto dos corpos.
Mas o olho com a Câmera vai além
Propõe um casamento nunca tentado
Entre a paixão e os fotogramas,
Entre os sonâmbulos no palco e os sonhadores ante a tela.
Eu apenas observo,
E por um instante imagino estar encarando nos olhos
A mulher que criava tempestades.
Apenas uma ilusão,
Com qualquer casamento,
Como qualquer paixão.


sábado, 7 de julho de 2012

Essas violetas


As flores de outubro são as delicadas violetas
Para as quais ninguém olha,
Ninguém posa, ninguém pergunta
Ninguém há que note seus olhares inquietos
Suas vozes dissonantes
Seus desejos ocultos, sua euforia discreta.

São essas as flores que enfeitam as janelas
De quem vive no escuro
Na solidão de um quarto nos fundos,
Separados da leve alegria das
Crianças na sala de estar;

Assim são as flores de outubro e
Eu só queria te falar de como é
Ter estórias e não ter ouvintes;
Ser para poucos e desejar a todos;

Mas você não pode ouvir
Esses lamentos lilases
Essas rosas que não deram certo
Esse amor que é desmedido e manchado,
Essa dor que recusa a exatidão dos termos
E que nega até mesmo ser contada nos mais lindos versos. 

Auge

A mulher está perfeita.
Morto,

Seu corpo mostra um sorriso de satisfação,
A ilusão de uma necessidade grega

Flui pelas dobras de sua toga,
Nus, seus pés

Parecem nos dizer:
Fomos tão longe, é o fim.

Cada criança morta, uma serpente branca
Em volta de cada

Vasilha de leite, agora vazia.
Ela abraçou

Todas em seu seio como pétalas
De uma rosa que se fecha quando o jardim

Se espessa e odores sangram
Da garganta profunda e doce de uma flor noturna.

A lua não tem nada que estar triste,
Espiando tudo de seu capuz de osso.

Ela já está acostumada a isso.
Seu lado negro avança e draga.

(Sylvia Plath)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Um Lugar Legal para Estar (When the Music Stops)


Ela me disse casualmente
Que havia notado a mancha de sangue na minha camisa
Disse a ela: “Não se preocupe, não é nada”
Ela respondeu “Eu não to preocupada”
Resmunguei: “É melhor assim”
Achei que podia me divertir um pouco
Assistindo uma luta de boxe na TV
Tirei a camisa manchada de sangue e joguei no tanque
Ela vestiu uma microssaia e saiu para a rua
Abri uma cerveja e resolvi esperar
Os ponteiros do relógio eram guilhotinas no meu pescoço
Quando ela voltou, não falei nada
Fiquei no escuro vendo ela se mexer
Deixando cair sua saia
No caminho pro banheiro
Deixou a luz acesa e ouvi o barulho
Não vou usar de eufemismos nesse momento
Pra dizer o que ela estava fazendo
Somos um casal com tempo de serviço
Nossa indiferença mútua provava isso
Meu enorme peso no sofá atestava isso
Ela acendeu um cigarro no escuro da sala
E a chama do isqueiro fez com que ela me notasse
“é mais difícil do que você imagina”, ela disse
E o seu desprezo me acertou como um blefe de pôquer
Ainda ficou um tempo olhando pra mim
Antes de vencer o orgulho e perguntar
“O que era a mancha na sua camisa?”
“Já disse. Não é nada. Não precisa se preocupar”
Ela soltou um foda-se e foi pro quarto,
Deitou e ficou fumando olhando o teto
Levantei e fui andando até o banheiro
Cambaleei e tive que me apoiar na porta
Abri o armário e peguei o mercúrio-cromo
Ou você não sabia que a maioria das histórias de amor
Terminam com alguém limpando as feridas?

- Mário Bortolotto

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Mais duas citações.


"Só utiliza a razão quem nela incorpora suas paixões" (Raduan Nassar, "Um Copo de Cólera").

"Essas botas foram feitas para pisar. É tudo que sabem fazer. Um dia essas botas irão pisar sobre você" ("These Boots Were Made for Walking", Lee Hazlewood).


Nunca fez tanto sentido.

I Started a Joke



Tola, mas dilacerante.

domingo, 27 de maio de 2012

Maria de Medeiros, linda.






Pois,
Causa espanto viver entre
Longas tardes de apatia e
Espasmos de loucura;
Num canto qualquer como este,
Uma simples brisa serve como um toque
Do infinito.

Ode


Ora, e de que adianta que eu me aproveite neste instante de pequenos eufemismos circulantes para expressar este amor? Chegas até mim devastadora em teus saltos altos e olhos arrebatadores e esperas comedimento de minha carne? És os últimos degraus da escadaria que subo suplicante de joelhos, és minha derradeira parada, minha última tentativa de ser santo. Nos desolados estaleiros da noite, canta o bardo a canção que fiz para ti em desespero. Não fosse por ti, ainda estaria sóbrio, esta e tantas outras noites. Não fosse por ti, seria apenas uma vela acesa, e não centenas. Não fosse por ti, seria a morte a que tanto anseio e não esta vida, com meu desejo resplandecendo na noite. Não sejamos hipócritas. Há santos que morreram por motivos bem menos nobres e até hoje são lembrados. E só o que importa é que agora aqui corre sangue e outros tantos fluídos que nem sei se são meus. E desculpe por estar falando de fluídos em linhas que só deveriam conter sentimentos, mas afinal creio que não sei separar as coisas como se pertencessem a mundos diferentes. Tudo passa pelo sexo, pelo instinto e no fim por fluídos trocados e celebrados em idas e vindas escaldantes. E de nada me serve florir de atenuantes verbais estas indecências: é de seu corpo colado ao meu, incendiando minhas entranhas, que preciso. E para o inferno com tudo aquilo que é morno. Em minha cama entenderás que esta calma que vês só existe três polegadas acima da pele.

sábado, 26 de maio de 2012

Se


Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,
De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho! 


(Rudyard Kipling, tradução Guilherme de Almeida).

domingo, 20 de maio de 2012

Eu prometo contar tudo se você prometer não fugir assustada com o que ouvir.
Não ligo se você ficar assustada, mas não fuja.
Se eu te decepcionar, releve.
Se eu confessar um pecado, absolva-me.
Existem os crimes da alma e os crimes do amor, cometi-os aos montes
Sendo eu mesmo a unica vítima.
Não te peço que me proteja, muito menos que me entenda.
Só não fuja batendo a porta, pois precisaremos dela aberta para os dias que virão.


terça-feira, 27 de março de 2012

In Loco

Olha, eu sei que tô na mesma merda de cinco malditos anos atrás, mas veja, ao menos li mais livros e corri mais alguns quilômetros, dezenas deles na verdade, não que isso seja essencial, mas ao menos cria a ilusão de movimento, de que as coisas estão indo para frente e não para trás, afinal, não se pode desler o que já foi lido então tá tudo certo, eu estou bem, garanto, ter mudado a marca do cigarro pra um mais fraco não altera em nada o resultado do processo, a morte ainda virá e ela é bem vinda, ora bolas, nos contorcemos sempre por causa do mesmo sal que atiram sobre nossa pele e eu sei, vai chegar um tempo em que isso tudo não fará mais sentido nenhum e até isso deve ser considerado um avanço, nossas nobres mentes aprendendo com erros triviais, meus sonhos ruins e aquele meu problema (não vou inscrevê-lo aqui) continuam, mas quem realmente achou que isso mudaria merece minha admiração porque, e eu não sei quanto de vaidade ou orgulho cabe nisso, mas eu não mudarei jamais, no máximo terei visto outros filmes e isso em si já é muita história pra contar, eu tenho que te contar que eu ainda me imagino em Memphis, Amsterdan e St. Louis, apenas adicionado desta vez de Buenos Aires, e já que estamos falando em progresso, Buenos Aires está bem perto de acontecer e eu queria que você fosse a primeira a saber disso, mas como te ligar só pra dizer que vou conhecer Buenos Aires, você acharia que é só uma desculpa estúpida (dentre as tanto que invento - ora, sou expert nelas, como você bem sabe - mas eu garanto que isso é só uma forma de não te aborrecer, nem a você nem a ninguém, sobre as verdades idiotas sobre minha vida, e isso não é uma queixa, mas até hoje ninguém me convenceu da primazia da verdade sobre a mentira, mas definitivamente a verdade pode facilitar as coisas e eu estou aos poucos aprendendo a facilitar e não complicar minha vida com planos que se adiam por um ano inteiro, e mesmo essas mentirinhas já estão me enchendo o saco e estou decidido a pará-las), só uma desculpa estúpida pra ouvir tua voz, e sei lá, não quero que você desligue o telefone na minha cara, seria deprimente demais depois de tudo, então eu acho que vou te mandar só um cartão postal de Buenos Aires e espero mesmo que você entenda que eu quero que assim que você abra o envelope, pense "oh, ele conseguiu então", sempre penso se você pensa em minha vida no Rio de Janeiro, é uma conquista, mesmo estando na merda em que estou, vai ver que mudanças tem mais a ver com qualidade que quantidade, então, se não mudei tudo que devia, coisas essenciais  não são mais as mesmas e aquilo que ontem parecia tão importante eu só me lembro mesmo quando arrumo minha coisas e mexo nas minhas lembranças, nos vexames e tristezas e outras coisas das quais eu devia ter vergonha, mas sabe de uma coisa? 
Eu só sinto uma puta vontade de gritar. 
Nada mudou, é sério. O gosto na boca ainda é o mesmo e até meus dedos têm seu cheiro.
Acho que vou parar por aqui. 
Hei, acho também que vou escrever um poema.
 Como há cinco anos. 

quarta-feira, 14 de março de 2012

De repente, Nós

Por, Camila Fraga (aqui)


De repente o dia é só uma
Chuva torrencial que não pára de
Cair
Tu cantando no banheiro depois de
Nos esfregarmos num edredom
Sujo
De repente a vida é só nós dois
engolindo bebidas
enquanto olhamos um nos
Olhos doutro
Enquanto tudo lá fora desaba
De repente tudo sou eu e você
Enquanto crianças choram
Por sorvetes derrubados no chão
Nós dois rindo pra caralho por
Qualquer merda
Enquanto o ônibus pula em solavancos
Escrotos
Seus dedos pelas minhas coxas
Calcinhas
De repente é você caminhando
pelo nosso quarto
fumando um cigarro na janela
enquanto eu cravo minhas unhas nas
pernas
Louca de vontade de te beijar os pés
De repente a gente num passa de dois
Desajustados
Sem nenhum charme
Passando shampoo um no outro
Enquanto te dou um banho de água gelada
Gosto quando tu bebe a água em mim
E a gente ri sem motivo
Como duas crianças babacas
De repente tudo é
Só eu e você e nada
Mais.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Incandescente

Porque nem tudo que reluz no escuro
São brinquedos fluorescentes
Interruptores de luz ou fantasmas;
Algumas pessoas têm estrelas cadentes no lugar dos olhos
E, em chamas, meu coração grita por elas.

E assim surge uma pequena trilha iluminada
No meio das trevas em que caminho.

A Morte de Sylvia







para Sylvia Plath

Ó Sylvia, Sylvia,
com um féretro de pedras e colheres,

com dois filhos, dois meteoros
vagando livres numa pequena sala de jogos,

com sua boca contra o lençol,
na viga do teto, na silenciosa prece,

(Sylvia, Sylvia
onde você foi
depois de me escrever
de Devonshire
sobre cultivar batatas
e criar abelhas?)

o que reparou
justamente quando se deitou?

Ladra —
como se rastejou,

rastejou sozinha
para a morte que desejei tanto e por tanto tempo

a morte que ambas dissemos ter vencido,
a mesma que carregamos em nossos peitos mirrados,

a mesma que conversamos freqüentemente
cada vez que engolimos três martinis extra secos em Boston,

a morte que falava de analistas e curas,
a morte que talava como noivas com tramas,

a morte que nós bebíamos,
os motivos e a taciturna realidade?

(Em Boston
os moribundos
viajam em táxis,
sim outra vez a morte,
viaja pra casa
com nossa criança.)

Ó Sylvia, lembro do sonolento baterista
que batia em nossos olhos com uma velha história,

como queríamos deixá-lo vir
como um sádico ou uma fada de Nova Iorque, 

para fazer seu trabalho,
uma necessidade, uma janela numa parede ou um berço,

e desde então ele esperou
sob nossos corações, nossas despensas,

vejo agora que
ano após ano, velhos suicídios

e sinto ante a notícia de tua morte
um horrível sabor, como o sal

(E eu,
eu também.
E agora, Sylvia
você outra vez
com a morte outra vez
viaja pra casa
com nossa criança.)

E digo apenas
com meus braços estirados naquele pedregal,

que é tua morte
senão uma antiga possessão,

uma verruga que caiu
de um dos teus poemas?

(Oh amiga,
enquanto a lua é má,
e o rei parte,
e a rainha perde a razão
o bêbado deve cantar!)

Ó mãezinha,
você também!
Ó estranha duquesa!
Ó coisa loura!

17 de fevereiro de 1963

Tradução de Priscila Manhães
Anne sexton

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...