terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Delirium Tremens


Sinto sua mão ausente desembaraçar meus cabelos e seu hálito quente sopra em minha nuca ainda que nunca estejas realmente aqui. Seus seios roçam suavemente minhas costas nuas, seus arrepios são meus arrepios eu pressinto o pior conforme sua mão desliza pelo meu ventre. Mordes com força meu pescoço e sequer deixa a marca de teus dentes como lembrança, maldita. Sinto seus dedos dentro de minhas calças e se minha mente já não tolera o peso insuportável de sua ausência tirânica o que dizer de meus nervos insistindo nestes impulsos de gozo e de aflição que me tomam ao lembrar seu nome, da palidez de sua pele? “Tenho você sob minha pele” não é mais uma metáfora quando cravas as unhas em minha virilha e sussurra meu nome, eu me reviro na cama, solitário, indo e voltando, a respiração cada vez mais pesada como se você segurasse meu pescoço forçando um orgasmo ainda mais intenso, uma sensação violenta de morte – umedece os lençóis, transtorna minhas roupas, sangra minha carne e você ainda assim não está aqui. 
"Embrace Lovers II", Egon Schiele



segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aqueles que Rezam em Silêncio



Ele não sabe o que dizer para ela, e não é porque seja um animal que não possa verbalizar o que sente, ele apenas teme que exista algo de intrinsecamente maligno em suas palavras que possa, como uma bigorna desabando sobre uma fina superfície de gelo, fazer em pedaços tudo o que existe entre eles até então. Alguns homens já testemunharam horrores demais causados por eles enquanto tentavam fazer o melhor; outros de nós já fomos responsáveis por tanta dor e loucura de outras mulheres quando acreditávamos estar apenas nos divertindo que a mera presença da mulher que francamente amamos afugenta nossa coragem; outros ainda aprendem cedo demais que possuem uma dívida para com o gênero feminino que é irreparável e inegociável e só o que resta é se calar; outros são lutadores cansados que esperam sempre o último bater de porta e barulho de saltos na escada como se esperassem o golpe final que os derrubará; há homens que se debatem na cama e acordam com a sensação de terem falado durante o sono algo que não deveria ser dito, e se calam por medo que suas palavras desencadeiem a derradeira briga; em comum, nós homens apenas não nos acostumamos a falar de nossos sentimentos e tememos sempre expressar da forma errada um sentimento que é incomunicável, tentamos fazer com que o afeto seja sempre algo físico, que possa ser expresso por meio de toques, abraços apertados, beijos, lambidas, arrepios, ereções, empurrões desastrados, socos na parede, cortes dos copos que se quebram em nossas mãos, gritos primais que irradiam uma violência que já associamos à virilidade. Não se trata de covardia, mas, de uma limitação que desde cedo consideramos uma demência cognitiva incurável, que nos acompanhará de lar em lar, de copo em copo, de bar em bar, de relacionamento em relacionamento, nos lembrando que somos animais e que o mal mora dentro de nós não importa o quanto rezemos, o quanto fujamos. Homens se calam, alguns até reverenciam o silêncio, porque se sentem seguros assim. Aí mora o motivo de sua danação. O sentido trágico de suas vidas. Alguns, inconformados com seu destino, rebelam-se, gritam, quebram pratos, culpam a vítima, partem para o ataque, agridem, atacam com violência quem juraram proteger. Outros, mais resignados, acendem cigarros e cantarolam baixinho enquanto elas dormem. E pedem ao Deus que eles nem sabem se existe para que, quando acordem, aqueles anjos não façam perguntas, ou que aquele momento possa durar para sempre.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Rotina

                Ilustração: xkcd

Acordou, e ao perceber que ainda faltavam 20 minutos para o horário que havia decidido acordar, voltara a dormir. Teve um pesadelo envolvendo uma casa abandonada, ratos do tamanho de Poodles e Justin Bieber gritando histericamente. Acordou assustado e logo se deu conta de que não ouviu o despertador. Pensou se seria possível a voz estridente do astro teen num sonho abafar a musica dos Smiths no celular no mundo real. Deixou logo de lado essas elucubrações, levantou-se e preparou um café forte. Enquanto esperava ele ficar pronto, puxou o livro de Manuel Bandeira à procura de um poema e releu "Pneumotórax". Em seguida, "Poética", seu preferido. Pensou que deveria compartilhar ele com mais gente. Abriu o facebook. O café ficou pronto. Se serviu, trouxe a cafeteira para próximo de si, junto ao computador, passou geleia em duas fatias de pão de forma e sentou-se novamente. Navegou por uns instantes pelas postagens de seus contatos. Duas pessoas davam "bom dia" a quem quer que estivesse on line. Um outro compartilhava um link sobre a importância da desmilitarização da polícia. Outro, uma montagem de gosto duvidoso em que homens de terno em cima de um palanque eram colocados atrás de grades e a mensagem em letras garrafais dizia: "Cadeia Para os Condenados no Mensalão". A inadequação ortográfica da mensagem o incomodava demais, pensou em comentar isso, mas decidiu que quem está preocupado com o mensalão não deve ter muito tempo pra gramática. Havia um texto sobre as tais manifestações de junho, mas era longo e parecia ser enfadonho, também. Enfim, haviam pessoas criticando a política externa norte-americana, o jornalismo brasileiro, a futilidade moderna, o show do Justin Bieber (ele, mais uma vez), defesas do comunitarismo, do amor livre e do Caetano Veloso. Se pergunta qual o sentido daquilo tudo. Tantas pessoas militando numa rede social em prol de alguma coisa, cada um com sua causa. Riu da frase espirituosa. Todos preocupados com algum problema, mas gostando que os outros também estejam preocupados com outros problemas, num eterno ciclo de compartilhar e curtir. Aliás, está certo chamar isso de compartilhar? Os problemas (e links, fotos, montagens, textos, etc ad infinitum) são compartilhados ou publicados por narcisismo e carência? Vai saber. Fato é que as pessoas parecem mesmo dar importância a isso e quem publica coisas sérias tem muito mais pontos na corrida por status aqui. Riu ao lembrar dos discursos que culpam as redes sociais por ilhar as pessoas em seus próprios casulos sob a ilusão de interação e integração. Quanta bobagem. Até onde ele consegue entender, as redes sociais amplificaram uma característica antiga dos agrupamentos humanos: A tendência à elaboração de papos de surdos e mudos em que ninguem diz nada e ninguem escuta nada. Algo como uma assembléia geral de Ciências Sociais elevada à enésima potência. Riu mais uma vez. Terminou o café. Lembrou do trabalho. Desistiu de publicar o poema. Fechou o livro do Bandeira. Sorriu, triste e satisfeito. O dia começou.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cherry

Tasty - Jen Mazza


Ela gosta de chupar dedos

Morder pescoços

Lamber dorsos

E devorar sonhos.

Deixo-a fazer o que quiser.


A Índole da Multidão



(Charles Bukowski)

Há suficiente traição, ódio,
violência,
Absurdo no ser humano comum
Para abastecer qualquer exército a qualquer
momento.
E Os Melhores Assassinos São Aqueles
Que Pregam Contra o Assassinato.
E Os Melhores No Ódio São Aqueles
Que Pregam Amor
E Os Melhores Na Guerra
-Enfim- São Aqueles Que Pregam
Paz
Aqueles Que Pregam Deus
Precisam de Deus
Aqueles Que Pregam Paz
Não Têm Paz.
Aqueles Que Pregam Amor
Não Têm Amor
Cuidado Com Os Pregadores.
Cuidado Com Os Conhecedores.
Cuidado
Com Aqueles
Que Estão Sempre
Lendo
Livros
Cuidado Com Aqueles Que Ou Destestam
A Pobreza Ou Orgulham-se Dela
Cuidado Com Aqueles Rápidos Em Elogiar
Pois Eles Precisam de Louvor Em Retorno
Cuidado Com Aqueles Rápidos Em Censurar:
Eles Temem O Que
Desconhecem
Cuidado Com Aqueles Que Procuram Constantemente
Multidões; Eles Não São Nada
Sozinhos
Cuidado
O Homem Vulgar
A Mulher Vulgar
Cuidado Com O Amor Deles
Seu Amor É Vulgar, Busca
Vulgaridade
Mas Há Força Em Seu Ódio
Há Força Suficiente Em Seu
Ódio Para Matá-lo, Para Matar
Qualquer Um.
Não Esperando Solidão
Não Entendendo Solidão
Eles Tentarão Destruir
Qualquer Coisa
Que Difira
Deles Mesmos
Não Sendo Capazes
De Criar Arte
Eles Não
Entenderão A Arte
Considerarão Seu Fracasso
Como Criadores
Apenas Como Falha
Do Mundo
Não Sendo Capazes De Amar Plenamente
Eles Acreditarão Que Seu Amor É
Incompleto
Então Te Odiarão
E Seu Ódio Será Perfeito
Como Um Diamante Brilhante
Como Uma Faca
Como Uma Montanha
Como Um Tigre
Como Cicuta
Sua Mais Refinada
ARTE.


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Jornada



A placa pela qual passamos indicava
algo que talvez fosse um atalho, mas pensamos logo
que se tratava de uma rua sem saída.
E, assim, seguimos.

A porta que atravessamos prometia
ser uma saída, mas
ela se trancou atrás de nós e era uma armadilha.

O caminho que tomamos a seguir era cheio de perigos
e mesmo assim o trilhamos
empolgados e iludidos com uma visão que
tivestes em teus sonhos
de um lugar para repousar nossos ossos;

Mas o oásis ao qual chegamos estava
infestado de baratas, pulgas, relógios
carteiras e homens de negócio, e sua água
contaminada por todos estes tristes seres
e assim, o abandonamos.

Tristes e sozinhos, caminhamos a esmo
caminhamos sob a lua cheia entoando canções
e escrevendo poemas no vento,
nossa dor maior que nossos corpos e
nossa sede tão infinita quanto um deserto.

Não possuíamos água, comida ou teto,
apenas a escolha que fizemos e um ao outro,
corpos exauridos e mentes que divagavam,
e a alegria de quem deixou tudo para trás.

A travessia foi longa, deixou marcas
em nossos corpos
Não haviam saídas ou retornos que não implicassem
em algum tipo de traição.
A solução que encontramos diz respeito apenas
a nós mesmos
inscrevê-la aqui não nos faria menos
profanos
Acordamos com o barulho que entrava pela janela
constrangidos, mas  orgulhosos,
mal reconhecendo a nós mesmos no
espelho manchado de um quarto qualquer.
E em teus olhos a mesma lágrima,
furtiva,
que todas as manhãs teimo em arrancar-lhe
com um beijo.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Carta


(Leonard Cohen)

O modo como assassinaste sua família
nada significa para mim
enquanto a tua boca percorre meu corpo

Eu conheço os teus sonhos
de cidades arrasadas e cavalos em fúria
do sol demasiado perto
e da noite sem fim

Mas isso nada significa para mim
ante o teu corpo

Sei que lá fora uma guerra ruge
que tu transmite ordens
e bebês são afogados e generais degolados

Mas o sangue nada significa para mim
pois não altera tua carne

Que tua língua saiba a sangue
não me surpreende
enquanto meus braços crescem no teu cabelo

Não penses que não compreendo
o que acontece
depois de as tropas serem massacradas
e as putas passadas à espada

Escrevo isto só pra te roubar o prazer
quando uma manhã a minha cabeça
estiver dependurada com as dos generais
do portão da tua casa

Só para que saibas que previ tudo
e que isto nada significa para mim.

- Extraído do livro "Filhos da Neve - Antologia poética".


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Libertinagem


Algumas pessoas confundem liberdade com libertinagem.
São essas pessoas que amo
Porque são sábias
Porque sabem o que fazer de seus corpos
Da liberdade à libertinagem é um pulo
Ou um colo
Um copo
Um sim, talvez um não.
A Libertinagem é um casal que não se cansa de dizer “sim”
Libertinagem é um homem que sai sozinho de casa de madrugada
E volta pela manhã, igualmente sozinho e satisfeito
Libertinagem:
Jesus Cristo transformando água em vinho.
Libertinagem rima com Lúcifer,

Estrela da manhã.          

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Fez-se luz


Que dia estranho foi esse. No meio de uma fase em que não tenho conseguido escrever nada que me agrade, minha tarefa mais importante do dia era escrever para uma amiga que aniversariava. Eu não conseguia. Minha estratégia para conseguir escrever sobre algo qualquer que fosse sempre foi escrever sobre alguma coisa. Apenas para escrever. Pôr as engrenagens para funcionar, sabe? E funcionou melhor do que eu esperava. As roldanas puseram-se a mover, em ritmo acelerado. Não apenas a da escrita, mas a do pensamento e da leitura também. Neste momento, em que escrevo um artigo científico, penso num projeto literário próximo, escrevi uma crônica e leio dois livros simultaneamente que têm feito com que eu pense bastante sobre... a vida, somente. Coisa que eu não fazia a algum tempo. Pensar na vida, em suas minucias, ironias e desvios. Um dos livros é o "Barba Ensopada de Sangue". Difícil pensar num romance mais de formação do que esse. Uma estória sobre ritual de passagem da adolescência para a vida adulta de um homem. E embora eu já esteja longe desse período de minha vida, é impossível não retornar com um olhar inquisidor para esta fase tão conturbada na minha vida. Sobre escolhas feitas, erros cometidos, promessas ingenuamente realizadas e ilusões sistematicamente construídas e depois demolidas, dia a dia, noite após noite, trepada após trepada, golpes seguidos de outros golpes. E o gosto de sangue que é perene, ininterrupto. As lições aprendidas das quais você desdenha e que um dia compreenderá sua sabedoria... ou não. As amantes que não foram, as mulheres que mentiram, aquelas que foram sinceras demais, tudo isso num turbilhão de hormônios e fogo e um completo despreparo emocional associados à megalomania e prepotência tão típicas do florescer masculino. E eu ali, repetindo a mesma pergunta de sempre: Onde errei? Não sei. Só me lembro da estática, e seu zumbido no meu ouvido. Não me deixando sentir o gosto da sobremesa pela qual troquei a minha vida. E daí tem esse outro livro da Adriana Brunstein, "Estado Fundamental". Talvez (isso é só uma suposição, mas nunca se sabe), ela não saiba que escreveu um livro sobre mim, e por respeito apenas quis que o seu protagonista se definisse como "nada". Mas é sobre mim. E eu achei um tanto deselegante da parte dela escrever um livro sobre mim sem me consultar ou pedir minha autorização, porque isso é coisa séria (e agora, lembrando da atual celeuma envolvendo biografias não-autorizadas, achei essa passagem do texto bem espirituosa, logo eu, que não sou dado a escrever coisinhas engraçadas). Mas ela deve ter investigado muito sobre mim para saber de detalhes tão sórdidos do que se passa na minha cabeça. Pensando bem, é até legal saber que alguém te considera importante o suficiente para que se conte sua história, isso já é muito mais do que eu esperaria pra minha vida. Não chega a ser um abraço quente, uma noite de sexo ou uma visita inesperada na hora certa, mas, em se tratando de mentiras, eu fico com as literárias. A estória que ela descreve ali é a de um mentiroso compulsivo, então trata-se de camadas de mentiras que se superpõe, como as minhas, como minha vida reinventada cada vez que a conto para algo, mas sempre do mesmo jeito, sem sentido e sublime. 

"Você pensa que algumas conversas não levam a lugar algum. E não levam mesmo. Mas, para mim, discutir a ojeriza causada pela nata ou o trauma adquirido após a descoberta da existência de uma família extra no histórico de seu pai tinha o mesmo impacto. Nada se perde e nada se ganha. É na superfície que se vive, é isso que você não sabe."

Adriana Brunstein, "Estado Fundamental".

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Parabéns, Lily.



Felicidades, meu bem.

Quero pra você não só as coisas que sei que você quer, mas também aquelas que secretamente desejas.

Que todos os brindes sejam tão maravilhosos quanto você pode ser.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Intoxicado


O que dizer de homem tão audaz
Que se atreve a olhar daquele jeito
Para mulher tão atmosférica?
Entre seus véus de ave
Tecidos em vento e cheiro de ervas
Mulher Balsâmica
Etérea, eterna, hipnótica.
O homem, antes todo Bauhaus
De repente se viu febril, intratável,
Tomado por gestos inadequados
Enigmas
Inquietações
Calafrios ao sol de fim de tarde
Além de um súbito gosto pela chuva
Pelo chumbo
Pelo chocolate amargo
E por filmes art noveau.
Até seu amigo fotógrafo ficou preocupado
Pensou em possíveis motivos
Procurou antigos negativos
E percebeu a clara diferença.
Viu que todas as células dele
Estavam comprometidas pela falta de ar
Causada pela fumaça da mulher
Que por um momento, por puro atrevimento
Ele ousou olhar

(Greta Benitez)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Más lembranças

Más lembranças são a poeira que insiste
em ficar sobre nossos móveis;
O mofo que não liga de ficar escondido
pois sabe que não é bem-vindo.
Eu costumava dizer que
essas lembranças,
quando se deitam em nossa cama
são inimigas da esperança
Já que o que para trás ficou,
ficou perfeito.
Enquanto nossos projetos futuros são incompletos
e mudam como as fases da lua.
Mas ainda assim,
não vemos motivos para retirada do pó:
Não podemos, não queremos,
saber o que se esconde por baixo.
Más lembranças são como fungos.
Se você as expõe à luz do sol,
elas se multiplicam.


Não abra a caixa.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Hoje, dois dias depois de completar 31 anos, fui remexer na minha caixa de memórias. Se isso já é uma ideia ruim em qualquer momento da vida, é ainda mais perigosa na proximidade destas datas insistentemente nostálgicas. Mas, entre cartas de amantes fantasmas, bottons enegrecidos de bandas punks esquecidas e retratos de lugares a que fui e não retornei, foi uma fotografia de minha infância a responsável pelo triste fim de uma garrafa de conhaque, pela avalanche de lembranças, pelas lágrimas transtornadas e por este relato que eu não saberia dizer se é mais inútil que inevitável. Acontece que eu olho para esta foto (ela está em minha frente enquanto escrevo) eu vejo o garoto que tinha um futuro e por muito tempo fez jus a ele. O garoto de cabelos cacheados cheios, subindo e descendo as ladeiras do bairro, de livros na mão, ou uma bola nos pés e sempre um muitas estórias a serem contadas, todas inventadas durante as tão tediosas aulas que ele mal poderia esperar que acabassem. Acabassem de uma vez, e ele não precisasse nunca mais voltar à escola. Nada poderia dar errado para aquela criança. Nada? Eu não sei em que ponto me desviei. Em que rua curvei e em beco entrei no meio de minhas caminhadas, o que sei é que um tipo estranho de escuridão me alcançou. Toda alegria daqueles dias escapou de mim. Já busquei milhões de explicações para isso, mas a verdade é que eu não faço ideia do que seja. Me divertir sem precisar de álcool ou qualquer outra artificialidade tornou-se impossível pra mim, e eu me vi caminhando de escolha errada em escolha errada, de absurdo em absurdo, até chegar aos dias de hoje. Sei que caí numa armadilha que eu passei muito tempo jurando que não cairia. Eu nunca seria alguém que, em nome da segurança, deixaria de lado as coisas que amava e pelas quais brigaria com o afinco e determinação dos grandes vencedores. Só que não. Em algum momento julguei que deveria ser pragmático e não desperdiçar as chances que se apresentavam de me sentir seguro. Até porque já havia queimado minhas fichas apostando em outras coisas nem tão seguras, apostas que obviamente perdi.Talvez eu esteja um pouco confuso no dia de hoje, talvez seja só visão dessa foto e os sentimentos de quem aniversariou, mas sinto um peso incomensurável que resulta numa falta de tesão imensa pela vida. Claro, isso junto com alguns problemas que se tornaram crônicos nos últimos dois anos. Não tenho sido eu mesmo. Mas, pior que isso, não sei o que eu faria se fosse eu mesmo. A pergunta inquieta de Clarice Lispector, "o que eu faria se eu fosse eu", permanece sem resposta, aterradora bem à frente de minha porta. Tenho um certo medo, porque sei que o caminho que escolhi não permite meia-volta. Mas está longe de ser o pior caminho. Mas está longe de ser aquele que desejei.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013



Você sonha que afoga patos
de borracha
em banheiras de motéis
baratos
me dá bom dia com hálito de látex
me faz uma hidromassagem com a língua
ainda seca
efeito de um tarja
preta
me conta que teu cachorro engoliu
o cherokee do teu forte
apache
e que engoliu um lápis
pra sentir o gosto
do grafite
que queria mesmo era ver a anita
ekberg
no papel de emanuelle
ou pendurando roupas no varal da tua vizinha
cega
você confessa
sussurra
teu tesão pelas poetas suicidas
e me pergunta se
entre as sylvias
eu seria plath
ou kristel
eu arrisco um verso tão tolo
quanto
não sou de missa
sou submissa
e facilito tua decisão
eu menti quando te disse que não queria aprender mais nada.

(Adriana Brunstein, publicado aqui)

Tried to Leave You

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Terça-feira dos Punhais

Talvez o dia pelo qual eu tanto esperei tenha finalmente chegado e nesta terça-feira eu despertei acompanhado tão somente pela ausência de algo que tem me acompanhado a algum tempo, algo que me completava e me completando, me exauria. E desse algo que me alimentava restou apenas um vazio que eu tenho a impressão de contemplar quando olho no espelho, e esse algo já não é uma tristeza, não é a velha e inconveniente espera, nem é uma vontade ou ânsia de partir, tampouco a sombra de momentos passados. Algo fora arrancado de mim à força, talvez enquanto eu dormia e no momento em que pus os pés fora da cama, tombei com o peso do meu corpo, não suportado por meus pés que tremiam. Rolei sobre mim mesmo para alcançar o criado-mudo, me apoiei sobre ele e voltei à cama. Tentei me erguer mais uma vez e mais uma vez, falhei. Perguntei-me onde estaria aquela energia vital que me conduzia pelos meus dias, de maneira automática e convicta, pelos palácios da ilusão. Não estava ali, assim como não estava aquela dor aguda e constante; aquele nó na garganta com o choro perpetuamente contido; aquele estado completo de alerta esperando um mínimo sinal uma presença qualquer, semelhante a um crente que aguarda uma intervenção divina; percebi que havia (de maneira definitiva?) perdido meus referenciais, meu norte magnético, meu mantra. Deveria reaprender a caminhar, a produzir sentido, a me guiar sem um mapa, a rezar de novo, enfim. Sozinho. E o que senti sequer foi medo. Não senti nada. Era o vazio me encarando. Compreendi que havia perdido algo que me fora muito importante embora houvesse requerido tanto de mim. Agora é compreensível que meu espírito queira guardar algum luto. Que meu corpo se recobre do combate travado por tanto tempo, por tantas guerras que durante o sono rebentaram em meu peito. E os punhais fincados no meu peito durante o dia e que me impediam o sono à noite, já não machucam mais. E eu não sinto nada. No escuro, uma última lâmina resplandece. Estou olhando para ela. Ainda com algum carinho. Mas também ela há de ser retirada. Fecharei meus olhos e dormirei, profundamente, nesta terça-feira dos punhais. E espero, de todo coração, sobreviver a ela, pois acreditarei assim ser capaz de sobreviver a tudo.

sábado, 28 de setembro de 2013

Esta Noite, Nada


E este nada,
me foi deixado como herança.
Um presente sutil, quase invisível,
daquele que me concebeu.

Este nada,
eu guardo com apreço
e ainda que atire fora meus livros e discos
este nada seguirá comigo.

Me espanta sua pretensão
de achar que,
me deixando de lado,
ignorando meu desejo, você seria a primeira
a me deixar como lembrança
uma caixa cheia de nada:

Este foi meu primeiro presente.
Pra mim, era esta a face de Deus
o significado do amor,
o sentido da vida.
Nada.
Perfurando minhas veias,
Enchendo meus pulmões,
alimentando-me na cela vazia.

Os cães dormem tranquilos esta noite
porque sabem que estão sozinhos.
Se eu tenho alguma esperança,
agradeço a esta infâmia que herdei,
o nada,
seu conforto,
seu teor alcoólico e,
no fim das contas, a sinceridade de seu desprezo.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013



Eu vejo que essa noite as folhas nas árvores não se movem. Só eu as vejo? Vejo também ela, que brinca com o isqueiro entre os dedos, enquanto mantém o cigarro preso à boca. Mas isso eu sei que mil homens também veem, olhos postos sobre ela. Vejo o tamanho de suas unhas e lembro do fio de seu corte, e sei que isso eles não podem ver ou saber. Vejo seus olhos se acenderem às primeiras notas de uma certa canção e isso ainda me emociona. Na noite que avança, se amplia e escurece engolindo a tudo e a todos tornando todos os gatos pardos e todas as virgens lascivas, imolando a inocência em altares pagãos, vejo-a lançando seus sinais confusos que seduzem, comovem e atormentam. Vejo seus cabelos que exalam perigos. A palavra que sai de sua boca rima com qualquer outra, seja desejo ou crueldade. Vejo o que mais ninguém vê. Uma tragédia que se anuncia, uma cor a que não deram um nome, um espelho prestes a se partir. Vejo-a brincar com a chama do isqueiro com que ela brinca entre os dedos, com a doçura meiga de uma criança. Vejo como tudo isso é tênue, a fugacidade deste e de todos os outros momentos. Vejo que ela se importa comigo. Vejo que eu não devia querer mais do que isso. É o medo o que me move, é a certeza que me detém e nisso estou apartado de todos os outros seres de minha espécie. Irei ao seu encontro enquanto houver uma ponta qualquer de dúvida solta nestes retalhos acetinados e espero que sempre haja. Espero que numa noite qualquer, numa noite como aquela, a loucura irrompa, as vontades corram como cavalos selvagens, para adormecerem por mil anos depois, se preciso for. Deixo que minhas visões me embalem, como a uma criança que conta as estrelas antes de pegar no sono.

(Foto: Anna Aden)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Querer Ser Anjo


(por Adriana Silva - Aqui)

"Queria poder soprar para dentro daqueles que amo o conforto que nem eu mesma sinto mas que sei que reina em algum lugar deste universo porque eu amo e só porque há o amor posso inferir a calma de um lugar onde sopra uma brisa fresca de paz e o sofrimento é para sempre varrido como poeira para dentro de um bueiro de onde não saem insetos apenas sopram mais sopros de amor, mas neste mundo em que me debato em paredes de concreto de um quarto pequeno demais para tudo o que eu quero e de onde me grita uma janela com vista para lugar algum e com voz de moto-serra amo e vejo quem amo sofrer. Queria ser o anjo do sopro da paz dos meus amados e voar para abraçá-los quando o choro ameaçar cair."


Um sopro que veio essa tarde e não me abandonou. O acaso, neste caso, foi meu amigo. Obrigado.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Notificação

(Charles Bukowski)

Cidadãos do mundo
eu renuncio a vocês.

eu renunciei
a muito tempo.
mas isto é uma notificação
formal
eu contra
vocês
uma ordem de
restrição.

fodam-se
ressequem
desapareçam.

não venham até
minha porta
com pizzas
bucetas
ou ofertas de
paz.

é tarde demais.

a musica
congelou no
ar
castrada pela
ausência de sua
presença.

sábado, 17 de agosto de 2013

In Spite of Me



"Last night I told a stranger all about you
They smiled patiently with disbelief
I always knew you would succeed no matter what you tried
And I know you did it all in spite of me".

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O belo já não me serve de morfina ou bálsamo


Depois de você, me vi obrigado a conter minha paixão pela arte. Não é que eu tenha sido tomado por uma aversão à esta; mas desde que ficou claro pra mim que eu jamais poderia ser mais nada para você, vejo a mim mesmo como uma banal representação de mim mesmo, e não mais como uma pessoa por inteiro. Sou um quadro pintado por um artista de mau gosto que exibe uma caricatura grotesca de alguém apaixonado. Uma fotografia velha de alguém que a nem tanto tempo assim costumava ser um homem. Escuto a mim mesmo e me parece que minhas palavras são a letra de uma canção que ficou sem a melodia. O que você tirou de mim foi a minha capacidade de apreciar qualquer beleza além da sua. Renoir's, Picasso's, Mozart's, Rimbaud's, Fellini's, afastem de mim seus curativos! Quero a balada mais melancólica de Billie Holiday e isto apenas. Quero minha embriaguez relatada por Bukowski. Sem seus enfeites, sem suas mentiras. Quero minha vida de volta ao que era antes dela, para que eu possa voltar a me inspirar nas sutilezas da arte, respirar a lascívia que brota entre os cabelos de uma mulher qualquer. Há tempos não leio um bom livro. Nenhuma foto que me encante. Nenhum filme que me surpreenda. Apenas a imagem repetida à exaustão de meu orgulho rastejando sobre o chão. O belo já não me serve de morfina ou bálsamo. É apenas uma mentira entre as tantas que já ouvi e as quais repito, releio e escuto todos os dias antes de dormir. Não direi mais nenhum poema até que me livre de uma vez dessa pedra que pesa sobre meu peito. Se não conseguir, este desabafo não será nada mais que o epitáfio de um afogado. 

domingo, 4 de agosto de 2013



"Vai, livro natimudo,
E diz a ela,
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz.

Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a beleza, a sós."

(ENVOI, Ezra Pound).

Na foto: Keyra Knighley, em ensaio para Vogue)

sábado, 3 de agosto de 2013

Don't forget the joker


Toda vez que alguém me diz que eu devia sorrir mais, minha única vontade é fazer como o Coringa (ou Maldoror): Pegar uma navalha e fazer dois talhos, um em cada lado da boca. Engraçado o bastante?

Receita

Perturbe-se. Não ouse escrever se tens paz de espírito.

Seja inimigo da página em branco.

Esteja bêbado. ‘de vinho, de poesia ou de virtude’.

Não tenha pressa, sublime o tempo. Só respeite sua urgência.

Negocie com a realidade. Mas seja duro, garotas de programa cobram caro e quase nunca entregam o que prometem.

Seja amigo das palavras. Trate-as como gostaria de ser tratado.

“A voz do coração” é uma entre tantas vozes. Não se limite.

Metáforas são acompanhamentos, nunca o prato principal.

Não se desgaste em pontuações sem sentido.

Não escolha um estilo, deixe que ele te escolha, ao invés.

Seja altivo, repita consigo: “A prosa é inimiga da perfeição”.

Leia em voz alta o que você escreveu. Beleza é ritmo.


O resto, como diria o poeta, é sombra.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

The Memory Remains

Ele achou que seria importante guardar aquelas cartas. Folhas e mais folhas contando alguma história que a memória, essa algoz, daria conta de apagar.
Ele achou que seria importante lembrar para sempre de algo que jamais aconteceu. Nos porões de sua mente, a fantasia sempre teve o status de coisa real.
Ele sempre soube que, esforçando-se um pouco, conseguiria dar vida aos sons, cheiros e sabores contidos naquelas cartas, mas jamais materializaria o amor contido nelas.
Ele nunca deixou de olhar para aqueles envelopes como relíquias de um tempo antigo, testemunhos de uma irmandade desfeita, evidências de um crime não-consumado.
Ele nunca deixou de se embriagar com lembranças. Também nunca deixou de crer em fantasmas ou de caminhar por labirintos construídos com seus medos, pobre Ariadne.
Mas uma noite, uma fagulha se acendeu. No incêndio que se seguiu, aquelas cartas se queimaram. Aflito, aviltado pelo horror das horas noturnas e pela culpa pelo que havia feito de sua vida, ele decidiu:

Era tempo de crescer. Que haja luz neste quarto escuro.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Borboleta de Asas Negras

Ela me olha desde a cama, e seu olhar tem algo de inquisidor, ainda que com alguma admiração. Despida como está, eu mal consigo encarar seus olhos. Os meus fixam-se no contorno arredondado de seus seios e nas gotas de meu suco que ali ainda jazem. Displicentemente, ela acaricia a superfície superior do pé esquerdo com os dedos do pé direito, não sei bem se ela nota minha atenção voltada para esse simples gesto capaz de me colocar novamente em pleno estado de excitação, mas entrelaça os dedos uns nos outros pressionando-os com força e depois os solta e deixa os pés relaxarem sobre o colchão, em atitude de gozo. Foi nesse instante que meus olhos de relance alcançaram os seus, da maneira como eu havia dito antes, olhos que perscrutam. Desviei o olhar, temendo revelar algo que não fosse permitido. Nem todo tipo de intimidade seria permitido naquele momento. Alguns pensamentos devem permanecer resguardados de maneira a conservar, digamos assim, o sex appeal que a atmosfera incita. Ela seguia interrogativa. Minha borboleta de asas negras, a fonte de águas venenosas da qual bebi e tornarei a beber, respira sua respiração pesada que fazia mover seus belos seios rosados, a cabeça apoiada sobre o braço e as pernas ligeiramente abertas, ela me devorava com os olhos, a mim, ocupado em fingir que não olhava para mim mesmo enquanto dirigia os olhos para ela. Tendo bloqueado seu acesso ao essencial, eu sei que ela se perguntava o que sentia o tipo a sua frente. E foi assim que, junto à janela, apaguei o meu cigarro no fim, sorri o sorriso nervoso dos famintos, sentia o sangue tornar a enrijecer meu pau e atirando-me sobre ela, segui ocultando o que ela buscava descobrir, a saber: A paixão.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Flores aos Amantes que Fracassaram



Um homem que amou cometeu um suicídio por noite.
Não chorou, porque homens não choram.
Não na frente de terceiros.
Não na frente dela.
Um homem que chorou, ele tem seus motivos.
Mesmo que ninguém entenda,
Ainda que ninguém acredite.
Santo ou canalha,
Herói ou impostor,
Roto ou elegante,
A sós com sua dor
Este homem que amou, que sentiu
Que gozou, chorou e mentiu,
Inventou a cada noite uma nova oração
Para pedir todas as noites pela mesma coisa
Que ela seja capaz de escutá-lo em seu silêncio
E chegue qualquer dia, qualquer noite
Talvez no fim de uma tarde
E, desbravadora de seu corpo e conquistadora de seu coração
Ela seja capaz de amá-lo por um instante
E afastar de sua casa a temível tempestade.

terça-feira, 23 de julho de 2013



Pintura: Eric Fischl [sem título]


No meu trabalho como escritor, eu só fotografo, em palavras, o que vejo. [...] Meus dias, meus anos, minha vida viu altos e baixos, luzes e trevas. Se eu escrevesse só e continuamente da "luz" e nunca mencionasse o outro, então como artista eu seria um mentiroso".


C. Bukowski.

domingo, 21 de julho de 2013

Buenos Aires y la Nostalgia



"De los porteños se podrá decir que no hemos hecho gran cosa y a lo mejor es cierto, pero nadie nos quita la fiaca, madre de la poesía, amiga de la silla en la vereda y de tanto mate amargo"
                                                                 
                                                                                         - Julio Cortázar, "Buenos Aires, Buenos Aires.

"Dos portenhos poderá se dizer que não temos feito garnde coisa e talvez seja verdade, mas ninguém tira de nós a preguiça, mãe da poesia, amiga da cadeira na varanda e de tanto mate amargo".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sob o Tapete Vermelho




Banda: Ludovic.

"Saiba que eu lembro bem de cada frase dita,
De cada passo em falso, de cada pequena encenação.
Sobrou alguem que você não condena?
alguem que você se arrepende de ter deixado pra trás?

Eu quero fugir pra onde ninguem me conheça
Retomar a minha vida do ponto onde ela parou.
Bondade sua ouvir tão desatenta
Queixas do lado mais fraco,
De quem não se recompôs.

Que estendam o tapete vermelho
Que comece o desfile de mágoas.

Sem sequelas, sem qualquer problema
Só as marcas de abandono que ardem em tudo
Em que você já encostou".

segunda-feira, 15 de julho de 2013



15 de julho é o aniversário de nascimento de Ian Curtis. Se estivesse vivo, ele faria hoje 57 anos, mas, ele morreu aos 23. Se não deixou uma obra assim tão impressionante, ela foi seguramente marcante pra grande parte dos que estiveram em contato com ela. Joy Division foi uma descoberta importante demais pra mim para que eu me esqueça. Para o bem e para o mal. Afinal, até eu reconheço que dançar ouvindo Disorder ("I've been waiting for a guide to come and take me by the hand/Could these sensations make feel the pleasures of a normal man?") não é algo lá muito saudável. Mas me lembro de quando comprei e escutei o vinil de "Unknown Pleasures", e um mundo de certa maneira se abria. Havia ali um cantor de rock interessado em expor certas obscuridades e dores não à maneira de um Kurt Cobain, mas de um esteta das sombras do espírito humano. Muita coisa na minha vida teve a ver com Joy. Meu primeiro romance com uma garota esteve intimamente ligado a essa banda, com toda intensidade e, digamos, "morbidez" que isso acarreta. Lembro de um dia em que ouviamos Joy Division no quarto a noite toda, enquanto os tiros pipocavam lá fora e nós aumentávamos o som para abafar esse barulho. Essa indiferença, se não nos tornava as pessoas mais corretas do mundo, não nos fazia de maneira alguma insensíveis ao que acontecia. Mas nossa fascinação com o horror nada tinha de parecido com essa das pessoas que sentam à mesa na hora do almoço assistindo o banho de sangue dos noticiários policiais. Nos abraçávamos e sentíamos por toda a dor à nossa volta, mas ao nosso modo, torto. Era um interesse profundo em toda sorte de mazela que transformava-se em musica e não passava despercebido em nossas almas. Hoje, mesmo não escutando tanto a sua musica, ela ainda me leva de volta a episódios relevantes de minha vida. "O passado é um lugar estranho", diria Morrisey. E eu bebo a isso. Espero que você tenha encontrado sua paz, Ian.

And dance for the radio.



"Escute o silêncio, deixe-o soar.
Os olhos, lentes cinzas escuras com medo do sol.
Teríamos um momento bom vivendo a noite,
Deixados à destruição cega,
A espera de nosso olhar.

Nós poderíamos seguir em frente como se pensássemos que nada está errado
Escondidios destes dias, permanecemos sozinhos,
Ficando no mesmo lugar, simplesmente fora do tempo
Tocando à distância,
Mais longe a cada momento.

Bem, eu poderia chamar quando as coisas ficarem difíceis
As coisas que aprendemos não são mais suficientes
nenhuma linguagem, apenas o som,
É tudo que precisamos saber para sincronizar o amor
À batida do show.

E dançar, dançar, dançar, dançar para o rádio".


"I held her close and kiss in our last kiss..."

Desenho: André Kitagawa.

domingo, 14 de julho de 2013

Foi meio que esperar ansiosamente por meses pela chegada do inverno e quando isso finalmente acontece, continua tão quente quando o resto do ano. E com direito a tempestades violentas nos piores dias. Fazer da vida uma longa espera pode ser uma tática covarde de distanciamente, mas para algumas almas não existe outra solução. Tendo dito isso, que fique claro que esse não é o meu caso. Eu não tenho que esperar por nada, se espero, ainda é por algum resquício de esperança de que não há de ser sempre assim e é por isso que eu adio as mudanças drásticas que se impõe e que me trarão tantas perdas mas também alguma paz e tranquilidade. Não é para fazer sentido mesmo. Ontem à noite tive a oportunidade de experimentar um pouco desta paz que se anuncia e que espero trazer para os meus dias, ainda que para isso matando um pouco daquilo que tanto aprecio em mim. Tudo aquilo de que mais me orgulho está fora de mim, está projetado em outros lugares e fazer isso é tão venenoso quanto entregar-se a esperar, esperar e esperar. E acredito que agora consigo ficar até feliz por pensar assim.


Musica "Ganas de Vivir", de Juan Suarez
Cena do filme "El Mariachi".
Afeto de bêbado
Simpatia de vendedor
Sorriso de modelo

Entrevista de jogador
"É logo ali" de mineiro
Promessa de cheirador

Reza um rosário inteiro, jura por nosso senhor
Que as mentiras mais sagradas
São verdades de amor.

(7 Capetas)


quinta-feira, 11 de julho de 2013

A esta Gal, me rendo.




Minuano


Eu não sentirei mais frio.
No mínimo, ele não doerá mais tanto;
Aponto os refletores para mim e sua luz,
Que me ilumina e me aquece
que exibe meus defeitos  e belezas
que me destaca e me ofusca há de ser um candeeiro
Nas noites frias e chuvosas que me ameaçam com seus trovões
E eu me exibo sem pudor sob a luz de um milhão de sóis e ainda assim
Mais delicada que uma vela
Numa casa sem eletricidade.

Não sentirei mais esse frio,
esse frio particular e denso
Que cai mesmo nos dias mais quentes,
Pois tenho esse sorriso que me acolhe
Essas palavras que me alcançam no fundo do poço
Na calada da noite
Nas entranhas do tempo e
nas entrelinhas do verso perdido entre papéis empoeirados.

Sentirei antes o frio que é nostalgia, saudade
O frio que é encanto
E a solitude num canto qualquer da cidade.
Mas este frio que é falta de carinho, de atenção
De um gesto de delicadeza qualquer,
Esse eu não mais sentirei, determinado que estou
A fazer destes meus pequenos erros diários
Uma fogueira onde a inocência queime como o mais puro dos combustíveis.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um Pequeno Sopro de Você



Você se lembra de quando Satanás te tirou pra dançar e você, sem ter outra escolha, saiu para trocar alguns passos com ele? Eu murmurei um lamento quieto, resignado, pois sabia que aquilo não era o que você merecia. Trancado em mim mesmo, eu esperei o seu retorno, pronto para cuidar de suas feridas tão logo você voltasse de sua temporada no inferno, preparado para não permitir que ficassem sequer cicatrizes daquele encontro. Mas você não permitiu que eu me aproximasse com meus unguentos e curativos. E você se lembra de quando, solitários mas não inocentes, nos trancamos no quarto ouvindo o caos do outro lado da parede, festejando com jogos eróticos a sagração da primavera e desejando a todos do lado de fora o torpor que sentíamos em nossos corpos, rindo de nossa solidaderiedade canhestra? Você lembra das cartas que eu pus em garrafas atiradas ao mar ciente de que chegariam ao destino mas sem saber ao certo de suas respostas? Eu escrevia-as com certa displicência, mas era meu coração que eu colocava ali, sem medo das agulhas que o atravessariam uma vez derramado meu sangue no papel. Você se lembra das noites e dos dias, dos corredores, dos olhares indiscretos? Da pólvora, dos gritos, dos olhares indiferentes, do gosto de sangue e saliva, de que tudo ali que era mesquinharia mas ainda assim permeado de carinho? E dos felinos estremecendo e inquietando-se diante de nossa passagem, você se lembra? Você se lembra que poderíamos em algum momento ter sido nós dois, mas preferimos continuar eu e você, a despeito do incêndio causado pelo calor de nosso encontro? Se escrevo estas memórias, é porque esta canção não estará na boca de ninguém. O fim do mundo está tão próximo e me dói pensar que não o festejarei adequadamente, isto é, a seu lado.

Foto: Francesca Woodman

sábado, 29 de junho de 2013



"As ninfas giram como moscas neste espaço sem nome, mas você é a Abelha Rainha que eu desejo. Deslumbraram-me os seus olhos, o inferno que te habita. Farei que estranhe o meu delírio. Minha verga atravessará o seu sorriso e inundará o seu vazio como um deus perverso. Minha carne penetrará a sua carne, minha morte em sua vida, o meu silêncio em sua voz."

- Efraim Medina "Era Uma Vez o Amor Mas Eu Tive Que Matá-lo", trad.: Adriana Zapparoli.

Estêncil: 7 Capetas

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sequela

Noites longas. Repara
como há quanto tempo
és funcionário da vida
e te arrepia o que o mercado
possa fazer do teu produto -
antes ficar quieto, a olhar
para as estantes, tentando
perceber se não escreves
o poema por te faltar
a inspiração (se é
que gostarias
de saber o que te falta)
ou por todos os prazos vencidos
e o que contemplas
serem os avisos repetidos
de uma derrota previsível.

(João Alberto Oliveira)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Sobre a Solidão (II)


"Eu sou um solitário que sente falta de dividir, sabe como é? Mostrar uma música nova que acabei de ouvir, ler um trecho de um livro que me arrebatou. Falar "eu vi um filme ontem muito foda. Vamos lá ver hoje de novo?". Porque eu quero ver se ela se arrepia no mesmo momento que eu me arrepiei na primeira vez, tá ligado? O sexo é importante (aliás, é fundamental), as brigas são inevitáveis e inclusive deixam o castelo de pé, não sei se vocês já perceberam isso, mas o mais importante mesmo é você acordar no meio da noite com vontade de falar "caralho, tive uma ideia genial para um texto. Quer dizer, nem é tão genial assim, mas será que você tinha a manha de ouvir?" e andar abraçados na chuva, sem falar porra nenhuma e sentar num banco no final da tarde e imaginar telhados de Paris (Nei Lisboa), cervejas chilenas e motoristas de táxi que demoram pra chegar no nosso destino. É isso que me fode. Ah, se não fosse isso, seríamos todos muito felizes, sozinhos."

- Mário Bortolotto.

Na foto: Tom Waits e Rick Lee Jones, felizes.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sobre a Solidão (I)


Pegue um lápis e marque um ponto
no centro de uma folha:
A solidão é tudo que está em volta.

- Alice Sant'anna

Ain't no Love in the Heart of the City



"Ain't no love in the heart of the city
Ain't no love in the heart of the town,
Ain't nomlove, sure 'nuff is a pity
ain'y no love 'cos you ain't around".

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Eunika Rogers - "Like Dandalions"



"Não há melhor túmulo para a dor do que uma taça cheia de vinho ou uns olhos negros cheios de languidez"

                                                                                                 - Alváres de Azevedo

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Violência, não!

Pichei seu nome num muro
Junto com um pedaço de uma canção.
Escrevi certo por linhas tortas
E você não pareceu me dar atenção.

Deixei meu recado ali,
Torcendo para que ele fosse visto por toda uma multidão
Em meio a cartazes, gritos e placas, ele se destacava;
Uma representação pálida,
Uma tentativa fugídia de liberar um grito
Repreendido no fundo de meu peito, perdido
Nos irritantes erros que cometi em nome desta paixão.

Nada disso me incomodava enquanto,
De lata de spray em punho,
Inscrevia nas artérias da cidade que meu amor tinha nome.
Algumas letras que me cortavam o peito, arruinavam meu sono
e injetavam de sangue meus olhos.
A unica coisa que não consegui entender foi por que,
Vendo-me pichar no muro teu santo nome em vão,
Barulhentos transeuntes gritavam sem pudor:
"Violência, não".

sábado, 15 de junho de 2013

Minha Cúmplice, Minha Irmã, Minha Amante



"E eu que ri quando te espiei
Cantarolando em frente ao espelho;
A menina mais bonita com quem já feri meus ingênuos olhos provincianos".

(Jair Naves)

segunda-feira, 10 de junho de 2013




"Eu lembro bem de você no Hotel Chelsea
Você falava tão doce e bravamente
Fazendo-me sexo oral na cama desarrumada
Enquanto as limusines esperavam lá fora na rua
Esses eram os motivos e aquela era Nova York
Nós perseguíamos o dinheiro e a carne
E isso foi chamado "amor" por aqueles que fazem canções
Provavelmente ainda o é para aqueles que sobraram

Ah, mas você foi embora, não foi, Amor?
Você simplesmente voltou para o meio da multidão
Você foi embora e eu nunca te ouvi dizer:
Eu preciso de você, eu não preciso de você
Eu preciso de você, eu não preciso de você
E tudo o mais que isso envolve.

Eu lembro bem de você no Hotel Chelsea
Nós éramos famosos e seu coração era legendário
Mais de uma vez me disse que preferia homens bonitos
Mas que para mim você faria uma exceção
E cerrando os punhos para aqueles como nós
Que foram oprimidos por modelos de beleza
Você disse 'bem, não tem importância,
Nós somos feios mas nós temos a música'

Ah, mas você foi embora, não foi, Amor?
Você simplismente voltou para o meio da multidão
Você foi embora e eu nunca te ouvi dizer:
Eu preciso de você, eu não preciso de você
Eu preciso de você, eu não preciso de você
E tudo o mais que isso envolve.

Eu não quero insinuar que fui o que melhor lhe amou
Não posso salvar cada passarinho caído
Lembro bem de você no Hotel Chelsea
Isso é tudo, eu sequer penso em você com essa frequência."

(Leonard Cohen)


sábado, 8 de junho de 2013

Das Lembranças Que ficaram no Porão

"Nossa mente, Alonzo, é como uma grande e misteriosa casa, cheia de corredores, alçapões, portas falsas, quartos secretos de todo o tamanho, uns bem, outros mal iluminados. No fundo deste casarão, existe um cubículo, o mais secreto de todos, onde estão fechados nossos pensamentos mais íntimos, nossos mais tenebrosos segredos, nossas lembranças mais temidas. Quando estamos acordados, usamos apenas as salas principais, as que têm janelas para fora. Mas quando dormimos, o diabo nos entra na cabeça e vai exatamente abrir o cubículo misterioso para que as lembranças secretas saiam a assombrar o resto da casa. O demônio não dorme. E é quando nossa consciência adormece que ele aproveita para agir".

- Érico Veríssimo, "O Tempo e o Vento".

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"A Wind Beaten Tree", Van Gogh. 

Os finais dos dias são todos parecidos, possuem o mesmo desfecho de um jeito ou de outro, os dias calmos e os dias loucos, os dias de paz e os dias de guerra, em todos eles, eu termino com a sensação de não haver chegado a termos comigo mesmo. A sensação de não conseguir resignar-me e dizer: “então, és isso”. Ao menos compreender-me um pouquinho mais que seja. E o que vem acontecendo é que eu me convenço cada vez mais que eu devo abandonar tal pretensão, de realizar um acordo qualquer, por nefasto que seja, com meu espírito. O que tem me impedido de fazer isso até agora, de entregar os pontos e me deixar arrastar pelo turbilhão, é a certeza de que eu sei como isso terminará. Não há solução possível para mim, não há outro fim que não seja fechar repentino das cortinas. E é essa certeza que me leva a resistir e, dia após dia, tentar chegar a termos com minha consciência. Pergunto-lhe o que ela quer de mim, o que eu preciso fazer para conseguir um pouco de paz para realizar minhas tarefas mais banais, para sorrir mais facilmente, para voltar a minha vida. E a cretina me responde de volta apenas com sorrisos de escárnio, com trabalhos irrealizáveis, ou apenas, depois de um dia estafante no qual cumpro com todos os pontos de nosso contrato, me afasto da nicotina, álcool, músicas, pensamentos ansiosos, depois de tudo isso, deito meu corpo sobre a cama esperando que algo tenha mudado, que os fantasmas não estejam mais lá, mas eles uivam ainda mais fortemente. E eu já sei que no dia seguinte terei que me dedicar mais um dia inteiro tentando afugentá-los, além de cumprir as coisas que deixei de fazer no dia anterior para tentar me curar, além de acender cigarros atrás de cigarros, e além de distribuir sorrisos amarelos para toda uma avenida de transeuntes que nunca cessam de passar. Eu não consigo chegar a termos comigo mesmo. Mas eu preciso.  Uma árvore tombada pelo vento. É como me sinto. Mas minhas raízes, estas, não me deixam cair de uma vez... espero poder contar com elas, de novo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Para Que?!

Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos d'amor, para quê?!... Tristes Vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só acredita neles quem é louca!
Beijos d'amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta...

(Florbela Espanca)

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sou um sol negro
E Você é uma lua brilhante
Nosso eclipse deverá ser
a coisa mais bela de que se tem notícia.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Um Homem com um Problema


Ele dizia que tinha um problema, mas nunca disse muito mais que isso.
Chegava, tomava um largo gole, largava o copo em cima da mesa de bilhar
e, depois de encaçapar uma bola, suspirava: “é um problemaço”.


E de nada adiantava perguntar-lhe qualquer coisa, ele permanecia quieto.
Às vezes, enquanto caminhávamos citando Rimbaud, Bandeira, Poe
e outras doçuras intelectuais, ele parava: “É um puta problema”. E deixava aquilo
no ar, como um gás venenoso ameaçando nossa tarde.


Seu problema era só dele e assim seria sempre, era o que ele dizia
do seu jeito, “ao menos meu problema ninguém vai tirar de mim”
e nós ríamos como duas crianças que houvessem dito um palavrão.
Mas eu ainda queria saber qual era o problema dele.


“Isso ainda vai me matar”, ele dizia grave, e a gente sem saber o que era ‘isso’,
e era estranho ver um homem daquele tamanho tão movediço,
até que brincando perguntamos se o problema tinha nome,
e, sério, ele disse: “nome, sobrenome e cor de esmalte favorito”.


E isso que ainda era pouco, era o máximo que saberíamos,
e era o suficiente, porque todos os homens daquele bar
tinham em sua conta pelo menos um porre com nome de mulher.
O porre da Marcela, Sandra, Priscila e Augusta,
e tinham nomes de outros homens também, é bom que se diga.


E assim soubemos que seu problema era mesmo grave, gravíssimo,
mas, não saberíamos mais nada
porque esse homem lá nunca voltou.
Desaparecido, sem vestígios,
rastros, lastros ou carta de despedida.
Ele simplesmente se foi, deixando seu lugar no balcão vazio.
E aquele canto para nós era a lembrança de que,
se alguns problemas pedem para serem encarados,
outros pedem com urgência que sejam deixados de lado.
E aquele homem partiu, não sei se perseguindo ou se fugindo
de seu problema,
que ele sabia ser sem solução,

um porre sem último trago.

sábado, 25 de maio de 2013

Quando um Valente Valete Abandona seu Rei

Não sorva a fúria
sorvete dos brutos
nem namore a violência
mar de sangue jovem

Aos sensíveis
a serenidade
aos terríveis
o perdão

O mundo quer amolecer cacetes
O mundo quer endurecer corações.

(André Dahmer)


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Trago dentro de mim canções inquietas
que anseiam por ganhar vida toda vez que beijo seus lábios.

domingo, 19 de maio de 2013

De Almas e Dores




"Vi que ela continuava soluçando, de mansinho, exalando alguma tristeza remota que a trepada tinha despoletado na alma dela. Por que a Rejane, sem dúvida, é dessas mulheres que têm uma puta duma alma imensa e fazem questão de exibi-la a todo mundo. E a grande alma dela sofria. As almas, de um modo geral, o que fazem é isso mesmo, sofrer. E quanto maiores são, mais sofrimento são capazes de produzir para suas donas e donos".

Reinaldo Moraes, em "Pornopopéia".

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Dor Elegante

"Elegant Man in the Mirror" - Leon Gordon


Um homem com uma dor
é muito mais elegante.
Caminha assim de lado
como se, chegando atrasado,
chegasse mais adiante.

Carrega o peso da dor
como se portasse medalhas,
uma coroa, um milhão de dólares
ou coisa que os valha.

Ópios, édens, analgésicos,
não me toquem nessa dor.
Ela é tudo que me sobra.
Sofrer vai ser a minha última obra.

(Paulo Leminski e Itamar Assumpção)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Na Foto: Serge Gainsbourg & Jane Birkin

"My Dear, 
find what you love and let it kill you.
Let it drain you of your all. Let it cling onto your back and weigh you down into eventual
nothingness.
Let it kill you and let it devour your remains.
For all things will kill you, both slowly and fastly, but it's much better to be killed by a lover 
- falsely yours"

Charles Bukowski.

segunda-feira, 13 de maio de 2013




Por acaso, me peguei relendo tuas mensagens. E, atrevido, fui prestar atenção a tudo que estava nas entrelinhas, os recados, as pistas que você deixava de maneira mais ou menos direta. Por acaso, de repente era sua voz que eu ouvia. De repente, sua boca se abrindo. De repente, seus cabelos e suas mãos sobre mim. E tudo que é doçura e embriaguez nos seus encantos. E então o que era calafrio se fez paz. Pensando bem, não foi tão por acaso assim.

domingo, 12 de maio de 2013

Para o Dia das Mães



"Pois, eu te digo que o meu maior temor
é que quando minha mãe se for,
ela vá intranquila e sem a sensação
de partir com a missão cumprida".

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Na Eternidade de um 'Até Logo'

Foto: Tatiana Zanghi


Eu finalmente vou sentindo crescer dentro de mim algo além deste rancor que sempre se espalhou por minhas células feito câncer e que me debilitou em minhas melhores horas. Sinto finalmente algo capaz de interromper esta metástase demoníaca, o sentimento mesquinho e torpe capaz de entupir minhas artérias e perfurar meus órgãos. Algo que não seja este veneno. Sinto fluir toda a energia gerada pelos impulsos elétricos de minhas sinapses mesmo nas ações mais ordinárias. Tomar um banho, acender um cigarro, escutar Morphine, olhar para uma foto sua. Todas essas coisas que eu faço todos os dias, cada uma delas liberando um pouco mais dessa energia que por tanto tempo se deteve entre meus rins. E eu não sei bem quando isso começou, nem por que, mas eu sei que tem a ver com aquele seu beijo e com o fim de minhas ilusões. Eu, que já me ajoelhei em desespero à espera de Deus, aprendi enfim a mais dura das lições. Soube desde cedo que poderia ser o que quiser, mas foi tarde demais que aprendi que não poderia jamais ter você. Sob a minha língua, sob o suor de meu corpo, sob tudo que eu considero sagrado, havia apenas seu corpo e um momento, e nada mais que isso. É nesse tipo de desencanto em que os homens são forjados. E o inferno é construído. E meu corpo ferve. E minha imaginação se incendeia. Os vazios são preenchidos. Blasfêmias são ditas. Recantos proibidos são devassados. O amor nasce. Para morrer. Em seguida. Na vala comum de um beijo de despedida.

terça-feira, 7 de maio de 2013


“O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém pode o aconselhar ou ajudar – ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: “Sou mesmo forçado a escrever”? Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa sua vida de acordo com essa necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, ama, vive e perde. (...) Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair suas riquezas. (...) Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensarás em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério – o único existente. Também, meu prezado senhor, não lhe posso dar outro conselho, fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar.”

Rainer Maria Rilke - Cartas a Um Jovem Poeta (Trecho da primeira carta)

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Der Himmel über Berlin (Asas do Desejo)


Quando a criança era criança, andava balançando os braços. Desejava que o riacho fosse rio, que o rio fosse torrente e essa poça, o mar. Quando a criança era criança, não sabia que era criança. Tudo era cheio de vida, e a vida era uma só. Quando a criança era criança, não tinha opinião, não tinha hábitos, sentava-se de pernas cruzadas, saía correndo, tinha um redemoinho no cabelo, não fazia pose para fotos.

Quando a criança era criança, era tempo dessas perguntas. Por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui e não lá? Quando começou o tempo e onde termina o espaço? Será que a vida sob o sol nada mais é que um sonho? Será que o que vejo, escuto e cheiro não é apenas uma miragem do mundo anterior ao mundo? Será que realmente existem o mal e pessoas malvadas? Como é possível? Eu, que sou eu, não existia antes de existir. E no futuro eu, que sou eu, não serei quem sou.

Quando a criança era criança, detestava espinafres, ervilhas, arroz-doce e couve-flor refogada. Agora ela come de tudo, e não apenas porque precisa. Quando a criança era criança, acordou numa cama estranha, e hoje isso é frequente. Muitas pessoas lhe pareciam bonitas antes; hoje é raro, só com sorte. Tinha uma visão clara do paraíso; hoje consegue apenas supor. Não conseguia imaginar o nada; hoje treme ao pensar. Quando a criança era criança, brincava com entusiasmo. Hoje, só se entusiasma quando seu trabalho está envolvido.

Quando a criança era criança, vivia de maçãs e pão, e ainda é assim. Quando a criança era criança, amoras caíam em suas mãos, e ainda é assim. As nozes deixavam sua língua áspera, e ainda o fazem. Ao chegar ao topo da montanha, queria outra mais alta. Em cada cidade, desejava outra cidade maior. E ainda o faz. Ficava tímida diante de estranhos, e ainda fica. Aguardava a primeira neve, e continua aguardando. Quando a criança era criança, atirou uma lança de madeira contra uma árvore, a qual tremula ali ainda hoje.

Handke - Wenders. Inspirado no Poema "Lied Vom Kindsein" de Rainer Maria Rilke.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Das Folhas que, no Outono, Caem e Morrem


Quero-te por perto e ver de perto seu sorriso
Quero que perdoe minha esquisitice
E até os surtos de lucidez que não me fazem bem.
Mas não te quero mansa
E isso é constante
Quero-te puta comigo, mas não sei como te irritar

Ontem, eu vi uma mulher que poderia ser você
Usando um lenço no pescoço que poderia ser o seu e
Um perfume que, bem,
Jamais teria seu cheiro.

É outono, e eu não quero que algo tão bonito
Morra como as folhas que estão caindo
Mas, se folhas que morrem enfeitam ruas
Que assim seja.
Existem trevas o suficiente em meu coração
Para serem iluminadas pela lembrança
De seu sorriso.
É outono e logo será inverno:
É quando eu costumo despertar.

Quero que perdoe esse desabafo e
Essa ânsia
Quero-te de volta
Mais do que já desejei qualquer outra coisa.
Mas, se você for outonal,
Eu estou preparado para sua ausência.
Convidei meus melhores fantasmas para o jantar.
"Eu nunca soube pra onde ir. Isso foi o princípio. As tragédias que vieram depois são apenas o velho mundo girando desdenhoso como sempre"

Bruno Bandido. Acertando, desta vez.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...