terça-feira, 30 de abril de 2013

Propriedades Químicas


Houve um tempo em que desejei consumir de uma vez
Todos os diferentes entorpecentes capazes de,
Num calor fulgurante ou euforia letárgica,
Dissolver meu coração.
Artigos de proveniência duvidosa,
E doses modestas de um pó fruto da união perfeita
Entre natureza e química;
Mas descobri cedo que
A loucura não passa; a febre não passa;

Acontece que a agitação não passa,
E cada gole do vinho leva-me um passo mais longe
Do caminho reto da antiga estrada.
Eu trago dentro de mim canções inquietas
Que anseiam por ganhar vida toda vez que beijo seus lábios,
Eu não minto.
Eu apenas bebo.
Então eu tomo outro trago:
De vodka, cigarro,
Pílulas pra dormir ou outro remédio qualquer.
Líquido ou sólido,
Se eu tomo, é para te encontrar em delírios
E para me perder na artificialidade desses paraísos;

Nesta busca, enlouqueci.
Não sei se loucura sacra, loucura profana,
Loucura encantada dos ingênuos ou
Loucura sexual de pervertidos.
Mas, era loucura
E encontrei nela as propriedades químicas que provocam
As convulsões latentes da vida.
Espetando nas veias de minha mente
Doses cavalares de junk sentimental,
Experimentei algumas dessas convulsões:
A primeira veio aos 15 e profanou meu coração;
De novo aos 17, e já não era dono de mim.
Após os 20, as convulsões aumentaram,
E ao som de cruéis vozes inglesas
Dancei nas trevas mais profundas do desejo.
Tomado de sedução, malícia e rubor;
Às convulsões seguiam o delírio,
O torpor, a leveza. Escuridão e silêncio, como o Teixo de Sylvia.

E as cores da solidão foram pintadas na tela do acaso
Que abençoou a loucura e que agora,
Cobra o alto preço de tocar com os pés
Nuvens de espumas de champagne.
Carrego como um fardo os dias sóbrios,
Os dias cheios de esperança.
Cultivo desespero em esquinas estranhas,
Colho prazer nessas presenças raras e perturbadas.
E procuro diariamente nestes olhos
As alucinações sentimentais que me cativam,
Desajustado como sou,
Quero injetar naqueles olhos
As propriedades químicas que me dominam.

                                                                      (Outono de 2008)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Francamente, foi de graça.



"Na Praça Clóvis
Minha carteira foi batida
Tinha 25 cruzeiros
E o seu retrato
25, francamente, eu achei barato
Pra me livrar do meu atraso de vida"

Paulo Vanzolini, que eu conheci tarde.

No Fim da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas



"Vem até mim um senhor da fala lenta
Diz que bebendo assim eu nem chego aos 40.
Teima que sabe bem o que deixa um homem no estado em que eu tô
E me alerta que auto-piedade é a sequela mais comum do amor.

Eu nem ouso discordar.
Esse esteve em meu lugar."


domingo, 28 de abril de 2013

Lobo Antunes



“Talvez possamos tentar fazer amor. Essa ginástica pagã que nos deixa no corpo, depois de acabado o exercício, um gosto suado de tristeza no desastre dos lençóis: A cama não range (...) perturbando as carícias sem ternura que são como que o motor de arranque do desejo, nenhum de nós sente pelo outro mais do que uma cumplicidade de tuberculosos num sanatório, feita de uma melancólica tristeza de um destino comum, já vivemos demais para correr o risco idiota de nos apaixonarmos, de vibrarmos na alma e nas tripas exaltações de aventuras, de nos demorarmos tardes a fio diante de uma porta fechada, de ramos de flores em riste, ridículos e tocantes (...), o tempo trouxe-nos a sabedoria da incredulidade e do cinismo, perdemos a simplicidade da juventude com a segunda tentativa de suicídio (...) e desconfiamos tanto da humanidade quanto de nós mesmos, por conhecermos o caráter azedo do nosso egoísmo oculto sob as aparências de um verniz generoso".

sábado, 27 de abril de 2013

O Cúmplice

(Jorge Luís Borges)



Crucificam-me e eu tenho que ser a cruz e os pregos

estendem-me a taça e eu tenho que ser a cicuta

Enganam-me e eu tenho que ser a mentira

Incendeiam-me e eu tenho que ser o inferno

Devo louvar e agradecer cada instante do tempo

Meu alimento é todas as coisas

O peso preciso do universo, a humilhação, o júbilo

Devo justificar o que me fere

Não importa minha ventura ou desventura

Sou o poeta

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Despedida


"Foi um beijo umedecido, guilhotinesco e fatal". 
                                                                 - Jair Naves, "Guilhotinesco.

Ela foi embora, como se não fosse nada demais. Me beijou, e depois foi embora, como se não fosse sentir falta. Não foi um beijo frio de despedida. Foi algo a mais. Talvez tenha sido o beijo mais intenso que beijamos, só parecido com o primeiro. Ela foi embora e eu fiquei ali, olhando, sem esboçar reação. Um homem de verdade precisa reconhecer quando é o fim. A essa bela virtude, chamamos covardia, e é essencial a um homem adulto. Ela foi embora, e não tem mais nada. Ela foi embora e eu, macho típico da espécie, me pego pensando nas menores coisas, exatamente aquelas que não deveriam ser pensadas em momentos como este. Talvez por isso ela tenha ido embora, na verdade. Eu lembrava de seu hábito horrível de me beijar antes que eu escovasse os dentes pela manhã. Lembrava de minha babaquice na noite de ano-novo, ciúmes de quem está entediado querendo demonstrar virilidade. Lembrava que levamos sexo a um novo patamar de atividade lúdica. Dela falando sobre a vantagem degustativa da porra dos vegetarianos. De como ela começou a gostar de metal depois de velha por minha causa. Incrível como tudo isso pode parecer uma farsa estúpida agora, que ela foi embora. Agora que ela me beijou desse jeito. Agora, que, ao invés de pensar em maneiras de trazê-la de volta, eu fico apenas olhando-a partir cheio de certeza de que ela tem o traseiro mais bonito do mundo.

Amor Concreto


Eu te amo euteamo euteamo euteamo

FODA-SEeu não te amo mais

Foda-sefoda-sefoda-sefoda-sefoda-sefoda-se

Eu te amo

Que eu me foda, eu não me amo

Eusó  te amo

E isso é foda.

domingo, 21 de abril de 2013

Como a Noite, Enquanto Ela me Devora


Não espere que eu vá fazer de tudo para manter essa esperança viva;
A Noite não passa, no fim das contas,
de uma dama charmosa e vingativa.

Que com os olhos nos persegue,
Mas, com uma das mãos nos afasta.

A morte é a Noite
Cansada de ser vencida pela luz do sol pela manhã.
É a amante que, cansada das mesmas estórias,
Dos mesmos gestos, das mesmas posições,
Quebra copos, bate a porta atrás de si,
Nos deixa o gosto amargo
De perder o que nem nosso era.

Não tente entender a Noite.
Ela é uma dama orgulhosa e atraente.
E não importa o que ela queira,
Nos fustiga com promessas, mãos e dente.

Irmão, não te aflija com a lembrança da dona
Que por hora não te abandona:
A Noite é apenas temporária.


domingo, 14 de abril de 2013

Alguém Está Perdido


No metrô fico sabendo de mais uma pessoa que sumiu
Mais um desaparecido
Parece que todos os dias nesta cidade, alguém se perde,
Mas se perde pra valer
Uma criança no parque de diversões, perdida;
Um adolescente que fugiu de casa;
Um cachorrinho que escapou pela fresta na porta;
(pra não falar de meus amores balas-perdidas pelas noites)

São tantos os perdidos que às vezes eu acho que
Há mais gente perdida do que encontrada
Ou mais pessoas que se perdem do que as que se encontram
E muitas que se desencontram
Ou que todo mundo, no fundo, está um pouco perdido

E, se eu penso um pouco mais, começo a me perguntar
Se na verdade,
Quem se perdeu
Na verdade não se achou.
E se somos nós os perdidos.
Porque se for assim, eles não querem ser encontrados
E nossas vidas é que não passam de desencontros.
Como quando daquela vez, no Largo do Machado,
Quando você saiu três minutos antes que eu chegasse
E nós nunca nos conhecemos.

Baby, estou perdido até hoje.


sábado, 13 de abril de 2013

Vou acordar cedo, fazer café
sentar na mesa
e te odiar
por ter me amado fingindo
por ter acabado sorrindo
e por ser tão bonito de cabelos molhados todas às sete horas da manhã.

Vou sentar na mesa, pegar o pão na torradeira
acender o cigarro de cinco centavos do bar atrás da casa da minha vó
e te odiar
por ter me dado uma flor de papel escrito Joana
por ter me prometido aquele sexo bacana
e ter voltado só depois do carnaval

vou passar a manteiga no pão - muita manteiga
ajeitar os cabelos com o dedo
pegar a pistola automática
e te odiar
por ter morrido tão rápido.


(Maria Eduarda Gimenes)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Indomado















Foto: Pierre Jouson.



Tudo aquilo considerado
Fundamental, justo e comedido
Tudo,
Deverá ser descartado
quando da colheita dos frutos
de nossos encontros
clandestinos na seara dos amores brutos,
do coquetel explosivo de nossos beijos.

No limite estafado da noite;
Na cumplicidade melancólica que a madrugada inspira;
No sorriso derramado pelos primeiros raios de sol;
Na Razão desfigurada a golpes da navalha
por promessas febris
da sensibilidade apaixonada;
No meio de tudo isso que não passa de
sentimentalismo barato, poesia suja,
Minha certeza de que você há de ser minha.
Ainda que não saibas, ainda que não possas.

Desejo, Desejo, minha doença.


domingo, 7 de abril de 2013

Carta Aberta a Ela, Que Conhece Meus Fantasmas



De minha casa, eu posso ouvir os trens quando eles passam. Gosto de parar próximo à janela esperando o barulho de seu maquinário e acender um cigarro. Romantismo kitsch digno de quem se ressente de imbricações amorosas. Tudo que sei é que voltei à poesia, ao conhaque, ao cigarro e nunca me senti tão bem. Posso sofrer, mas sem o rancor de quem procura obssessivamente escapar à dor. Eu transformei meu quarto em um santuário, e é claro que há nele um altar para você. Ah, se você estivesse aqui para ver quem eu me tornei. Eu ainda sou o mesmo menino tímido, mas hoje eu sei tudo o que você dizia que eu era e eu nunca acreditei. Agora, todo dia é um grande dia. Na noite passada eu lembrei de você. Vai ficar tudo bem. Há pessoas agora em minha vida que eu não imagino como seria sem elas. Tenho grandes planos. Mas sem me negar, nunca mais. Eu estou disposto a pagar o preço para continuar sendo quem eu sou e fazer coisas que talvez não façam parte de minha natureza. Eu continuo procurando por coisas em lugares onde não há nada. Só que minha grande frustração é ainda não saber o que você quis dizer quando me pediu para ouvir "Precious Illusions" antes das outras músicas.

sábado, 6 de abril de 2013

Une Femme est une Femme


- Angela, tu est infâme.
- Je ne suis infâme. Je suis une femme.
As coisas mais difíceis de abandonar são aquelas coisas que na verdade nunca foram suas.
 E. Hopper, "Reclining Nude".

"Sou impuro, um libertino
E toda vez que você desabafa seu mau-humor
Eu pareço perder a fala,
Você deslizando lentamente para fora de meu alcance.
Você me cultiva como uma sempre-viva
Você nunca vê a solidão em mim
De maneira nenhuma".

Placebo, "Without You, I'm Nothing".

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Prece de um Dia Quase Igual a Todos

Deus dos delicados, não me abandone nessa guerra insana. Minha máquina de ser beira a pane enquanto o veludo da voz de Billie lambe as paredes do lusco-fusco. Abençoe, senhor, tudo que dói em nós, indispensável. As tardes despenteadas em Grumari, as lágrimas do homem que me amou e nunca disse, o negro agonizante sob o sol narcísico de Ipanema, as crianças que tão cedo me deixaram farta de lágrimas e leite, o eco esquivo de Frederico, sinais de musgo. Abençoe as escarpas da minha vida enquanto desenterro essas palavras - o carmim destas palavras - com as lascas fatiadas da dor. Sonho piscinas, atraída pelas labaredas. Preciso dormir bem dentro das suas asas enormes, pai.

(Ledusha B. A. Spinardi)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Os Adormecidos

Nem um só mapa registra
A rua dos dois adormecidos.
Nós perdemos sua pista.
Jazem como se submersos
Em imutável luz azul,
Aberta, a porta de vidros

Com laços de fita amarela.
Por esta fresta penetra
Odores de terra úmida.
A lesma deixa um rastro prata:
Negras sebes cercam a casa.
Então olhamos para trás.

Morte feito pétalas lívidas
Entre folhas de formas tesas
Eles dormem, boca a boca.
Uma névoa branca esvoaça.
Suspiram narinas mínimas,
E eles reviram em seu sono.

Longe daquele leito ameno
Somos um sonho que eles sonham.
Suas pálpebras retêm sombras.
Nada vai lhes acontecer.
Trocamos a pele e nos movemos
Dentro de um outro tempo.

(Sylvia Plath)

segunda-feira, 1 de abril de 2013

I Have Forgiven Jesus




"But I have forgiven Jesus
For all the desire
He placed in me
When there's no one i can turn to
With this desire.

(...)


Why did you give me so much desire
When there is no where i can go
To offload this desire?
And why did you give me so much love
In a loveless world?
When there's no one i can turn to
To unlock all this love."


Um Caso de Amor Não-Relatado




E daí que seja você a ditar o ritmo de meus dias
mesmo sem saber?
E daí que você me vire as costas quando te chamo?
Eu sei admirá-las também, tão bem como
o resto de seu corpo.
E daí que eu lembre de ti ao escutar
a Lacrimosa de Mozart?
E daí?
E daí meus delírios em febre,
meus dias escuros
meus poemas mal escritos?

Somos dois personagens de uma lenda antiga
Avatares de deuses caprichosos
Boxeadores cansados,
Aguardando o soar do gongo.
Brincando de alquimistas entre o crepúsculo e a aurora.
Crentes nas horas vagas,
Minha fome fazendo amor com seu cinismo.

Num sonho do qual pouco me lembro,
Você chegava vestida de cinza ao meu funeral
e chorava.
Nem você, nem eu, não ele,
eu e você, nós nunca fomos tão felizes.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...