O
amor é de performances e exibições, algumas gratuitas, outras nem tanto. Eu sei
disso. Ali, em plena escuridão da casa, enquanto minha mãe, única habitante
além de mim, dormia, eu me exibia num palco sem público. Agarrado ao telefone
com o mesmo ardor de um monge ao santo crucifixo, eu escutava a voz dela em
êxtase religioso. Ela talvez suspeitasse de minha devoção. Em nossos melhores
momentos, éramos capazes de confissões dissimuladas, fantasiadas de
trivialidades, mas plenas de significados. O essencial não era nunca dito de
maneira direta, mas já conhecíamos a dificuldade de ambos em expor o que havia
de mais profundo. Com a sabedoria de antigos como Sêneca, tínhamos consciência
de que “os prazeres leves são loquazes, as grandes paixões silenciosas”. Como
consequência do mutismo, em parte auto-imposto, em parte natural, eu deixava
esse amor exibir-se nu e sem vergonha, mas sem ser visto, já que o aparelho que
levava a ela minha voz não desenhava formas. Enquanto isso ela falava de suas
vidas e seus sentimentos, e de como ela achava que amar se assemelhava a abrir
uma garrafa térmica que você imagina estar cheia de café, e descobri-la vazia,
e aquele sentimento que vai do êxtase à frustração seria o que chamamos de
amor; eu escutava aquelas palavras com a disciplina de um boxeador diante do
técnico, meneando com a cabeça afirmativamente, quando minha vontade era me
enforcar nos fios daquele telefone e imortalizar aquele momento e aquele
sentimento de alguma maneira, morrer como um mártir desse amor por você, sem
palavras ditas ou escritas, apenas mais uma performance desta paixão abstrata e
ao mesmo tempo tão sensível. Tivesse feito isso, não estaria hoje escrevendo
estas linhas tortas, desnecessárias no oásis dos corações dos apaixonados.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
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