quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Index Res Prohibitorum

Minha pequena coleção de objetos vivos:
Um armário que uiva durante a noite;
Uma gaveta cheia de memórias;
Um cinzeiro que me repreende
(porque fumo demais);
Uma cama cheia de dores na coluna
(pois que não saio de cima dela);
Uma gaita que chora notas tristes;
Minhas chaves que se escondem;
Livros que são mais que bons amigos;
Cartas que escrevi, não mandei e não param de falar,
Declamando e repetindo seu conteúdo
“ela teria gostado de receber isso”, me dizem.
E falam, falam, falam.
Retratos que me observam, e, acima de tudo,
Um telefone o tempo inteiro mudo, mudo, mudo.
Está tudo quase certo: Semana que vem, me mudo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Changes

Acontece que esse fim de ano tem me fodido mesmo. Não sei nem mais o que é. Só sei que, seja lá o que for, foi se acumulando. E agora, no momento em que preciso fazer algumas mudanças realmente significativas na minha vida, não tenho tempo, preciso terminar este trabalho, o prazo está se esgotando e eu não tenho a menor vontade de terminar algo que não estou gostando. Me acostumei a não levar a frente projetos naufragados. Nunca tive vocação pra capitão, nunca afundarei junto com o navio, meu papel desde que nasci é de afundar embarcações. E agora vivo um paradoxo, porque basicamente todos os planos que venho fazendo dependem essencialmente de concluir um plano mal-sucedido. Quero sair e conhecer e sentir, mas não tenho tempo. Quero me deitar, beber, sonhar, e não tenho tempo. Não tenho tempo nem pra ficar em casa, nem casa tenho. Deveria ter um só pensamento em minha cabeça, mas tenho 1.750 planos prontos para serem colocados em prática. Isso não vai levar a nada, não é mesmo? Eu sei. Resolução. Reconhecimento. Perseverança. Palavras estranhas, que vou aos poucos buscando encaixar em meu vocabulário tão pobre, tão carente. Fica na cabeça uma frase que serve de epígrafe no livro do Saulo: “É muito perigoso aplicar à conduta idéias literárias” (não lembro de quem é, neste momento). É mesmo. Muito perigoso.
Ana C. César, me salva.

CASABLANCA

Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
Não chegará nem perto de teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente ao cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
Madrugada feita de binóculos de gávea
E chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.”

sábado, 4 de dezembro de 2010

My Bloody Valentine



Ter segurado você em meus braços agora soou como ouvir uma melodia que foi esquecida através dos tempos; foi como agarrar com mãos firmes não você, mas sua essência; como ter chegado enfim a algum lugar depois de ter os pés sangrando por tanto caminhar a esmo. Eu sei que o caminho que nos trouxe até aqui foi complicado, perdemos muitas coisas, desperdiçamos outras tantas, mas foi o que escolhemos, queimamos os remos e nos colocamos conscientemente à deriva, então agora será apenas isso, minhas mãos em volta da sua cintura, o sabor dos seus lábios mornos tomando conta dos meus, seus cabelos molhados e um distante sentimento de desaparecimento. Nenhuma recompensa além deste vazio, nenhuma sensação além dessas dores excruciantes: A sua, física, letal, queimando em seu abdômen e esvaziando sua mente de qualquer pensamento que não seja – dor, dor, dor; A minha, uma dor no peito, uma angústia sem fim, a incapacidade de pensar em qualquer além de tudo que fizemos, uma dor sem marcas no corpo, mas nem por isso menos real que a tua. Estamos os dois morrendo aqui, cada um a sua maneira, minha doce delinqüente. Não pense que é mais fácil pra mim, nunca é”.

Ele finaliza este bilhete. Ajoelha-se ao lado dela, beija-lhe os lábios mais uma vez – ele faria isso por toda a eternidade, essa é a verdade – e deixa o pedaço de papel em cima dela.
Ela, que agoniza no chão, emitindo os últimos suspiros a que até um cão tem direito, deitada num chão cheio de garrafas quebradas, poemas rabiscados, um cinzeiro lotado, um revólver ainda quente e uma camisinha usada, sinal de que a morte não era esperada, não ainda, mas não teve jeito.
Suas mãos e roupas manchadas com o sangue jovem dela, em seus ouvidos o barulho do disparo se misturam aos gemidos de minutos antes – é tudo tão confuso quanto só a vida real pode ser.
Ele não conseguiu pensar numa saída digna pra tudo isso, pra esse carrossel vil e violento em que entraram desde aquela noite em que se viram na galeria de arte, quando ele finalmente conheceu sua vítima.
E pela primeira vez pensou em sim como algoz. Não mais um mero profissional, mas desta vez um anjo da morte cumprindo desígnios muito maiores que suas forças.
Nem seu corpo esguio sob o dele, nem suas mãos delicadas procurando as partes mais sensíveis do corpo dele foram capazes de evitar isso.
Ele não a teria matado. Em outras circunstâncias. Nem mesmo quando ela permitiu que seu amante quebrasse três dentes dele com uma paulada certeira.
Nem mesmo quando ela zombou dele no dia em que se pau não queria trabalhar.
Nem mesmo quando ela o fez esperar três horas na chuva, no território de seu inimigo, correndo o risco de uma emboscada a qualquer momento.
Mas era uma garota que vivia em busca de limites perigosos. E ela tinha mexido com as pessoas erradas dessa vez.
Nem mesmo ela, com suas pernas lascivas, seus olhos verdes fatais e seus sorriso de ninfa.

Para ele, um dos trabalhos mais árduos a que foi submetido, mas ainda assim um trabalho. Uma missão.
Pensou no tamanho de sua covardia.
Um homem impedido de proteger a quem ama é uma figura digna de pena.
Só lhe resta agora limpar tudo, talvez beijar uma vez mais aqueles lábios, e recolher todos os cacos do chão.
Cacos de dentro, e de fora.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...