segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aqueles que Rezam em Silêncio



Ele não sabe o que dizer para ela, e não é porque seja um animal que não possa verbalizar o que sente, ele apenas teme que exista algo de intrinsecamente maligno em suas palavras que possa, como uma bigorna desabando sobre uma fina superfície de gelo, fazer em pedaços tudo o que existe entre eles até então. Alguns homens já testemunharam horrores demais causados por eles enquanto tentavam fazer o melhor; outros de nós já fomos responsáveis por tanta dor e loucura de outras mulheres quando acreditávamos estar apenas nos divertindo que a mera presença da mulher que francamente amamos afugenta nossa coragem; outros ainda aprendem cedo demais que possuem uma dívida para com o gênero feminino que é irreparável e inegociável e só o que resta é se calar; outros são lutadores cansados que esperam sempre o último bater de porta e barulho de saltos na escada como se esperassem o golpe final que os derrubará; há homens que se debatem na cama e acordam com a sensação de terem falado durante o sono algo que não deveria ser dito, e se calam por medo que suas palavras desencadeiem a derradeira briga; em comum, nós homens apenas não nos acostumamos a falar de nossos sentimentos e tememos sempre expressar da forma errada um sentimento que é incomunicável, tentamos fazer com que o afeto seja sempre algo físico, que possa ser expresso por meio de toques, abraços apertados, beijos, lambidas, arrepios, ereções, empurrões desastrados, socos na parede, cortes dos copos que se quebram em nossas mãos, gritos primais que irradiam uma violência que já associamos à virilidade. Não se trata de covardia, mas, de uma limitação que desde cedo consideramos uma demência cognitiva incurável, que nos acompanhará de lar em lar, de copo em copo, de bar em bar, de relacionamento em relacionamento, nos lembrando que somos animais e que o mal mora dentro de nós não importa o quanto rezemos, o quanto fujamos. Homens se calam, alguns até reverenciam o silêncio, porque se sentem seguros assim. Aí mora o motivo de sua danação. O sentido trágico de suas vidas. Alguns, inconformados com seu destino, rebelam-se, gritam, quebram pratos, culpam a vítima, partem para o ataque, agridem, atacam com violência quem juraram proteger. Outros, mais resignados, acendem cigarros e cantarolam baixinho enquanto elas dormem. E pedem ao Deus que eles nem sabem se existe para que, quando acordem, aqueles anjos não façam perguntas, ou que aquele momento possa durar para sempre.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Rotina

                Ilustração: xkcd

Acordou, e ao perceber que ainda faltavam 20 minutos para o horário que havia decidido acordar, voltara a dormir. Teve um pesadelo envolvendo uma casa abandonada, ratos do tamanho de Poodles e Justin Bieber gritando histericamente. Acordou assustado e logo se deu conta de que não ouviu o despertador. Pensou se seria possível a voz estridente do astro teen num sonho abafar a musica dos Smiths no celular no mundo real. Deixou logo de lado essas elucubrações, levantou-se e preparou um café forte. Enquanto esperava ele ficar pronto, puxou o livro de Manuel Bandeira à procura de um poema e releu "Pneumotórax". Em seguida, "Poética", seu preferido. Pensou que deveria compartilhar ele com mais gente. Abriu o facebook. O café ficou pronto. Se serviu, trouxe a cafeteira para próximo de si, junto ao computador, passou geleia em duas fatias de pão de forma e sentou-se novamente. Navegou por uns instantes pelas postagens de seus contatos. Duas pessoas davam "bom dia" a quem quer que estivesse on line. Um outro compartilhava um link sobre a importância da desmilitarização da polícia. Outro, uma montagem de gosto duvidoso em que homens de terno em cima de um palanque eram colocados atrás de grades e a mensagem em letras garrafais dizia: "Cadeia Para os Condenados no Mensalão". A inadequação ortográfica da mensagem o incomodava demais, pensou em comentar isso, mas decidiu que quem está preocupado com o mensalão não deve ter muito tempo pra gramática. Havia um texto sobre as tais manifestações de junho, mas era longo e parecia ser enfadonho, também. Enfim, haviam pessoas criticando a política externa norte-americana, o jornalismo brasileiro, a futilidade moderna, o show do Justin Bieber (ele, mais uma vez), defesas do comunitarismo, do amor livre e do Caetano Veloso. Se pergunta qual o sentido daquilo tudo. Tantas pessoas militando numa rede social em prol de alguma coisa, cada um com sua causa. Riu da frase espirituosa. Todos preocupados com algum problema, mas gostando que os outros também estejam preocupados com outros problemas, num eterno ciclo de compartilhar e curtir. Aliás, está certo chamar isso de compartilhar? Os problemas (e links, fotos, montagens, textos, etc ad infinitum) são compartilhados ou publicados por narcisismo e carência? Vai saber. Fato é que as pessoas parecem mesmo dar importância a isso e quem publica coisas sérias tem muito mais pontos na corrida por status aqui. Riu ao lembrar dos discursos que culpam as redes sociais por ilhar as pessoas em seus próprios casulos sob a ilusão de interação e integração. Quanta bobagem. Até onde ele consegue entender, as redes sociais amplificaram uma característica antiga dos agrupamentos humanos: A tendência à elaboração de papos de surdos e mudos em que ninguem diz nada e ninguem escuta nada. Algo como uma assembléia geral de Ciências Sociais elevada à enésima potência. Riu mais uma vez. Terminou o café. Lembrou do trabalho. Desistiu de publicar o poema. Fechou o livro do Bandeira. Sorriu, triste e satisfeito. O dia começou.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cherry

Tasty - Jen Mazza


Ela gosta de chupar dedos

Morder pescoços

Lamber dorsos

E devorar sonhos.

Deixo-a fazer o que quiser.


A Índole da Multidão



(Charles Bukowski)

Há suficiente traição, ódio,
violência,
Absurdo no ser humano comum
Para abastecer qualquer exército a qualquer
momento.
E Os Melhores Assassinos São Aqueles
Que Pregam Contra o Assassinato.
E Os Melhores No Ódio São Aqueles
Que Pregam Amor
E Os Melhores Na Guerra
-Enfim- São Aqueles Que Pregam
Paz
Aqueles Que Pregam Deus
Precisam de Deus
Aqueles Que Pregam Paz
Não Têm Paz.
Aqueles Que Pregam Amor
Não Têm Amor
Cuidado Com Os Pregadores.
Cuidado Com Os Conhecedores.
Cuidado
Com Aqueles
Que Estão Sempre
Lendo
Livros
Cuidado Com Aqueles Que Ou Destestam
A Pobreza Ou Orgulham-se Dela
Cuidado Com Aqueles Rápidos Em Elogiar
Pois Eles Precisam de Louvor Em Retorno
Cuidado Com Aqueles Rápidos Em Censurar:
Eles Temem O Que
Desconhecem
Cuidado Com Aqueles Que Procuram Constantemente
Multidões; Eles Não São Nada
Sozinhos
Cuidado
O Homem Vulgar
A Mulher Vulgar
Cuidado Com O Amor Deles
Seu Amor É Vulgar, Busca
Vulgaridade
Mas Há Força Em Seu Ódio
Há Força Suficiente Em Seu
Ódio Para Matá-lo, Para Matar
Qualquer Um.
Não Esperando Solidão
Não Entendendo Solidão
Eles Tentarão Destruir
Qualquer Coisa
Que Difira
Deles Mesmos
Não Sendo Capazes
De Criar Arte
Eles Não
Entenderão A Arte
Considerarão Seu Fracasso
Como Criadores
Apenas Como Falha
Do Mundo
Não Sendo Capazes De Amar Plenamente
Eles Acreditarão Que Seu Amor É
Incompleto
Então Te Odiarão
E Seu Ódio Será Perfeito
Como Um Diamante Brilhante
Como Uma Faca
Como Uma Montanha
Como Um Tigre
Como Cicuta
Sua Mais Refinada
ARTE.


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Jornada



A placa pela qual passamos indicava
algo que talvez fosse um atalho, mas pensamos logo
que se tratava de uma rua sem saída.
E, assim, seguimos.

A porta que atravessamos prometia
ser uma saída, mas
ela se trancou atrás de nós e era uma armadilha.

O caminho que tomamos a seguir era cheio de perigos
e mesmo assim o trilhamos
empolgados e iludidos com uma visão que
tivestes em teus sonhos
de um lugar para repousar nossos ossos;

Mas o oásis ao qual chegamos estava
infestado de baratas, pulgas, relógios
carteiras e homens de negócio, e sua água
contaminada por todos estes tristes seres
e assim, o abandonamos.

Tristes e sozinhos, caminhamos a esmo
caminhamos sob a lua cheia entoando canções
e escrevendo poemas no vento,
nossa dor maior que nossos corpos e
nossa sede tão infinita quanto um deserto.

Não possuíamos água, comida ou teto,
apenas a escolha que fizemos e um ao outro,
corpos exauridos e mentes que divagavam,
e a alegria de quem deixou tudo para trás.

A travessia foi longa, deixou marcas
em nossos corpos
Não haviam saídas ou retornos que não implicassem
em algum tipo de traição.
A solução que encontramos diz respeito apenas
a nós mesmos
inscrevê-la aqui não nos faria menos
profanos
Acordamos com o barulho que entrava pela janela
constrangidos, mas  orgulhosos,
mal reconhecendo a nós mesmos no
espelho manchado de um quarto qualquer.
E em teus olhos a mesma lágrima,
furtiva,
que todas as manhãs teimo em arrancar-lhe
com um beijo.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Carta


(Leonard Cohen)

O modo como assassinaste sua família
nada significa para mim
enquanto a tua boca percorre meu corpo

Eu conheço os teus sonhos
de cidades arrasadas e cavalos em fúria
do sol demasiado perto
e da noite sem fim

Mas isso nada significa para mim
ante o teu corpo

Sei que lá fora uma guerra ruge
que tu transmite ordens
e bebês são afogados e generais degolados

Mas o sangue nada significa para mim
pois não altera tua carne

Que tua língua saiba a sangue
não me surpreende
enquanto meus braços crescem no teu cabelo

Não penses que não compreendo
o que acontece
depois de as tropas serem massacradas
e as putas passadas à espada

Escrevo isto só pra te roubar o prazer
quando uma manhã a minha cabeça
estiver dependurada com as dos generais
do portão da tua casa

Só para que saibas que previ tudo
e que isto nada significa para mim.

- Extraído do livro "Filhos da Neve - Antologia poética".


Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...