terça-feira, 30 de novembro de 2010

Whitman

Eu me contradigo?
Muito bem, então eu me contradigo
(Sou grande, eu contenho multidões)

- Walt Whitman, "Song of myself"

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E La Nave Va

Talvez ainda caiba um pouco de vida
Neste corpo embalsamado.
Embalado por lembranças,
velejo por um mar sem ondas,
Sem vento, sem horizonte, sem volta;

Não será minha vontade a me conduzir
Quando eu decidir que é chegada a hora de zarpar.

sábado, 27 de novembro de 2010

Marca

Aquela ali está marcada a ferro. Aquele outro, traz a marca do demônio, é melhor se manter afastado. Aquela traz a marca de três filhos e um casamento de conveniência. Vai poder te dizer algo sobre acordar 20 anos ao lado da mesma pessoa. Esse que amarra o cadarço com os pés sobre o banco e carrega uma marca que ganhou num sonho, dizem que é esquizofrênico. Aquela ali foi marcada pelos 20 e poucos rapazes que já passaram pela sua cama. Aquela de vestido azul traz a marca da cinta de seu pai no rosto, bem abaixo do olho direito, você vê? E tem aquela ali, que canta maravilhosamente desde que foi deixada pelo último amante, e agora vive por aí interpretando Chet Baker, que a marcou muito e na verdade foi o motivo de sua separação. Este que acabou de passar por você eu não sei, mas ele carrega uma .45 na cintura, o que por si é uma marca perigosa. Ela, de preto, traz a marca de dedos, unhas, dentes, todo tipo de perversão. É assim desde que se deitou com outra mulher, que lhe cortou com uma navalha. Aquele lá, não sei se é homem ou mulher ou anjo, é portador de uma marca triste e misteriosa. A mulher de jaqueta jeans está a mais de cinco anos tentando terminar seu livro, está marcada por um fracasso, semelhante ao meu e seu. Como você pode ver, todos têm uma marca, todos algum dia em algum momento tiveram suas individualidades transformadas e nem por isso desmoronaram. É aí que está o charme, o segredo, a única verdade, seja ela fruto do acaso, de intenção ou de mentiras, existe algo que nos define e que escapa ao entendimento, mas basta chegar um pouco mais perto para se ver. A marca. Do assombro. Em nossos corpos. 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Para Billie, Ella, Aretha, Bessie...




Tempestades elétricas
Nuvens de saxofones, trompetes e trombones
Ar carregado de f(r)icções musicais
Em menos de um minuto, uma voz se sobrepõe a tudo isso
E meu coração transborda junto

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Relaxin' at Camarillo



Creio que seja hora de colocar em prática a tática mais fácil e manjada do universo para lidar com problemas profundos. Não, não estou falando de fugir, que diferente do que muitos acham, é difícil pacas e requer conhecimento de causa, ousadia e, por que não, um pouco de classe. Não é para qualquer um. Falo de relaxar. Simplesmente deixar o vento bater na cara, fazer o que há de ser feito sem considerar suas implicações ou o valor disso. Por que o fim do ano está chegando, e aí sei que ficarei tenso, relaxar não vai ajudar, é inevitável, é sempre assim e nem tenho forças agora pra mudar isso. Não que me importe tanto com datas, mas também não dá pra fingir que nada acontece, você está no mundo e não dá pra fingir que ele não existe ou adotar uma postura do tipo “lá fora” e “aqui dentro”, como se fossem coisas essencialmente separadas. Não são. O ano termina, calendários se encerram, projetos param, firmas entram em recesso, Roberto Carlos vai ter mais um especial e até o futebol dá um tempo. E aí reavaliações são feitas, contemplações inúteis, mas ainda assim não tão banais quanto os planos que são feitos a despeito de já ter prometido realizá-los no ano anterior, e falhado. É assim que acontece. Mesmo que não queira, farei tudo isso, e ao pensar se vale a pena seguir em frente, ou se tenho coragem de partir pra outra, meu semblante mudará, meus músculos enrijecerão, minhas pupilas dilatarão e beberei mais. Então, por enquanto, é relaxar. Fumar quantos cigarros precisar, ter o talento de fazer as coisas do seu jeito sem se cobrar demais, esquecer aquela pessoa que você gostaria de telefonar e dizer todas aquelas coisas, e, quando a barra pesar demais, nada de planos de suicídio ou cartas desesperadas, mas assistir a um filme do Fellini (ou de terror) e depois um passeio na praia. Um tipo de maturidade relaxada que, todo mundo sabe, dura pouco e é um tanto ilusória, mas necessária e talvez recompensadora do ponto de vista de sua saúde mental já um tanto deteriorada. Foi como uma revelação o que tive esta tarde, ao sentir o cheiro do café pronto, olhando pra garrafa de vinho esvaziada na noite anterior, “I’m yours and you’re mine” do Morphine começou a tocar naquele momento, o laptop ligado com o cursor do Word piscando esperando palavras técnicas, mas diante daquele momento, preferi sentar e escrever isso. Talvez tenha decepcionado o texto que me esperava, mais ganhei mais alguns anos de vida com isso, e pelo menos mais um mês de paz. Só até o fim do ano.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Meu avô não escutava blues/ Um abraço em Nelson Gonçalves

Porque ontem eu vi com o canto dos olhos de relance um vulto;
Porque o canto das sereias sempre se inicia ao anoitecer;
Porque uma música triste nunca vem sozinha;
Porque lembranças às vezes se parecem com navalhas;
Porque ficar sozinho é uma escolha, solidão é condição;
Porque meu pai morreu há exatos 15 anos,
E a única lição de que me lembro é de não confiar em quem tem as unhas sujas;

Faz sentido, se o sujeito não limpa as unhas, o que há de fazer com seu coração?

Porque ele era alcoólatra;
E meu alter-ego bebe demais;
Porque eu tenho uma dívida com Nelson Gonçalves,
Por ter partido em pedaços seu disco, que era dele;
Por me sentir sozinho, sem mulher, sem boemia;
Porque se sentir sozinho não necessariamente tem a ver com estar sozinho.
Porque convicções são mais frágeis que porcelana.
E, como tal, é melhor esconde-las das visitas.

Por tudo isso, não direi mais ao mundo que estou triste.
Serei como meu velho avô que já partiu,
Me sentarei negro, velho e cego
Em uma cadeira na varanda, com um violão e um velho blues,
Pedirei para que cuidem para que meu túmulo seja mantido limpo,
Como Blind Lemon Jefferson.
E se me perguntarem, direi que está tudo certo.
Algum dia há de cair uma tempestade sobre este deserto.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Versos para uma advogada de respeito

Minha doce amiga,
Do alto de seu irretocável sucesso, 
Peço agora que advogue em meu favor,
Eu, o filho torto da ninhada.
Lembre-se, pois:
Nós vimos o futuro naquela tarde abafada
No sótão da sua casa.
Velvet na vitrola, “heroin” nas nossas veias,
E você me dizia do marido perfeito e dos muitos filhos que teria um dia.
Eu só dizia dos filmes de terror que iria assistir
Naqueles dias de ressaca fodida;
E dos empregos que chutaria, só pra aproveitar o dia de chuva.
Nossos dias heróicos.
Aquela camiseta do nirvana que você não tirava,
A alça preta do sutiã sempre à mostra, eu de óculos escuro
No sótão.
Entre os discos, as garrafas, as abelhas
(de onde vinham aquelas abelhas?)
Esses pequenos objetos testemunharam nosso dom premonitório,
E algumas outras cenas, também.
Todos os dias, você tinha um corte novo no braço
E eu tinha que fingir não ver para você não chorar.
Aquele sótão empoeirado que você não limpava.
Aquele ventilador quebrado.
Aquelas transas que, para começar, esperávamos
Que começasse antes o barulho dos carros na oficina do teu pai;
Porque você gemia alto e os vizinhos eram curiosos.
Lembro-me de tudo isso.
De como previmos nosso futuro
Naquelas tardes quentes e heróicas.
Aquele pequeno poema riscado na parede,
Eu ainda me lembro:
“Guardemos com carinho
A dureza destes dias escuros,
Pois teremos dias de fartura,
Mas então já não teremos um ao outro”.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Eu ainda acho essa musica linda




Radiohead, "Motion picture soundtrack".

"Vinho tinto e pílulas para dormir
Me ajudam a voltar para seus braços.
Sexo barato e filmes tristes
me levam de volta pro lugar a que pertenço.

'acho que você está louco'.
Talvez...
'acho que você está louco'
Talvez...

Pare de mandar cartas
cartas sempre são queimadas.
Não é como nos filmes.
Eles nos alimentam com mentirinhas brancas.

'acho que você está louco'
Talvez...
'acho que você está louco'
Talvez...

Eu verei você na vida seguinte...

sábado, 13 de novembro de 2010

Palavras de Woody

"Depois daquilo, ficou tarde, nós dois tínhamos que ir. Mas foi ótimo ver a Annie de novo. Eu percebi que pessoal incrível ela era e como foi bom apenas conhecê-la; e eu me lembrei daquela velha piada, o cara vai ao psiquiatra e diz 'Doutor, meu irmão é louco. Ele pensa que é uma galinha'. E o doutor pergunta 'Bem, porque você não o convence de que não é?'. O cara responde 'Eu até o faria, mas preciso dos ovos'. Bem, acho que é assim que me sinto em relação a relacionamentos; você sabe, são totalmente irracionais, e loucos, e absurdos, e eu acho que insistimos porque a maioria de nós precisa dos ovos."
Annie Hall. Woody Allen.

Fernando Gonzales


Sempre muito perspicaz.
Ah, como eu queria fazer isso com uma certa instituição...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Basta um Dia


Pra mim
Basta um dia
Não mais que um dia
Um meio dia
Me dá, só um dia
E eu faço desatar a minha fantasia
Só um belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia da luz do dia
É só o que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia
Só um
Santo dia
Pois se beija, se maltrata
Se como e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor
Na orgia da luz do dia
É só
O que eu pedia, viu?
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia.
- Chico Buarque

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Questão de Idade

Não tive tempo sequer
De conhecer seus pequenos truques;
Será que você vai se lembrar de minhas palavras?
Seria a idade um problema?
Se eu for velho demais pra você,
Sou velho demais para todo o mundo.
Porque pra todo mundo, falta alguma coisa.
Sou velho demais para a mulher que espreita a saída de bordéis
À procura de homens solitários;
Velho demais para a viúva quarentona que reaprende a sedução;
Velho demais para a católica cheia de culpa
Que me sussurra perversidades cristãs ao ouvido;
Velho demais para a garota de treze anos,
Violenta em seus prazeres, sutil em seus encantos;
Velho demais pra ficar bêbado todas as noites;
Velho demais para o que chamam de vida talvez.
Mesmo assim, a vida pode acontecer.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Farinha do desprezo/J. & L. no meu quarto

Hoje, acordei uma mistura de Berlim com Rio de Janeiro, humores de neblina na tarde tropical. 
O dia inteiro tenho escutado os demônios que andam comigo.
Não estou aqui pra me queixar.
Elas devem ter seus motivos para me abandonar - todas elas.
Devem ter seus motivos.
Na minha janela sem cortinas, um gato gemeu a noite toda.
Amanheceu sem sol,  e ainda assim quente;
Berlim e Rio, entende?
No quarto apenas, eu e mais ninguém.
Até mesmo a razão só vem aqui de passagem.
Ela também deve ter seus motivos.
No bolso da minha calça, 1,5 gramas de sonhos em branco.
A vida é assim, puro risco.
Chega de escutar os demônios que andam comigo.
Hoje, Lou Reed e Jards Macalé são meus únicos amigos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Hurt



Johnny Cash tocando "Hurt", do Nine Inch Nails. Improvável, mas ótimo. A musica parece feita pra ele cantar. e foi sua última gravação...

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...