Eu (e todos nós) e meus (nossos) pequenos
espantos cotidianos, como aquele toca-discos encostado num canto do quarto e
que volta a funcionar de repente quando você simplesmente está sem saco pra
dormir e fazendo qualquer coisa para que o tempo passe. Foi com este sentimento
que encontrei rabiscado em meu antigo caderno de notas uma frase sobre você.
Era assim: “e ela chegou flutuando e criou um paraíso dentro do meu inferno”,
no meio de umas tantas bobagens que eu já havia esquecido. Mas esta frase,
especificamente, não era uma bobagem. Era, continua sendo, muito sério. Mas
acho que só agora eu entendo as implicações dela. Como exclamado pelo
personagem de Noites Brancas, ninguém
precisa de mais do que um minuto inteiro de felicidade para sentir que sua vida
valeu a pena. E foi muito mais que um minuto, foram horas e horas que você me
entregou! E enquanto eu fumava meu último cigarro da noite na varanda, me
perguntava como pude até a pouco tempo querer me livrar do gosto em minha boca que eu
acreditava ser amargo porque amarga está minha vida. Neste exato momento, com
toda minha atenção voltada apenas para mim, percebi que meus lábios ainda tinham o
seu sabor, e é aquele mesmo agridoce que senti na primeira vez em que estivemos
realmente juntos. E eu não quero esquecer isso. Não quero perder. O gosto
amargo que sobe de meu estômago até a boca por tantas vezes em meu dia nada tem
a ver com a lembrança de nossos beijos clandestinos. Não importa se não os
tenho mais, não exorcizarei esta lembrança como um cão tocado de dentro da
igreja. É minha vida que tem me dado dissabores dos quais não consigo me
livrar. Não sou o mesmo que era antes, e como poderia? Acontece que ainda não fiz
os ajustes necessários entre quem sou agora e aquela pequena essência da qual
sou feito, que ainda persiste dentro de mim. E nem sei se farei um dia. De
alguma forma eu tento lidar com este descompasso e a grande descoberta destes
dias de total inércia pelos quais passei foi ver que este azedume nada tem a
ver com você. Não vou, não posso mentir: My
heart still hurts from last night, como diria aquela música bacana. A queda
foi dura. Mas eu estou me erguendo, e não preciso esquecer pra isso. Veja só, andei
perambulando pela casa de muita gente recentemente e, pode até parecer irônico,
não foram poucas aquelas nas quais havia um toca-discos quebrado num canto qualquer.
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Deixa eu bagunçar você
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Um comentário:
muito bonito
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