O lugar tinha a fachada de um tom azul-marinho, com alguns pequenos detalhes em branco e vermelho, e um nome escrito sobre a porta que eu não conseguia ler. Também não conseguia reconhecer a musica que vinha lá de dentro, mas sabia que era algo familiar, com sopros e uma voz delicada que os acompanhava, quase como se ela estivesse sendo sussurrada próxima de meus ouvidos, e o som ficava mais alto se eu fechasse meus olhos. Uma placa na entrada exibia a carta de bebidas oferecidas na casa, todas com nomes em inglês e francês, e ao lado desta, outra plaqueta que especificava “somente sócios”. Então aquela casa magnífica, que exibia num telão imagens de filmes mudos e decorada com velas e arranjos de outros tempos só era aberta a sócios? O mais aterrorizante: as pessoas sentadas às mesas e de pé junto ao balcão pareciam muito felizes, enquanto comiam, conversavam, mesmo as que sentavam-se solitárias lendo seus livros ou assobiando a canção que ouviam. Pareciam aconchegadas como em casa, sem nenhuma gota da histeria ou brutalidade de gestos que observo em outros cantos. Com meu coração disparado, corri até aos umbrais de madeira do lugar, e quando empurrei a porta para forçar a entrada, percebi que estava trancada. Impassível diante de meus esforços. Impossível naquela tarde de neblina. E contentamento das pessoas em suas mesas, e a porta cada vez mais cerrada... desisti quando tive certeza que eu não era desejado lá. Aquela mulher que me fuzilou com seu olhar de escopeta, sua beleza mediterrânea, me expulsou como se colocasse um cão pra fora da igreja, um bêbado pra fora de um bordel. Sei que ela já existia em algum lugar na minha memória, e talvez por isso seu olhar tenha doído tanto. Saí com a certeza de que o lugar não era e nunca seria para mim, e o que via a frente era só uma avenida que era o retrato da desolação, cheio de bares, lojas de antiguidades e restaurantes de quinta que pareciam feitos para mim, agora que eu havia caído em desgraça, banido do Éden e forçado a caminhar para longe da felicidade que por um instante vislumbrei.
Acordei com uma aguda sensação de falta, como se algo houvesse sido arrancado de mim, de uma vez por todas.
Um comentário:
Você teve o mesmo sonho duas vezes ou postou as mesmas palavras duas vezes???
Adoro ler os sonhos que as pessoas têm, mesmo quando são angustiantes como este...
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