quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Rotina

                Ilustração: xkcd

Acordou, e ao perceber que ainda faltavam 20 minutos para o horário que havia decidido acordar, voltara a dormir. Teve um pesadelo envolvendo uma casa abandonada, ratos do tamanho de Poodles e Justin Bieber gritando histericamente. Acordou assustado e logo se deu conta de que não ouviu o despertador. Pensou se seria possível a voz estridente do astro teen num sonho abafar a musica dos Smiths no celular no mundo real. Deixou logo de lado essas elucubrações, levantou-se e preparou um café forte. Enquanto esperava ele ficar pronto, puxou o livro de Manuel Bandeira à procura de um poema e releu "Pneumotórax". Em seguida, "Poética", seu preferido. Pensou que deveria compartilhar ele com mais gente. Abriu o facebook. O café ficou pronto. Se serviu, trouxe a cafeteira para próximo de si, junto ao computador, passou geleia em duas fatias de pão de forma e sentou-se novamente. Navegou por uns instantes pelas postagens de seus contatos. Duas pessoas davam "bom dia" a quem quer que estivesse on line. Um outro compartilhava um link sobre a importância da desmilitarização da polícia. Outro, uma montagem de gosto duvidoso em que homens de terno em cima de um palanque eram colocados atrás de grades e a mensagem em letras garrafais dizia: "Cadeia Para os Condenados no Mensalão". A inadequação ortográfica da mensagem o incomodava demais, pensou em comentar isso, mas decidiu que quem está preocupado com o mensalão não deve ter muito tempo pra gramática. Havia um texto sobre as tais manifestações de junho, mas era longo e parecia ser enfadonho, também. Enfim, haviam pessoas criticando a política externa norte-americana, o jornalismo brasileiro, a futilidade moderna, o show do Justin Bieber (ele, mais uma vez), defesas do comunitarismo, do amor livre e do Caetano Veloso. Se pergunta qual o sentido daquilo tudo. Tantas pessoas militando numa rede social em prol de alguma coisa, cada um com sua causa. Riu da frase espirituosa. Todos preocupados com algum problema, mas gostando que os outros também estejam preocupados com outros problemas, num eterno ciclo de compartilhar e curtir. Aliás, está certo chamar isso de compartilhar? Os problemas (e links, fotos, montagens, textos, etc ad infinitum) são compartilhados ou publicados por narcisismo e carência? Vai saber. Fato é que as pessoas parecem mesmo dar importância a isso e quem publica coisas sérias tem muito mais pontos na corrida por status aqui. Riu ao lembrar dos discursos que culpam as redes sociais por ilhar as pessoas em seus próprios casulos sob a ilusão de interação e integração. Quanta bobagem. Até onde ele consegue entender, as redes sociais amplificaram uma característica antiga dos agrupamentos humanos: A tendência à elaboração de papos de surdos e mudos em que ninguem diz nada e ninguem escuta nada. Algo como uma assembléia geral de Ciências Sociais elevada à enésima potência. Riu mais uma vez. Terminou o café. Lembrou do trabalho. Desistiu de publicar o poema. Fechou o livro do Bandeira. Sorriu, triste e satisfeito. O dia começou.

2 comentários:

Lily disse...

Foda!#2

Rodrigo disse...

Agradecido, demais! Pelo #1 e #2, hahaha

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...