sábado, 4 de dezembro de 2010

My Bloody Valentine



Ter segurado você em meus braços agora soou como ouvir uma melodia que foi esquecida através dos tempos; foi como agarrar com mãos firmes não você, mas sua essência; como ter chegado enfim a algum lugar depois de ter os pés sangrando por tanto caminhar a esmo. Eu sei que o caminho que nos trouxe até aqui foi complicado, perdemos muitas coisas, desperdiçamos outras tantas, mas foi o que escolhemos, queimamos os remos e nos colocamos conscientemente à deriva, então agora será apenas isso, minhas mãos em volta da sua cintura, o sabor dos seus lábios mornos tomando conta dos meus, seus cabelos molhados e um distante sentimento de desaparecimento. Nenhuma recompensa além deste vazio, nenhuma sensação além dessas dores excruciantes: A sua, física, letal, queimando em seu abdômen e esvaziando sua mente de qualquer pensamento que não seja – dor, dor, dor; A minha, uma dor no peito, uma angústia sem fim, a incapacidade de pensar em qualquer além de tudo que fizemos, uma dor sem marcas no corpo, mas nem por isso menos real que a tua. Estamos os dois morrendo aqui, cada um a sua maneira, minha doce delinqüente. Não pense que é mais fácil pra mim, nunca é”.

Ele finaliza este bilhete. Ajoelha-se ao lado dela, beija-lhe os lábios mais uma vez – ele faria isso por toda a eternidade, essa é a verdade – e deixa o pedaço de papel em cima dela.
Ela, que agoniza no chão, emitindo os últimos suspiros a que até um cão tem direito, deitada num chão cheio de garrafas quebradas, poemas rabiscados, um cinzeiro lotado, um revólver ainda quente e uma camisinha usada, sinal de que a morte não era esperada, não ainda, mas não teve jeito.
Suas mãos e roupas manchadas com o sangue jovem dela, em seus ouvidos o barulho do disparo se misturam aos gemidos de minutos antes – é tudo tão confuso quanto só a vida real pode ser.
Ele não conseguiu pensar numa saída digna pra tudo isso, pra esse carrossel vil e violento em que entraram desde aquela noite em que se viram na galeria de arte, quando ele finalmente conheceu sua vítima.
E pela primeira vez pensou em sim como algoz. Não mais um mero profissional, mas desta vez um anjo da morte cumprindo desígnios muito maiores que suas forças.
Nem seu corpo esguio sob o dele, nem suas mãos delicadas procurando as partes mais sensíveis do corpo dele foram capazes de evitar isso.
Ele não a teria matado. Em outras circunstâncias. Nem mesmo quando ela permitiu que seu amante quebrasse três dentes dele com uma paulada certeira.
Nem mesmo quando ela zombou dele no dia em que se pau não queria trabalhar.
Nem mesmo quando ela o fez esperar três horas na chuva, no território de seu inimigo, correndo o risco de uma emboscada a qualquer momento.
Mas era uma garota que vivia em busca de limites perigosos. E ela tinha mexido com as pessoas erradas dessa vez.
Nem mesmo ela, com suas pernas lascivas, seus olhos verdes fatais e seus sorriso de ninfa.

Para ele, um dos trabalhos mais árduos a que foi submetido, mas ainda assim um trabalho. Uma missão.
Pensou no tamanho de sua covardia.
Um homem impedido de proteger a quem ama é uma figura digna de pena.
Só lhe resta agora limpar tudo, talvez beijar uma vez mais aqueles lábios, e recolher todos os cacos do chão.
Cacos de dentro, e de fora.

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Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...