sábado, 28 de maio de 2011

O que o médico disse

 Ele disse não parece bom
 ele disse parece mau aliás muito mau
 ele disse eu contei trinta e dois deles em um pulmão antes
 de parar de contar
 eu disse fico feliz não ia querer saber
 que tem mais do que isso lá
 ele disse por acaso você é religioso você se ajoelha
 em bosques na floresta e se permite pedir ajuda
 quando encontra uma cachoeira
 a névoa soprando contra seu rosto seus braços
 você para e pede clareza nesses momentos
 eu disse não mas pretendo começar hoje mesmo
 ele disse sinto muito ele disse
 gostaria de ter outro tipo de notícia para dar
 eu disse Amém e ele disse algo mais
 que eu não entendi e sem saber mais o que fazer
 e sem querer que ele precisasse repetir aquilo
 e que eu realmente precisasse digeri-lo
 apenas olhei para ele
 por um minuto e ele olhou de volta foi então
 que me ergui num salto e apertei a mão daquele homem que
 acabara de me dar
 algo que ninguém no mundo jamais tinha me dado
 talvez eu tenha até agradecido por força do hábito.

 Raymond Carver

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bukowski, again.

" Vemos isso tarde demais
Depois que o pau é engolido
O coração vai atrás"

Ou vice-versa.

Um outro jeito de dizer que "o amor é sexualmente transmissível" (Marçal Aquino).

terça-feira, 17 de maio de 2011

Último Copo de Tristeza





Sim, eu vi estrelas despencarem como se fossem lágrimas do céu. E eu jamais diria para ti que tive uma visão tão triste se você aparecesse de repente com seu sorriso de noite fria, seu olhar lânguido de gata. Enrolados em meus dedos, teus cabelos contariam uma estória. Vaga, como a lua. Sem sentido e sublime. Com algum brilho. Beijaria teu pescoço e guardaria pra mim essa visão triste, e mais todos os pesadelos que me assaltavam quando não conhecia esse frescor sublime de seu abraço. Pra não te assustar. Odiaria ver você fugir por aquela porta com medo do que quer que fosse que viste em meus olhos. Sou como a heroína de histórias de terror que só no fim descobre que ela é a única que pode destruir o fantasma que persegue ela e seus amigos, como um sobrevivente de um massacre que se escondeu e só muito tempo depois do ocorrido sai de seu quarto pra ver o que restou. E o que sobra é esse misto de solidão e alívio, e um imperativo de recomeço que ronda cada gesto, cada palavra que sai de minha boca. É essa sensação e o prazer da sua presença que, se não me sustentam, me permitem encarar mais um dia de sol com um sorriso incerto nos lábios, de quem não sabe direito o que vai fazer nem como, mas que sabe que vai dar certo só porque não foi tentado antes. E sobre aquelas estrelas cadentes que caíram em chamas no mar, eu devo dizer que delas mantive um retrato em minha memória, e em alguma noite amena te conto com um sussurro ao ouvido. 

domingo, 8 de maio de 2011

A paz que não quero

Algumas vezes eu encontro uma paz que é absurda. E não é uma paz construída, buscada, que vem surgindo aos poucos com o correr das horas. É uma paz que explode, transborda, não acalma - fere. E, na verdade, é ela que me encontra, como os olhos de uma mulher a me encarar. Ela recusa bebidas e musicas e companhias, deseja apenas cigarros e silêncio, vazio. Às vezes quase sinto ela arrebentando meu peito como uma bomba. Ela se assemelha a uma pequena certeza de que tudo que havia pra acontecer já passou, que não há mais nada para esperar e que não há motivos nem pra ansiedade nem pra vontade. Ela é como uma mãe velha que diz "é assim mesmo". Eu só conheço essa paz, dos desesperados. E ela é violenta, maligna. Só que eu, que caminho chutando poças d'água quando estou triste, que me arrepio com seu toque, que não sei dedilhar nenhuma bela melodia no violão, eu, preferiria, a esta paz, a insanidade em tua cama.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...