quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Breve curso de administração com o Diabo


              Fausto sabia com quem negociar, mas não sabia o que queria...


Costumo dizer que as duas grandes invenções (talvez não sejam invenções, no fim das contas) do cristianismo foram a culpa e o diabo. Sem esses dois elementos, toda a coisa de amar ao próximo ou de salvação não serviria pra nada. Óbvio, não cheguei a essa conclusão sozinho. Nietzche,Rimbaud, Neil Gaiman, tem tudo a ver com isso. A culpa principalmente pela potencial expiação da culpa, que livra qualquer de um grande peso sem ter efetivamente feito coisa alguma. Já o diabo se relaciona com o mal. Transformar o mal em uma entidade externa com poderes de influência, e não como um atributo parte da extrema complexidade que é uma alma, foi tão essencial quanto a culpa para controlar o mesmo conjunto de instintos pra lá de indesejáveis. O cristianismo pré-reforma fazia muito isso, os protestantes deram um tempo, a inquisição pisou fundo na estória e hoje ela tem nas neo pentecostais um representante a altura da tradição demonológica medieval. Claro que estes últimos carecem demais de refinamento filosófico para criar um sistema de demônios e círculos infernais tão exuberantes quanto aquele descrito nos compêndios que hoje estão guardados nas bibliotecas empoeiradas do vaticano. A fascinação do mito (Lúcifer, o anjo caído) é fácil de compreender. Mais complicado é entender o mecanismo através do qual as pessoas atribuem a Ele atos que são tão humanos. Atribuem a ele a culpa por fazer pactos como se eles estivessem em busca de almas novas para governar. Como se o Primeiro Caído estivesse sempre por trás dos ouvidos de quem comete um crime. Como se a proibição (vinda de muito alto, do Altissímo) não inspirasse a transgressão. Quando não podem, ou não querem, se sentir culpados, eles evocam o Diabo. Que sequer toma conhecimento. Eles, os cristãos, estão dispostos a reconhecerem que são falhos, pecadores. E pra isso existe a culpa (e sua irmã gêmea, a redenção). Mas não estão dispostos a reconhecer sua maldade, sua fascinação pelo mal. Daí, imaginam um ser abominável (vermelho? Com rabo e chifre? Fedendo a enxofre?) impulsionando-os para o abismo. Será que ele sopra mesmo em nossos ouvidos? Sou mais inclinado a acreditar que o Diabo se trata de o administrador bem competente do infindável catálogo de maldades, perversões e vilezas de que é capaz o espírito humano. O gerente de nosso impulso de morte e destruição e todos os instintos que contrapõe a razão e o bom. Pois, de uma forma ou de outra, esses instintos foram tachados de “maus”. Mesmo os mais belos, como o sexo ou a imaginação, só são permitidos pela moral cristão quando racionalizados. Sem Ele, Aquele-Que-Tem-Mil-Nomes,não existiria o que chamamos de livre-arbítrio, algo que só o inferno pode conceder. Considere que um pacto com o Diabo é um modo mais rápido e eficiente de se atingir objetivos mais imediatos, como o prazer. Uma espécie de crédito rápido, sem toda a burocracia de orações e boas ações do céu, por um preço muito baixo. Nem sua alma, nem castigos eternos. Só a perda de sua paz. Aqui, e agora.

Um comentário:

Natalie disse...

Vai ser difícil, mas lá vai: em nossas infindáveis conversas, coisas soltas, ideias e informações, julgamentos do mundo e da vida, especulações filosóficas e sociológicas, punhetas de buteco, enfim, tudo forma para mim um montante confuso, com a densidade da fumaça de nossos cigarros e o embasado olhar alcoolizado. Eu precisaria ainda de muitas noites (na mesa do bar e na cama antes de dormir) para deixar claro em um texto. E aqui está clara para mim sua incrível capacidade descritiva. O texto ficou ótimo, ficou foda!

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...