Não existe motivo algum para agitação na hora de servir o café. A menos que você tenha absoluta certeza de que um meteoro se chocará contra sua casa nos próximos minutos, repito, não há motivo para pressa. Se não por você, o faça por mim. Gosto de observar seus vestido enquanto você se move com graça, o tecido preto roça suas pernas como eu gostaria de fazer agora com meus dedos; quando se aproxima do fogão para ver se está pronto, pisa com o pé direito sutilmente sobre o esquerdo e parece nervosa. Vejo tudo isso em câmera lenta e não quero que seja diferente, não te quero ver afobada, não, nunca mais, deixa essa novíssima calma que agora conheces escapar por seus gestos. Deixe a bebida cair lentamente da cafeteira para a xícara (não tenha pressa) enquanto eu te digo: Estou farto deste cansaço. Farto deste beco sem saída que a cada dia se estende um pouco mais sem me levar a lugar algum. Farto dessa ânsia, dessa sede não saciada, destes minutos preciosos sacrificados no altar da covardia e do silêncio. Quero abraçar algo mais quente e delicado. Ainda que longe. Em algum momento. Mas a paciência deve estar do meu lado dessa vez. Não tenho pressa. Assim que te peço para que também não imprima velocidade alguma a este momento. Quando crianças, éramos pródigos em imaginar vidas menos cinzas e nelas o tempo não passava, nunca era hora de dormir. E agora que queremos dormir o sono não parece chegar nunca, será mesmo que nos intoxicamos tanto assim? As toxinas do desejo. Os espinhos da realidade e dos crimes ainda por cometer e que desde já não merecem perdão. Não fomos feitos pra isso. Pra essa comédia de erros e misericórdia. Entre uma tarefa e outra, tomamos um café e respiramos ares menos conturbados, então, pra que apressar isso? Pra deixar que morra logo? Vamos nos estirar no sofá deste sábado-que-não-acaba-nunca. Vamos morrer para a humanidade. Um pequeno presente pra nós mesmos. Uma moeda pelos seus pensamentos, duas por um de seus segredos, mil moedas pela profecia que há de se cumprir para nosso deleite. Madame Bovary dos tempos que correm, espere um pouco mais porque o tempo de se lamentar ainda não chegou. Vista-se com seus melhores panos, sorva esta bebida quente e forte, me conte que não vai mais fse sentir tão sozinha. Eu também cansei de me cortar com navalhas cegas. Carrego o peso dos dias só por instantes como esse, fiz dos filmes westerns que vi um aprendizado. Não desperdiço mais munição atirando a esmo. O tempo me levou a considerar melhor a minha própria ansiedade, do mesmo jeito que Muhammad Ali golpeava a verdade. Olhos nos olhos, deixo que despertem minha vontade. E ataco, certeiro, mas sem pressa.
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