terça-feira, 22 de outubro de 2013

Libertinagem


Algumas pessoas confundem liberdade com libertinagem.
São essas pessoas que amo
Porque são sábias
Porque sabem o que fazer de seus corpos
Da liberdade à libertinagem é um pulo
Ou um colo
Um copo
Um sim, talvez um não.
A Libertinagem é um casal que não se cansa de dizer “sim”
Libertinagem é um homem que sai sozinho de casa de madrugada
E volta pela manhã, igualmente sozinho e satisfeito
Libertinagem:
Jesus Cristo transformando água em vinho.
Libertinagem rima com Lúcifer,

Estrela da manhã.          

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Fez-se luz


Que dia estranho foi esse. No meio de uma fase em que não tenho conseguido escrever nada que me agrade, minha tarefa mais importante do dia era escrever para uma amiga que aniversariava. Eu não conseguia. Minha estratégia para conseguir escrever sobre algo qualquer que fosse sempre foi escrever sobre alguma coisa. Apenas para escrever. Pôr as engrenagens para funcionar, sabe? E funcionou melhor do que eu esperava. As roldanas puseram-se a mover, em ritmo acelerado. Não apenas a da escrita, mas a do pensamento e da leitura também. Neste momento, em que escrevo um artigo científico, penso num projeto literário próximo, escrevi uma crônica e leio dois livros simultaneamente que têm feito com que eu pense bastante sobre... a vida, somente. Coisa que eu não fazia a algum tempo. Pensar na vida, em suas minucias, ironias e desvios. Um dos livros é o "Barba Ensopada de Sangue". Difícil pensar num romance mais de formação do que esse. Uma estória sobre ritual de passagem da adolescência para a vida adulta de um homem. E embora eu já esteja longe desse período de minha vida, é impossível não retornar com um olhar inquisidor para esta fase tão conturbada na minha vida. Sobre escolhas feitas, erros cometidos, promessas ingenuamente realizadas e ilusões sistematicamente construídas e depois demolidas, dia a dia, noite após noite, trepada após trepada, golpes seguidos de outros golpes. E o gosto de sangue que é perene, ininterrupto. As lições aprendidas das quais você desdenha e que um dia compreenderá sua sabedoria... ou não. As amantes que não foram, as mulheres que mentiram, aquelas que foram sinceras demais, tudo isso num turbilhão de hormônios e fogo e um completo despreparo emocional associados à megalomania e prepotência tão típicas do florescer masculino. E eu ali, repetindo a mesma pergunta de sempre: Onde errei? Não sei. Só me lembro da estática, e seu zumbido no meu ouvido. Não me deixando sentir o gosto da sobremesa pela qual troquei a minha vida. E daí tem esse outro livro da Adriana Brunstein, "Estado Fundamental". Talvez (isso é só uma suposição, mas nunca se sabe), ela não saiba que escreveu um livro sobre mim, e por respeito apenas quis que o seu protagonista se definisse como "nada". Mas é sobre mim. E eu achei um tanto deselegante da parte dela escrever um livro sobre mim sem me consultar ou pedir minha autorização, porque isso é coisa séria (e agora, lembrando da atual celeuma envolvendo biografias não-autorizadas, achei essa passagem do texto bem espirituosa, logo eu, que não sou dado a escrever coisinhas engraçadas). Mas ela deve ter investigado muito sobre mim para saber de detalhes tão sórdidos do que se passa na minha cabeça. Pensando bem, é até legal saber que alguém te considera importante o suficiente para que se conte sua história, isso já é muito mais do que eu esperaria pra minha vida. Não chega a ser um abraço quente, uma noite de sexo ou uma visita inesperada na hora certa, mas, em se tratando de mentiras, eu fico com as literárias. A estória que ela descreve ali é a de um mentiroso compulsivo, então trata-se de camadas de mentiras que se superpõe, como as minhas, como minha vida reinventada cada vez que a conto para algo, mas sempre do mesmo jeito, sem sentido e sublime. 

"Você pensa que algumas conversas não levam a lugar algum. E não levam mesmo. Mas, para mim, discutir a ojeriza causada pela nata ou o trauma adquirido após a descoberta da existência de uma família extra no histórico de seu pai tinha o mesmo impacto. Nada se perde e nada se ganha. É na superfície que se vive, é isso que você não sabe."

Adriana Brunstein, "Estado Fundamental".

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Parabéns, Lily.



Felicidades, meu bem.

Quero pra você não só as coisas que sei que você quer, mas também aquelas que secretamente desejas.

Que todos os brindes sejam tão maravilhosos quanto você pode ser.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Intoxicado


O que dizer de homem tão audaz
Que se atreve a olhar daquele jeito
Para mulher tão atmosférica?
Entre seus véus de ave
Tecidos em vento e cheiro de ervas
Mulher Balsâmica
Etérea, eterna, hipnótica.
O homem, antes todo Bauhaus
De repente se viu febril, intratável,
Tomado por gestos inadequados
Enigmas
Inquietações
Calafrios ao sol de fim de tarde
Além de um súbito gosto pela chuva
Pelo chumbo
Pelo chocolate amargo
E por filmes art noveau.
Até seu amigo fotógrafo ficou preocupado
Pensou em possíveis motivos
Procurou antigos negativos
E percebeu a clara diferença.
Viu que todas as células dele
Estavam comprometidas pela falta de ar
Causada pela fumaça da mulher
Que por um momento, por puro atrevimento
Ele ousou olhar

(Greta Benitez)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Más lembranças

Más lembranças são a poeira que insiste
em ficar sobre nossos móveis;
O mofo que não liga de ficar escondido
pois sabe que não é bem-vindo.
Eu costumava dizer que
essas lembranças,
quando se deitam em nossa cama
são inimigas da esperança
Já que o que para trás ficou,
ficou perfeito.
Enquanto nossos projetos futuros são incompletos
e mudam como as fases da lua.
Mas ainda assim,
não vemos motivos para retirada do pó:
Não podemos, não queremos,
saber o que se esconde por baixo.
Más lembranças são como fungos.
Se você as expõe à luz do sol,
elas se multiplicam.


Não abra a caixa.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Hoje, dois dias depois de completar 31 anos, fui remexer na minha caixa de memórias. Se isso já é uma ideia ruim em qualquer momento da vida, é ainda mais perigosa na proximidade destas datas insistentemente nostálgicas. Mas, entre cartas de amantes fantasmas, bottons enegrecidos de bandas punks esquecidas e retratos de lugares a que fui e não retornei, foi uma fotografia de minha infância a responsável pelo triste fim de uma garrafa de conhaque, pela avalanche de lembranças, pelas lágrimas transtornadas e por este relato que eu não saberia dizer se é mais inútil que inevitável. Acontece que eu olho para esta foto (ela está em minha frente enquanto escrevo) eu vejo o garoto que tinha um futuro e por muito tempo fez jus a ele. O garoto de cabelos cacheados cheios, subindo e descendo as ladeiras do bairro, de livros na mão, ou uma bola nos pés e sempre um muitas estórias a serem contadas, todas inventadas durante as tão tediosas aulas que ele mal poderia esperar que acabassem. Acabassem de uma vez, e ele não precisasse nunca mais voltar à escola. Nada poderia dar errado para aquela criança. Nada? Eu não sei em que ponto me desviei. Em que rua curvei e em beco entrei no meio de minhas caminhadas, o que sei é que um tipo estranho de escuridão me alcançou. Toda alegria daqueles dias escapou de mim. Já busquei milhões de explicações para isso, mas a verdade é que eu não faço ideia do que seja. Me divertir sem precisar de álcool ou qualquer outra artificialidade tornou-se impossível pra mim, e eu me vi caminhando de escolha errada em escolha errada, de absurdo em absurdo, até chegar aos dias de hoje. Sei que caí numa armadilha que eu passei muito tempo jurando que não cairia. Eu nunca seria alguém que, em nome da segurança, deixaria de lado as coisas que amava e pelas quais brigaria com o afinco e determinação dos grandes vencedores. Só que não. Em algum momento julguei que deveria ser pragmático e não desperdiçar as chances que se apresentavam de me sentir seguro. Até porque já havia queimado minhas fichas apostando em outras coisas nem tão seguras, apostas que obviamente perdi.Talvez eu esteja um pouco confuso no dia de hoje, talvez seja só visão dessa foto e os sentimentos de quem aniversariou, mas sinto um peso incomensurável que resulta numa falta de tesão imensa pela vida. Claro, isso junto com alguns problemas que se tornaram crônicos nos últimos dois anos. Não tenho sido eu mesmo. Mas, pior que isso, não sei o que eu faria se fosse eu mesmo. A pergunta inquieta de Clarice Lispector, "o que eu faria se eu fosse eu", permanece sem resposta, aterradora bem à frente de minha porta. Tenho um certo medo, porque sei que o caminho que escolhi não permite meia-volta. Mas está longe de ser o pior caminho. Mas está longe de ser aquele que desejei.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013



Você sonha que afoga patos
de borracha
em banheiras de motéis
baratos
me dá bom dia com hálito de látex
me faz uma hidromassagem com a língua
ainda seca
efeito de um tarja
preta
me conta que teu cachorro engoliu
o cherokee do teu forte
apache
e que engoliu um lápis
pra sentir o gosto
do grafite
que queria mesmo era ver a anita
ekberg
no papel de emanuelle
ou pendurando roupas no varal da tua vizinha
cega
você confessa
sussurra
teu tesão pelas poetas suicidas
e me pergunta se
entre as sylvias
eu seria plath
ou kristel
eu arrisco um verso tão tolo
quanto
não sou de missa
sou submissa
e facilito tua decisão
eu menti quando te disse que não queria aprender mais nada.

(Adriana Brunstein, publicado aqui)

Tried to Leave You

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Terça-feira dos Punhais

Talvez o dia pelo qual eu tanto esperei tenha finalmente chegado e nesta terça-feira eu despertei acompanhado tão somente pela ausência de algo que tem me acompanhado a algum tempo, algo que me completava e me completando, me exauria. E desse algo que me alimentava restou apenas um vazio que eu tenho a impressão de contemplar quando olho no espelho, e esse algo já não é uma tristeza, não é a velha e inconveniente espera, nem é uma vontade ou ânsia de partir, tampouco a sombra de momentos passados. Algo fora arrancado de mim à força, talvez enquanto eu dormia e no momento em que pus os pés fora da cama, tombei com o peso do meu corpo, não suportado por meus pés que tremiam. Rolei sobre mim mesmo para alcançar o criado-mudo, me apoiei sobre ele e voltei à cama. Tentei me erguer mais uma vez e mais uma vez, falhei. Perguntei-me onde estaria aquela energia vital que me conduzia pelos meus dias, de maneira automática e convicta, pelos palácios da ilusão. Não estava ali, assim como não estava aquela dor aguda e constante; aquele nó na garganta com o choro perpetuamente contido; aquele estado completo de alerta esperando um mínimo sinal uma presença qualquer, semelhante a um crente que aguarda uma intervenção divina; percebi que havia (de maneira definitiva?) perdido meus referenciais, meu norte magnético, meu mantra. Deveria reaprender a caminhar, a produzir sentido, a me guiar sem um mapa, a rezar de novo, enfim. Sozinho. E o que senti sequer foi medo. Não senti nada. Era o vazio me encarando. Compreendi que havia perdido algo que me fora muito importante embora houvesse requerido tanto de mim. Agora é compreensível que meu espírito queira guardar algum luto. Que meu corpo se recobre do combate travado por tanto tempo, por tantas guerras que durante o sono rebentaram em meu peito. E os punhais fincados no meu peito durante o dia e que me impediam o sono à noite, já não machucam mais. E eu não sinto nada. No escuro, uma última lâmina resplandece. Estou olhando para ela. Ainda com algum carinho. Mas também ela há de ser retirada. Fecharei meus olhos e dormirei, profundamente, nesta terça-feira dos punhais. E espero, de todo coração, sobreviver a ela, pois acreditarei assim ser capaz de sobreviver a tudo.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...