quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Fez-se luz


Que dia estranho foi esse. No meio de uma fase em que não tenho conseguido escrever nada que me agrade, minha tarefa mais importante do dia era escrever para uma amiga que aniversariava. Eu não conseguia. Minha estratégia para conseguir escrever sobre algo qualquer que fosse sempre foi escrever sobre alguma coisa. Apenas para escrever. Pôr as engrenagens para funcionar, sabe? E funcionou melhor do que eu esperava. As roldanas puseram-se a mover, em ritmo acelerado. Não apenas a da escrita, mas a do pensamento e da leitura também. Neste momento, em que escrevo um artigo científico, penso num projeto literário próximo, escrevi uma crônica e leio dois livros simultaneamente que têm feito com que eu pense bastante sobre... a vida, somente. Coisa que eu não fazia a algum tempo. Pensar na vida, em suas minucias, ironias e desvios. Um dos livros é o "Barba Ensopada de Sangue". Difícil pensar num romance mais de formação do que esse. Uma estória sobre ritual de passagem da adolescência para a vida adulta de um homem. E embora eu já esteja longe desse período de minha vida, é impossível não retornar com um olhar inquisidor para esta fase tão conturbada na minha vida. Sobre escolhas feitas, erros cometidos, promessas ingenuamente realizadas e ilusões sistematicamente construídas e depois demolidas, dia a dia, noite após noite, trepada após trepada, golpes seguidos de outros golpes. E o gosto de sangue que é perene, ininterrupto. As lições aprendidas das quais você desdenha e que um dia compreenderá sua sabedoria... ou não. As amantes que não foram, as mulheres que mentiram, aquelas que foram sinceras demais, tudo isso num turbilhão de hormônios e fogo e um completo despreparo emocional associados à megalomania e prepotência tão típicas do florescer masculino. E eu ali, repetindo a mesma pergunta de sempre: Onde errei? Não sei. Só me lembro da estática, e seu zumbido no meu ouvido. Não me deixando sentir o gosto da sobremesa pela qual troquei a minha vida. E daí tem esse outro livro da Adriana Brunstein, "Estado Fundamental". Talvez (isso é só uma suposição, mas nunca se sabe), ela não saiba que escreveu um livro sobre mim, e por respeito apenas quis que o seu protagonista se definisse como "nada". Mas é sobre mim. E eu achei um tanto deselegante da parte dela escrever um livro sobre mim sem me consultar ou pedir minha autorização, porque isso é coisa séria (e agora, lembrando da atual celeuma envolvendo biografias não-autorizadas, achei essa passagem do texto bem espirituosa, logo eu, que não sou dado a escrever coisinhas engraçadas). Mas ela deve ter investigado muito sobre mim para saber de detalhes tão sórdidos do que se passa na minha cabeça. Pensando bem, é até legal saber que alguém te considera importante o suficiente para que se conte sua história, isso já é muito mais do que eu esperaria pra minha vida. Não chega a ser um abraço quente, uma noite de sexo ou uma visita inesperada na hora certa, mas, em se tratando de mentiras, eu fico com as literárias. A estória que ela descreve ali é a de um mentiroso compulsivo, então trata-se de camadas de mentiras que se superpõe, como as minhas, como minha vida reinventada cada vez que a conto para algo, mas sempre do mesmo jeito, sem sentido e sublime. 

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