Talvez o dia pelo qual eu tanto esperei tenha finalmente chegado e nesta terça-feira
eu despertei acompanhado tão somente pela ausência de algo que tem me acompanhado
a algum tempo, algo que me completava e me completando, me exauria. E desse
algo que me alimentava restou apenas um vazio que eu tenho a impressão de
contemplar quando olho no espelho, e esse algo já não é uma tristeza, não é a
velha e inconveniente espera, nem é uma vontade ou ânsia de partir, tampouco a
sombra de momentos passados. Algo fora arrancado de mim à força, talvez
enquanto eu dormia e no momento em que pus os pés fora da cama, tombei com o
peso do meu corpo, não suportado por meus pés que tremiam. Rolei sobre mim
mesmo para alcançar o criado-mudo, me apoiei sobre ele e voltei à cama. Tentei
me erguer mais uma vez e mais uma vez, falhei. Perguntei-me onde estaria aquela
energia vital que me conduzia pelos meus dias, de maneira automática e convicta,
pelos palácios da ilusão. Não estava ali, assim como não estava aquela dor
aguda e constante; aquele nó na garganta com o choro perpetuamente contido;
aquele estado completo de alerta esperando um mínimo sinal uma presença
qualquer, semelhante a um crente que aguarda uma intervenção divina; percebi
que havia (de maneira definitiva?) perdido meus referenciais, meu norte
magnético, meu mantra. Deveria reaprender a caminhar, a produzir sentido, a me
guiar sem um mapa, a rezar de novo, enfim. Sozinho. E o que senti sequer foi
medo. Não senti nada. Era o vazio me encarando. Compreendi que havia perdido
algo que me fora muito importante embora houvesse requerido tanto de mim. Agora
é compreensível que meu espírito queira guardar algum luto. Que meu corpo se
recobre do combate travado por tanto tempo, por tantas guerras que durante o sono rebentaram em meu peito. E os punhais fincados no meu peito durante o dia
e que me impediam o sono à noite, já não machucam mais. E eu não sinto nada. No
escuro, uma última lâmina resplandece. Estou olhando para ela. Ainda com algum
carinho. Mas também ela há de ser retirada. Fecharei meus olhos e dormirei,
profundamente, nesta terça-feira dos punhais. E espero, de todo coração,
sobreviver a ela, pois acreditarei assim ser capaz de sobreviver a tudo.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
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