quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Café da manhã com Nossa Senhora das Lágrimas


Hoje caíram algumas gotas de essência de melancolia na minha xícara de café. Fiquei sem saber o que fazer, olhando para o fundo da xícara, desatento, distante, atônito como um esquizofrênico tocado pelas mãos frias do Silêncio. Fiquei ali, olhando. E o tempo não parecia mover-se. Fiquei imóvel porque tive medo do que poderia acontecer se me movesse diante daquele fenômeno tão misterioso que se desenrolava à minha frente. As gotas se dissolviam lentamente, seu brilho aperolado diminuía em contato com o negro amargo ancestral que ritualisticamente bebo todas as manhãs, até que todo o conteúdo agora se revestia de um brilho escuro de uma noite absolutamente sem seus adornos, a lua e as estrelas. Eu fiquei ali, estava fascinado. Como meu próprio medo me fascina! E se eu tomasse aquela poção mágica? Que segredo subitamente se revelaria para mim? Quais as conseqüências de tamanha ousadia? Café com tristeza, num dia lindo de sol? Qual tribunal me julgaria por isso? Quais anjos seriam mandados para me salvar? Existirá salvação? A atração pelo abismo, é isso que me faz amante do Mistério e irmão de toda Dor? Determinado, mas não sem receio, começo a aproximar a xícara de meus lábios. Desafio o aroma, sinto o cheiro daquelas madrugadas esperando a ligação de uma garota muito distante cheia de tristeza e doçura, sinto que estou me aproximando da toca do coelho, no fim das contas. Toco a borda dela com os lábios, delicadamente, como se fossem os lábios de minha amante imaginária, meu doce fantasma. Não é a ausência de luz nem de brilho que me cativa, mas a capacidade de tratar as sombras com ternura. Um gole apenas, o café antes frio agora desce como conhaque, a xícara cai de minhas mãos e se despedaça em contato com o chão; nunca tive nenhum motivo para acreditar que minha aventura daria certa e ainda assim cheguei até aqui; meus olhos contemplam o sol entrando pela janela, mas eu vejo muito além. Estou suavemente me entregando, pouco a pouco desafiando a minha própria descrença, enquanto em algum lugar de minha alma algo parece quase se alegrar...

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