Sete horas da manhã definitivamente ainda era muito cedo pra mim, depois de uma noite tão agitada. Mas já fazia mais de uma hora que eu estava deitado naquela cama, e isso me angustiava. Meia hora depois de me levantar, aquelas duas garotas que dormiram ali comigo estavam também de pé, observando todos os meus gestos silenciosos, lentamente colocando o pó na cafeteira, ligando o fogo, lavando o rosto na pia, tudo isso em um silêncio quase ritual, meus pés descalços tocando o chão delicadamente sem tirar dele nenhum som abafado, o abrir e fechar de gavetas sem barulho algum. E elas respeitosamente mantinham-se em silêncio. Uma das duas, a morena de olhos claros e cabelos curtos, me perguntou se eu fazia aquilo para não desperta-las. Respondi que, na verdade, não. Eu estou sempre surpreendendo as pessoas, entrando silenciosamente nos quartos como se não houvessem portas fechadas, sempre mais ou menos calado. Esse sou eu, e se sou assim é porque descendo da linhagem dos Silenciosos, uma antiga estirpe de indivíduos que se encontram a vontade com o silêncio absoluto que existe dentro de nós, o silêncio que nos dita o rumo, o silêncio que acreditamos que é a única coisa que existe depois de morrermos, silêncio e vazio, o silêncio misterioso dos espelhos e dos cômodos vazios das casas, enfim, o silêncio do fundo do mar onde o som se propaga com dificuldade. Nossa postura de reverência ao silêncio é ao mesmo tempo uma exaltação do mistério. Essa capacidade que me acompanha desde cedo, de ficar em silêncio mesmo em meio ao barulho mais extremo, é herança desses ancestrais. Meus antepassados, talvez índios da linhagem de minha bisavó materna, obrigavam-se a passar longos períodos sem dizer palavra alguma, evitando qualquer forma de barulho vulgar. E quando esse período se acabava, celebravam-no com uma grande festa. É por isso que eu jamais quebro o silêncio. Quando tenho de fazê-lo, despedaço-o. Ao som de rock and roll.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
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Deixa eu bagunçar você
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Um comentário:
Ahh, o silêncio. Nesse mundinho todo silêncio não tem voz, nem vez. É a era dos ruídos frívolos!
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