sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Silêncio

Sete horas da manhã definitivamente ainda era muito cedo pra mim, depois de uma noite tão agitada. Mas já fazia mais de uma hora que eu estava deitado naquela cama, e isso me angustiava. Meia hora depois de me levantar, aquelas duas garotas que dormiram ali comigo estavam também de pé, observando todos os meus gestos silenciosos, lentamente colocando o pó na cafeteira, ligando o fogo, lavando o rosto na pia, tudo isso em um silêncio quase ritual, meus pés descalços tocando o chão delicadamente sem tirar dele nenhum som abafado, o abrir e fechar de gavetas sem barulho algum.  E elas respeitosamente mantinham-se em silêncio. Uma das duas, a morena de olhos claros e cabelos curtos, me perguntou se eu fazia aquilo para não desperta-las. Respondi que, na verdade, não. Eu estou sempre surpreendendo as pessoas, entrando silenciosamente nos quartos como se não houvessem portas fechadas, sempre mais ou menos calado. Esse sou eu, e se sou assim é porque descendo da linhagem dos Silenciosos, uma antiga estirpe de indivíduos que se encontram a vontade com o silêncio absoluto que existe dentro de nós, o silêncio que nos dita o rumo, o silêncio que acreditamos que é a única coisa que existe depois de morrermos, silêncio e vazio, o silêncio misterioso dos espelhos e dos cômodos vazios das casas, enfim, o silêncio do fundo do mar onde o som se propaga com dificuldade. Nossa postura de reverência ao silêncio é ao mesmo tempo uma exaltação do mistério. Essa capacidade que me acompanha desde cedo, de ficar em silêncio mesmo em meio ao barulho mais extremo, é herança desses ancestrais. Meus antepassados, talvez índios da linhagem de minha bisavó materna, obrigavam-se a passar longos períodos sem dizer palavra alguma, evitando qualquer forma de barulho vulgar. E quando esse período se acabava, celebravam-no com uma grande festa. É por isso que eu jamais quebro o silêncio. Quando tenho de fazê-lo, despedaço-o. Ao som de rock and roll.

Um comentário:

Priscila Milanez disse...

Ahh, o silêncio. Nesse mundinho todo silêncio não tem voz, nem vez. É a era dos ruídos frívolos!

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...