segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Uma Fumante


Observo enquanto ela se afasta
Pisando leve em buracos na calçada
Sua marcha tênue
Os contornos de seu corpo
Que surgem para mim como uma arte mais que delicada;

Estas ruas não foram feitas pra você,
Mas para mim:
Sutil pecador de pensamentos perigosos
Filho bastardo de qualquer noite mal-dormida
Que foi seduzida por doses de Conhaque e Gim;

Pois é você a filha privilegiada da noite.
Primogênita do Sonhar,
Seu andar revela uma natureza
Muito acima daquela que me é familiar.
Daí este fascínio,
Por tudo em ti que significa mistério.

Meus olhos te seguem
Muito depois de já teres desaparecido de minha vista;
A fumaça de seu cigarro permanece,
Traçando no ar formas confusas à essa consicência,
Padrões de beleza irrestrita,
Que no entanto
Servem apenas para tornar mais dura essa ausência.


Possam meus olhos contemplar esse espetáculo
Uma vez mais;
Queira minha pele sentir ainda este toque;
Queira o meu corpo o calor de noites infernais;
Queiram minhas mãos a volúpia de teu seio
E meus lábios experimentarem
O cigarro que abandonaste,
Buscando nele uma lembrança qualquer de teu beijo.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

É mais ou menos isso






"O problema com a bebida é que se te acontece alguma coisa ruim, você bebe para esquecer. Se acontece algo bom, você bebe para celebrar. E se não acontece nada, você bebe para que aconteça alguma coisa".

domingo, 23 de maio de 2010

O Torrão e o Seixo

"O Amor jamais a si quer contentar,
Não tem nenhum cuidado com o que é seu;
Pelo outro irá se sacrificar,
E, no desespero do inferno, ergue um céu"

Esse era o canto de um torrão de terra,
Pisado pelas patas da boiada;
Mas um Seixo, nas águas do regato,
Modulava essa métrica adequada:

"O Amor só a si quer contentar,
Atar alguém ao próprio gozo eterno;
Alegra-se quando o outro perde o bem-estar,
E, a despeito do céu, ergue um inferno."

- William Blake (trad. Paulo Vizioli)

sábado, 22 de maio de 2010

E as cartas?

Lembro de nossas ligações de madrugada.
Lembro do teu jeito meio-gótico, meio-nerd.
Lembro da tua voz, de você falando do planeta de onde vim.
Da tua má-vontade com Led Zeppelin.
Lembro até dos teus amigos que nunca conheci.
Lembro de teus desenhos.
Lembro de ficar sozinho no quarto, escutando
Os berros de Kurt imaginando se você estaria fazendo o mesmo,
Porque era um sabádo ensolarado demais e você não sairia de casa.
Lembro de ficar gravando fitas K-7 com musicas que você gostava
E apagando logo depois porque sabia que você já tinha todas elas.
Lembro da ansiedade quando o relógio na parede
Se aproximava da meia-noite e você poderia ligar.
Lembro de procurar mil verbos diferentes pra dizer a mesma coisa:
"Eu te amo".
Lembro quando a caneta ficava pesada demais e
Eu não conseguia preencher a folha em branco pra te mandar
Porque até hoje as palavras parecem ingênuas demais pra certas coisas.
Lembro do tempo em que haviam cartas.
Sim, haviam cartas, e muitas vezes elas me salvaram.
Houve um tempo em que as cartas chegavam, sweet relief.
Sim... e as cartas?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Futuro do pretérito - nada é perfeito.

 
Poderia ser tão fácil quanto saltar dentro
De um vagão de um trem de carga em movimento;
Tão bonito quanto um vestido vermelho rasgado
E abandonado na calçada;
Tão irreverente quanto uma estória de Henry Miller;
Tão imprevisível quanto um drible de Garrincha;
Tão alegre quanto um domingo sem missa;
Mais perigoso que a Praça Paris à noite;
Tão nosso quanto os sonhos de qualquer pessoa;
Mas não foi nada disso.
Você preferiu que fosse triste como um toca-discos quebrado,
E com um final tão insosso quanto uma novela do Manoel Carlos.

Ca-ra-lho!

Essa semana aconteceu em Brasília uma audiência pública que tinha como objetivo discutir o Estatuto da Família - uma espécie de código-mapa das uniões afetivas no país. Um dos principais tópicos era o da extensão dos direitos concedidos a casais hetero-afetivos a homo-afetivos. Direitos como a união civil, adoção e guarda dos filhos, direitos previdenciários e de herança, por exemplo. Como era de se esperar, o debate foi polarizado entre os defensores da "causa" e seus opositores, na maioria, religiosos. Na maioria não. Todos os opositores representavam instituições religiosas. Entre eles, o infame Silas Malafaia. Segundo este senhor, se a união entre homossexuais fosse oficializada pelo Estado, também deveriam oficializar o sexo com animais e com cadáveres. Para ele é a mesma coisa. Sua declaração: 

“Vamos colocar na lei tudo o que se imaginar. Quem tem relação com cachorro, vamos botar na lei. Eu vou apelar aqui. É um comportamento, ué, vamos aceitar. Quem tem relação com cadáver, é um comportamento, vamos botar na lei.”

Vejam bem que não se trata de ignorância, e sim de homofobia pura e simples. Esse sujeito é o mesmo que, num programa na TV aberta, ofende diretamente homossexuais, praticantes de Candomblé ou qualquer um que seja diferente. do que proclama sua tal fé. Já faz três anos que esse projeto de lei está emperrado, por conta dessa ala evangélica e católica no Senado. A Argentina, recentemente, aprovou em mais uma insância a lei que permite a união civil de casais homossexuais, só faltando a aprovação definitva no senado, o que tem grandes chances de acontecer. No Brasil, parece que ainda falta um pouco mais. A despeito de tudo, vale a pena dizer que, há três anos, estes senhores impediam até mesmo que o tema fosse discutido. Isso ao menos já mudou. Mas ainda é pouco. E vale dizer que, mesmo que, institucionalmente hajam mudanças, comportamentos não se alteram com canetadas. Esse sujeito, e outros tantos, vão continuar existindo, falando. Pesquisas como as da Universidade da Califórnia, esta semana, demonstram o tipo de sofrimento que indivíduos passam no momento de se declararem homossexuais para suas famílias. 8 em cada 10 teriam probabilidade maior de cometerem suicídio. 30% das famílias reagiram mal à notícia. Talvez os numeros aqui no Brasil não seriam muito diferentes (exceto sobre suicídio, que é sempre complicado de se fazer afirmações desse tipo). Como não responsabilizar tais discursos?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Lucky Strike!

De minha parte, não duvido de mais nada.
Um salgado na esquina, um computador quebrado,
podem mudar a vida de alguém!







Mas que foi um puta de um "lucky strike", isso foi...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Cuidado, O Mundo está Atrás de Você


Acordei com uma sensação louca de urgência. Com se tudo tivesse de ser feito a um só instante, sem espaços vazios ou pausas para tomar fôlego. Desrespeitar totalmente a antiga sabedoria que diz que cada coisa deve ter seu tempo e uma coisa por vez. Sofrer as consequências de tal afobação, de tamanho desespero sem nenhum encanto, apenas respondendo a esse impulso súbito. Encurtar todos os prazos, atropelar todas as horas, realizar bem ou mal todas as tarefas, toma-la nos braços e beijá-la de uma vez, pegar atalhos para chegar  logo, e escrever poemas no vento enquanto caminho. Não sei de onde veio essa necessidade, mas ela está aqui comigo. Talvez por causa das obrigações que se acumulam em minha mesa, talvez porque tenho adiado decisões importantes, talvez porque não fale há muito com algumas pessoas importantes pra mim. Ou talvez devido ao sonho desta noite. Ei-lo:

Eu estava parado numa encosta, um desfiladeiro enorme, com uma multidão atrás de mim que cantava e dançava. Eu apenas olhava para baixo, aos pés deste desfiladeiro o mar selvagem, jogando suas ondas contra as pedras nesse movimento de paz revolta que meu coração adora. Eu ficava ali parado, desejando que aquilo não acabasse, me sentindo bem. Eu olhava para o mar, esta morada secreta, mas com o canto do olhos podia ver a multidão se agitando, seres com enormes garras afiadas cruzavam o meio deles cortando gargantas, rasgando peitos, e desse espetáculo eu só conseguia ver quantidades hediondas de sangue manchando o ar, não ouvia gritos nem nada mais. A minha frente estavam as ondas e atrás a carnificina, que vinha se aproximando de mim, como em um movimento irrevogável e, tal como o anjo de Klee de asas abertas frente ao futuro aterrador, sabia que logo seria minha vez. Adiantei um dos pés, fiz um movimento de me precipitar naquelas águas, mas algo me dizia que ainda não era hora. Ainda haviam coisas a fazer, rostos para ver antes que fossem retalhados pelas garras letais do Inevitável. Me virei, de frente para todo o frenesi sangrento, sabendo que a partir de então haveria pouco tempo antes da queda.

E foi assim que despertei, Com uma sensação louca de urgência. À minha frente, um bilhete que há algum tempo pus no meu armário: „Faster, my friend, the world is behind you“.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cigano

Num outono qualquer, aprendeu a ler as mãos. De terceiros. Mas nada de linhas, eram as mãos seres autônomos, independentes do resto do corpo, cheias de vida própria e desejos tão incomprrensíveis quanto reveladores. Os movimentos, a superfície da pele, os toques, a cor, o cheiro, tudo nas mãos lhe surgia como uma ligação do indivíduo com o infinito. Haviam mãos cansadas pelo labor diário que constrói a máquina; mãos furtivas que perturbam a paz de quem se deixa tocar; as assassinas e as inquietas,  que determinam a danação de seus donos; mãos com estilo, belas como o olhar misterioso dos gatos; Bastava olhar para dois amantes de mãos entrelaçadas e saberia dizer quando se separariam. Podia ver alguem dedilhando uma guitarra e saberia qual o blues mais adequado. Dependendo do modo como uma mão de dedos longos e unhas vermelhas segurava um cigarro, poderia dizer se ela era feliz. Leu as mãos de todos os seus amigos, e lhes trouxe boas novas. Leu as mãos de empresários, e previu suas falências. Leu as mãos de loucas, dançarinas, prostitutas e escritoras e se apaixonou por todas elas. Mas não podia ler as próprias mãos. Tentou diversas manhãs, duzentas madrugadas, mas não conseguia. Tentou ensinar seu dom a sua amante mas tudo em vão. Uma noite, sentado à beira-mar, com uma garrafa de vodka, passou quatro horas e vinte e três minutos observando as próprias mãos, e só via marcas de cigarro, sinais de nascimento, pontas de dedos amareladas e furos de agulha. Esvaziou a garrafa, e chorou. Nunca mais souberam dele. Mas uma vez ou outra surgem estórias de um homem em algum lugar, não se sabe se em Londres ou no Marrocos, capaz de beijar sua mão como se adivinhasse um segredo.

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...