Acordei com uma sensação louca de urgência. Com se tudo tivesse de ser feito a um só instante, sem espaços vazios ou pausas para tomar fôlego. Desrespeitar totalmente a antiga sabedoria que diz que cada coisa deve ter seu tempo e uma coisa por vez. Sofrer as consequências de tal afobação, de tamanho desespero sem nenhum encanto, apenas respondendo a esse impulso súbito. Encurtar todos os prazos, atropelar todas as horas, realizar bem ou mal todas as tarefas, toma-la nos braços e beijá-la de uma vez, pegar atalhos para chegar logo, e escrever poemas no vento enquanto caminho. Não sei de onde veio essa necessidade, mas ela está aqui comigo. Talvez por causa das obrigações que se acumulam em minha mesa, talvez porque tenho adiado decisões importantes, talvez porque não fale há muito com algumas pessoas importantes pra mim. Ou talvez devido ao sonho desta noite. Ei-lo:
Eu estava parado numa encosta, um desfiladeiro enorme, com uma multidão atrás de mim que cantava e dançava. Eu apenas olhava para baixo, aos pés deste desfiladeiro o mar selvagem, jogando suas ondas contra as pedras nesse movimento de paz revolta que meu coração adora. Eu ficava ali parado, desejando que aquilo não acabasse, me sentindo bem. Eu olhava para o mar, esta morada secreta, mas com o canto do olhos podia ver a multidão se agitando, seres com enormes garras afiadas cruzavam o meio deles cortando gargantas, rasgando peitos, e desse espetáculo eu só conseguia ver quantidades hediondas de sangue manchando o ar, não ouvia gritos nem nada mais. A minha frente estavam as ondas e atrás a carnificina, que vinha se aproximando de mim, como em um movimento irrevogável e, tal como o anjo de Klee de asas abertas frente ao futuro aterrador, sabia que logo seria minha vez. Adiantei um dos pés, fiz um movimento de me precipitar naquelas águas, mas algo me dizia que ainda não era hora. Ainda haviam coisas a fazer, rostos para ver antes que fossem retalhados pelas garras letais do Inevitável. Me virei, de frente para todo o frenesi sangrento, sabendo que a partir de então haveria pouco tempo antes da queda.
E foi assim que despertei, Com uma sensação louca de urgência. À minha frente, um bilhete que há algum tempo pus no meu armário: „Faster, my friend, the world is behind you“.
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