sábado, 2 de julho de 2011

Mémoire

Imagem: "Barbette aplicando maquiagem", Man Ray, 1926.


Do cinema para a rua, da rua para o bar, do bar (esfumaçado, misterioso, aconchegante aos ouvidos – real? Não no Rio) para casa, meu quarto, no quarto, de volta para a cama e seus lençóis azuis vindos de um hospital psiquiátrico, não sei se utilizados ou não, mas que jamais contarão história alguma a respeito de noites de insônia, porres imaginários ou damas atrevidas, meus lençóis que calados valem por toda uma vida e por isso mesmo tiram meu sono por tantas ocorrências obscenas, indescritíveis ou apenas angustiantes em sua beleza, então é melhor trocá-los, por um sonho novo que se instaure e me revele uma nova realidade.
Ao lado da cama, uma garrafa de vinho que data de 1972 e dois livros que não sei de quando datam, mas tem me feito companhia, além de uma imensidão de memórias, rancores e sutis prazeres que carrego comigo só para manter minha consciência limpa de que tentei. Mas os fantasmas são ruidosos, eles nem sempre estão quietos como naquelas tardes e noites de junho, então para ter algum descanso, me arrasto até a sala, as correntes presas aos meus pés fazem algum barulho e eu temo acordá-la, demoro séculos para deixar este quarto que já se tornou inesquecível, memorável nos salões do tempo, atiro-me no sofá com a gana dos que tem sede.
(no espelho do quarto, vi um rosto que não era o meu, um movimento que nunca fiz, uma silhueta que delicadamente fazia a maquiagem, retocando olhos e boca num ritual que, não vou mentir, é tão excitante quanto um bom vinho).
Estico-me, apoio a cabeça contra a almofada enquanto a luz da janela da sala entra por um espaço pequeno o bastante para iluminar apenas o meu sorriso enquanto penso em você, em musica, em tardes de domingo e em gatos – o que afinal sonham os gatos quando dormem em grandes almofadas lilases de cetim?

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