Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de um certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Vai Passar
Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez
não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está
ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada
"impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite
que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol,
para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase
ou de um movimento te surpreenderás pensando algo como "estou contente
outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais
idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como
"sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos
fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não
tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não.
Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como "não
resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar".
Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo,
porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessado não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça. Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessado não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça. Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga ,
mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca...
(Caio Fernando Abreu)
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Munch - Cigarro aceso;
Olho pra este quadro e não sei o que nele me passa essa sensação de terror. Me parece que a fumaça que sai do cigarro se espalha pelo quadro e o homem que o segura é apenas uma imagem materializada dessa fumaça. E sua expressão é grave, como se soubesse de algo que nenhum de nós sabe, um segredo que ele traz de onde ele veio. Depois percebo que o cigarro não poderia criar o homem e imagino, então, que a fumaça que sai do cigarro aceso por ele está na verdade consumindo-o, aos poucos ele se mistura com a fumaça e vai desaparecendo e é isso que lhe dá essa expressão grave, a consciência de que ele mesmo acendeu a chama de sua extinção iminente, e ele segue resoluto rumo ao fim, me encarando. E eu acho que entendo-o.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Peregrino
“Há uma larga estrada aberta e, querida, eu quero que você saiba: Você pode partir rumo ao sul, ou pode voltar para casa" - Jhonny Cash, "Wide Open Road.
Colocou as coisas na bolsa e saiu no meio da noite. Seria tolo perder esta oportunidade, o caminhão estaria lá, a sua espera, para enfim se atirar à vida larga e improvável que lhe aguardava estrada a frente. Antes de abrir a porta, se deteve por alguns minutos para pensar uma última vez no que estava prestes a fazer. Pensando friamente sobre isso, ele sabia que seria só mais uma oportunidade perdida, se deixasse passar.
Não poderia nem dizer que seria a
maior delas. Ele já deixou passar chances maiores de dar vida a alguns de seus
sonhos e não foi por medo, não foi conformismo, nem o cálculo sobre os custos,
foi apenas o hábito de permanecer e dar uma chance a mais a todos os destroços,
escombros e sombras que ele chamava imprudentemente de vida. Imprudência,
imaturidade ou miopia, tanto faz, ele se acostumou a ver aquele emaranhado de
erros e acertos como o substrato de tudo do que ele é feito, como uma colcha de
retalhos que, ainda que feia, aquece. Acontece que agora essa colcha está cheia
de buracos feitos pelos ratos da rotina e da solidão e deixa o frio entrar
quando a noite vem, e algo sopra no seu ouvido que ele pode partir, que não é
nenhum crime escapar. E assim ele foi, hesitante mas certo de que nesta vida se
deve chegar a algum lugar, pelos meios que estiverem disponíveis. Seus únicos
sapatos, já gastos, velhos companheiros de empreitadas abortadas em seus
estágios iniciais, amigos que não o abandonaram, estão com ele enquanto ele
encara o vento frio, os uivos de cães invisíveis e as incertezas, suas
incertezas que assombram feito um raio lunar entrando pela janela e iluminando
sombriamente o corredor de um casarão antigo. Entoou suas preces, que ele
sempre fazia apenas para o caso de que exista algo que possa escutá-lo numa
noite assim tão escura, e pensou nos passos que levaram pra longe seus amigos e
tantos outros que estavam sempre se deslocando: Pensou no herói de Reinaldo
Arenas perambulando de México a Cuba, em Kerouac pedindo carona em algum ponto
da 66, São Francisco de Assis despojado de seus pertences caminhando ao lado de
animais, Thoreau perdido em algum bosque perdido no tempo, Buda sendo ele mesmo
perdido em caminhadas e visões e enfim em seu pai em algum vagão de trem rumo
ao interior desconhecido. Não impediu que as lágrimas viessem. Não mais. Nunca
mais tentaria esconder sua fraqueza, não agora que sabia o quanto era forte. Chegando
ao posto de gasolina, por algum motivo não se espantou tanto ao ver aquele
caminhão já distante na estrada. Estava alguns minutos atrasado, mas quem é que
pode saber quanto tempo se leva para consertar toda uma vida?
Colocou as coisas na bolsa e saiu no meio da noite. Seria tolo perder esta oportunidade, o caminhão estaria lá, a sua espera, para enfim se atirar à vida larga e improvável que lhe aguardava estrada a frente. Antes de abrir a porta, se deteve por alguns minutos para pensar uma última vez no que estava prestes a fazer. Pensando friamente sobre isso, ele sabia que seria só mais uma oportunidade perdida, se deixasse passar.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Reconhecimento (mãos também foram feitas para preces e socos)
Estas pernas já estão cambaleantes há algum tempo
Mas isso não é uma justificativa.
Se me ajoelhei, é porque preciso ser salvo.
Às vezes, é preciso ceder,
senão, nenhum milagre acontece.
Faz algum tempo que venho sonhando com milagres;
Nada de extraordinário,
só um milagre menor.
Como um gol aos 48’ do segundo tempo;
Como um disco do Neil Young num sebo empoeirado;
Uma ligação inesperada quando ‘cê tá bêbado de madrugada;
Um bar aberto na noite de natal;
Um milagre tão pequeno e tão insignificante para o mundo
Que ninguém saberá que foi um.
Estas pernas estão cambaleantes e frágeis,
Mas elas aguentam mais alguns rounds.
Quem sabe eu não seja como Cassius Clay
E esteja só esperando que a vida se canse de me dar porradas
Pra enfim reagir?
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
As trevas de outubro
Eu estou absolutamente envergonhado e arrependido de ter, em algum momento, manifestado o otimismo com o qual outubro normalmente me toma. Ter tornado isso público, dito isso pra algumas pessoas. Nunca um mês começou tão agressivo, enunciador de tantas desgraças pelas quais ainda terei de passar simplesmente porque minha natureza jamais irá mudar.
No dia em que completei 30 anos, eu enterrei a minha avó. E não se trata apenas de sentimentalismo e simbolismo barato. Dói mesmo. Na pior circunstância possível, que eu não vou detalhar aqui. Basta dizer que eu tinha motivos pra acreditar que eu estava lá para começar a ser alguém novo, e o passado me bateu na cara. O mesmo erro continuava sendo cometido. A história é velha, eu sei, mas ela segue em frente.
Desde então, o passado, esse fantasma, tem me lembrado de tudo isso. Uma semana depois, e eu estou aqui sendo tomado de assalto novamente pelos meus erros. Sempre foi assim. Sempre que tentei mudar e fazer de um jeito diferente, meus erros retornam indomáveis e me dizem que eu sou assim e não há nada que possa mudar isso. E eu sofro insistindo em dizer que não, quando, para me sentir melhor, bastaria seguir esse fluxo, essa pulsão inumana que me habita. Foi o mais próximo que cheguei de qualquer coisa parecida com felicidade, foi quando segui esse impulso. O resto é distração. Acontece que essa violência toda cobra caro. Nunca terei uma série de coisas que de todo o coração desejo... e, quando a coisa se torna insuportável, eu decido mudar. E sempre que faço isso, eles retornam. Pra me dizer que não há ponto de retorno, que as cartas já foram jogadas. E eu sinto não ter as forças suficientes pra lutar contra isso. Sozinho, como todos estão.
Mais uma esperança jogada fora, é hora de retornar ao velho ciclo. Jamais tentarei ser bom novamente.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Beleza Aniquiladora
Quem usou esta expressão pela primeira vez devia estar terrivelmente consciente do que dizia. Pobre homem.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
A parte que me cabe (entre clichês)
Esfrie duas xícaras de café
Pensando em mim; apenas em mim;
Acenda um cigarro, deixo-o queimar entre seus dedos,
Enquanto pensa apenas em mim;
Olhe para o canto, disfarce o choro,
Dê bom dia aos passantes e não,
Não deixe de pensar em mim.
Dias bons, dias ruins se alternam e penso em você, só em você.
Você pode até passar por isso um dia com alguém e ainda assim não saberá como é
Voltar para a mesma casa fria de madrugada
Como faço todos os dias, pensando em você.
Pensando em mim; apenas em mim;
Acenda um cigarro, deixo-o queimar entre seus dedos,
Enquanto pensa apenas em mim;
Olhe para o canto, disfarce o choro,
Dê bom dia aos passantes e não,
Não deixe de pensar em mim.
Dias bons, dias ruins se alternam e penso em você, só em você.
Você pode até passar por isso um dia com alguém e ainda assim não saberá como é
Voltar para a mesma casa fria de madrugada
Como faço todos os dias, pensando em você.
domingo, 7 de outubro de 2012
sábado, 6 de outubro de 2012
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Enquanto Houver Olhos Como Os Seus
Enquanto
houver olhos como os seus, será sempre dia para mim. E enquanto for dia, nenhum
sol além dos teus olhos. O sol pode queimar minha pele, mas a noite gela minha
alma e nem sempre foi assim, houve um tempo em que as noites eram minhas,
amigas, solidárias e acolhedoras, agora não passam de noites escuras que passo
em claro esperando para ver seus olhos resplandecerem em meio a tantas cores
diurnas, não temo mais o sol (nem a estrela nem teus olhos) quero te ver
colorida em suas vestes de leveza e tenho pensado até mesmo em abandonar meus
panos pretos e trocá-los por qualquer coisa mais alegre e tudo por causa dos
teus olhos, vestidos, mãos e sorrisos. Como se você sempre houvesse existido e,
como o sol, só se apagará em milhões de anos, levando consigo tudo o mais que
existe, pálido que ficaria o universo sem tua beleza.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Anúncio
Meio que inadvertido respondi àquele anúncio, na incerteza de suas consequências. Talvez procurando um desafio que estivesse à altura do meu tédio, ou talvez apenas eu houvesse desenvolvido uma talento mediúnico inconsciente que me levou ao encontro de um abismo que eu definitivamente não conseguiria transpôr nem com o maior salto do qual minhas pernas seriam capazes. Saltei, fui fundo, gozei, me surpreendi. Agora, depois de caído, festejei a queda. E você continua tão linda. Por que, afinal, deixaste aquele recado na minha caixa de e-mails: "procura-se um amor marceneiro capaz de reformar um coração destruído"?
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Outubro
Outubro sempre chega. Atenuando a dor por amigos ausentes, amores perdidos, ofensas não vingadas. Inocentando a todos nós perante os tribunais da memória. Dando a seus filhos mais uma chance, é pegar ou largar. Outubro sempre chega, com a primavera cantando.
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