Algumas pessoas não percebem que
estavam perdidas até que estejam enfim trilhando o caminho correto. O contrário
também pode acontecer, e a descoberta raramente é indolor. Nenhum deles dois
esperava que aquela fosse uma noite comum, mas tampouco esperavam a madrugada
ardente e corrosiva que os consumiria num hotel barato onde encontrariam
redenção. Abrigo enfim dos perigos sobre os quais tanto falaram em suas
conversas que seguiam noite adentro à distância. Eles foram para o bar como
dois amigos que não se viam há tempos, ainda que no passado deles existisse uma
marca, uma pequena cicatriz deixada por um encontro que eles preferiram, mais
por receio que por educação, ignorar ao se abraçarem passados dois anos. Mas,
se fizeram isso pensando que seu encontro não reacenderia aquele fogo antigo, a
pequena chama que nasceu numa noite de ano-novo qualquer, enganaram-se
clamorosamente. Demorou pouco para que nem todas as cervejas geladas pudessem
baixar suas temperaturas corporais e que qualquer recato impedisse o tráfico de
olhares e toques furtivos de mãos e pernas que não tardariam a se transformar
em beijos. Digamos que tenha sido apenas tempo o suficiente para falarem das
desventuras que se abateram sobre ambos, algumas alegrias que vieram e pudessem
confirmar que ainda se alegravam na presença um do outro. Nada mais precisava
ser dito, apenas feito. E eles fizeram. Da melhor maneira, no pior hotel,
esquecendo seus pudores no bar recém-deixado e sujaram-se com cada gota que
pingava de seus corpos penetrando-se mutuamente, ela com sua língua na boca
dele, seus gemidos em seus ouvidos, suas unhas em sua carne e ele buscando à
vontade os orifícios dela que lhes dessem prazer, seu pau indo e vindo de sua
buceta úmida e quente, seus dedos procurando seu rabo e seus dentes marcando
seu pescoço tudo isso sob a luz das estrelas que teimavam em entrar pela janela
aberta junto com o vento, o único capaz de trazer algum resquício de frescor na
noite abafada naquele hotel e devorando-se pedaço por pedaço amanheceram enfim um
dia em chamas que se prolongou além do sol nascente.
O que veio depois, entretanto,
transformou esta noite em um sonho distante que por vezes parece não ter
acontecido. Aos poucos os amantes foram se descobrindo dois estranhos sem ter o
que compartilhar. Quando essa percepção abateu-se sobre os dois é difícil
precisar mas o fato é que eles não conseguiram mais se ver ou conversar como
antes. Ainda assim, algo permanecia grudada a ela feito um parasita a
roubar-lhe as energias, a lembrança dele e daquela noite sobreviveram de algum
modo nela, e se a mente não reconhecia naquele homem o mesmo que a desbravara
com doçura selvagem, seu corpo ressentia-se de sua ausência. Uma noite,
alucinada pela falta que aquele agora estranho fazia a ela, depois de masturbar-se
mais de uma vez sem conseguir criar uma imagem sequer dele, porém sabendo
exatamente em que pensava, ela saiu de casa. Acreditou estar sem rumo, mas em
algum momento de sua jornada sua consciência retornou e ela reconheceu o
trajeto que fazia: caminhava na direção daquele hotel. Subiu as escadas
enquanto um calafrio percorria sua espinha e sentia-se cada vez mais
lubrificada. Pediu à atendente o mesmo quarto e lá se deitou. A maneira como se
satisfez assustou-a, mas aquela seria sua primeira noite de sono tranquila
desde que ele se foi.
Ele, no entanto, não pareceu
sofrer do mesmo mal. Parecia indiferente à estranha distância que se pôs entre
os dois. Partiu de volta para sua cidade sem falar com ela. Lembrava daquela
noite sempre com um sorriso no rosto, mas curiosamente distinguia os
acontecimentos mais tórridos do hotel da mulher que sujeitou-se ativamente a
seu desejo, que cavalgou-lhe impetuosamente e que colhera em sua boca o seu
fruto. Em suma, lembrava-se da canção, mas ignorava a cantora. Recebeu em seu
e-mail os detalhes da noite em que ela sozinha havia ido até o hotel das
estrelas. Tratou o fato como uma leve excentricidade, sem maior peso e sem se
dar conta do desespero que se abatia sobre ela. O tempo passou e a memória
daquela noite se esvaia de sua mente. Demorou um ano até que voltasse à cidade.
Ele já não era o mesmo, nem a cidade. Não se animava com a possibilidade de
reencontrar conhecidos, antigos casos, velhos lugares. Algum impulso o fez
ligar para ela – a velha convicção masculina de que ela sempre estará lá,
esperando-o. Ela disse que o encontraria, mas não sabia quando. Os dias se
passaram, o momento em que ele partiria novamente se aproximava e ela não dava
sinais de que apareceria, e aquilo ia causando uma sensação estranha nele. A
cada noite, a lembrança dela se tornava mais nítida. Seu corpo, sua boca, suas
curvas, até mesmo sua voz. Não conseguia falar com ela. Solitário, ébrio, uma
noite procurou-a ativamente sem sucesso. Seu coração fazendo menção de saltar
de seu peito a qualquer instante. Uma saudade repentina de todos os lugares
pelos quais havia passado com ela. Passou pelos mesmos bares, pela mesma orla,
até se encontrar em frente ao hotel em que treparam pela última vez. Lembrou-se
do e-mail dela. Tentou lutar contra a força que o havia levado até ali, mas se
viu incapaz de resistir e em pouco tempo estava deitado sobre a cama e seus
lençóis suspeitos, no mesmo quarto em que ela estivera meses atrás e poderia
jurar que sentia seu cheiro. Não conseguia mover-se, nem mesmo para se
masturbar, ainda que as lembranças estivessem mais claras que nunca. Chorou
como há muito não fazia, copiosamente, digno de pena. Passou uma noite inteira
acordado. Pensava apenas na ironia perversa que subjazia à punição que recebia
graças a seu cinismo e descrença. Quando o sol entrou pela janela aberta,
encontrou-o estático, com certo sorriso triste a enfeitar-lhe a face.