Num outono qualquer, ele aprendeu a ler mãos. De
terceiros. Mas nada de linhas, eram as mãos seres autônomos, independentes do
resto do corpo, cheias de vida própria e desejos tão incompreensíveis quanto
reveladores. Os movimentos, a superfície da pele, os toques, a cor, o cheiro,
tudo nas mãos lhe surgia como uma ligação do indivíduo com o infinito. Haviam
mãos cansadas pelo labor diário que constrói a máquina; mãos furtivas que
perturbam a paz de quem se deixa tocar; as assassinas e as inquietas, que
determinam a danação de seus donos; mãos com estilo, belas como o olhar
misterioso dos gatos; Bastava olhar para dois amantes de mãos entrelaçadas e
saberia dizer quando se separariam. Podia ver alguém dedilhando uma guitarra e
saberia qual o blues mais adequado. Dependendo do modo como uma mão de dedos
longos e unhas vermelhas segurava um cigarro, poderia dizer se ela era feliz.
Leu as mãos de todos os seus amigos, e lhes trouxe boas novas. Leu as mãos de
empresários, e previu suas falências. Leu as mãos de loucas, dançarinas,
prostitutas e escritoras e se apaixonou por todas elas. Mas não podia ler as
próprias mãos. Tentou diversas manhãs, duzentas madrugadas, mas não conseguia.
Tentou ensinar seu dom a sua amante, mas tudo em vão. Uma noite, sentado à
beira-mar, com uma garrafa de vodka, passou quatro horas e vinte e três minutos
observando as próprias mãos, e só via marcas de cigarro, sinais de nascimento,
pontas de dedos amareladas e furos de agulha. Esvaziou a garrafa, e chorou.
Nunca mais souberam dele. Mas uma vez ou outra surgem estórias de um homem em
algum lugar, não se sabe se no Amazonas ou no Marrocos, capaz de beijar sua mão
como se adivinhasse um segredo.
*Republicado com alterações.
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