quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Lamento de um Tolo

Sisyphus (Franz Von Stuck)

Não é a melhor vida possível, esta que estou vivendo. Nem mesmo entre as que estavam disponíveis para mim a certa altura de minha vida. Fiz um monte de escolhas erradas ao longo do caminho. Quando deito minha cabeça no travesseiro, todas elas vêm a minha mente de uma vez só, numa enxurrada. “Você poderia estar melhor”, diz a tempestade de pensamentos; “É tudo culpa sua”, parece cantar a eletricidade estática de nuvens poderosas. Por alguns instantes minha respiração pesa, uma pedra enorme parece ter sido colocada no meu peito e não me deixa dormir. Os projetos inacabados, o tempo desperdiçado, o antigo amor não-confessado... São muitos os pecados, são bem poucas as expiações. O problema é que sempre há mais estradas que deixamos de seguir do que aquelas que poderíamos percorrer e já não podemos distinguir se a poeira acumulada em nossas botas é de ontem ou de anos atrás – é tudo resíduo, indício do que foi e do que poderia ter sido que nós moldamos em nossa memória da maneira que preferimos, para nos torturar ou acalentar, depende da gente. Não é a melhor vida possível, esta que estou vivendo. Mas eu a vivo. E meus erros são meus, sinto-me a vontade com eles porque não me foram impostos. E numa noite como esta me resta me agarrar a eles e recordar que até na loucura há razão. Que o tolo, se persistisse em sua tolice, se tornaria sábio, como profetizava Blake. É assim – e somente assim – que a insistência em viver ganha para mim traços suportáveis e, por vezes, heroicos. Todos os momentos memoráveis que eu coleciono como tesouros no lugar de bens e honrarias servem para que em dias escuros como esse, quando o vento sopra violento e o sorriso debochado de quem tem tudo parece ainda mais perverso. Pois eles estão curando suas feridas com aquilo que de melhor podem comprar com as moedas correntes: o cinismo, a violência, o poder, a hipocrisia, o dinheiro, a ambição. Porém, entre as frestas do moralismo e dos encontros forçados, as feridas sangram. Eu aprendi a enxergá-las antes mesmo de aprender com eles a fingir também que não as tenho. Eles, também, estão sofrendo. Então é importante que eu recorde isso. Posso ter seguido por um caminho errado, mas eu vejo os rostos daqueles que escolheram o caminho correto, e eles não parecem tão mais felizes assim. 

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