Quando o avião acelerou na pista,
se preparando para a decolagem, eu olhei pela janela e me vi do lado de fora,
menino, correndo ao lado dele. O avião arremetendo contra as nuvens me lembrou
de mim quando criança, tomando distância da lagoa lá embaixo, correndo,
correndo, mais rápido e mais rápido, ganhando velocidade para, a um passo do
fim, saltar buscando o céu e finalmente caindo dentro d’água não sem uma pontada
de frustração. E desta vez, ao invés de despencar, eu subi. E subi, cada vez
mais. E uma vez acima das nuvens, foi inevitável o deslumbramento, a fascinação
diante do improvável, mas regada a certa melancolia vinda não sei de onde. Tudo era tão claro e tão cheio de paz, que
contrastava com essa inquietação de espírito que não me abandonava mesmo ali.
Eu desejava aquele silêncio do mundo lá fora, a paz do infinito. Era como se,
aprisionado dentro de uma gaiola de ferro, eu houvesse sido lançado para fora
do espaço e do tempo, tentando cruzar uma barreira há muito esquecida por quem
já se habituou a voar, claro, sem asas. Pela primeira vez desempenhava uma
viagem e a estrada não estava lá, arrancada de sua nobreza e santidade, não
havia nada nas nuvens que lembrassem as rodovias que ligam cidades e corações
como artérias de concreto e poeira, e lentamente as nuvens iam assumindo para
mim um tom enegrecido, um tipo de deserto particular, um inferno próximo ao céu,
uma cor azul de um vazio anômalo, entediante, sinistro até. O céu não te permite visões. Eu estava
próximo de meu destino, sem sentir que havia realmente deixado algum lugar, e
mesmo quando revolvia meus pensamentos a algo menos terrível, alguma
turbulência me trazia de volta do meu caos interior e eu encarava a paz
infinita lá de fora, o avião sacudia e sacudia, e eu murmurava para que apenas
eu pudesse ouvir: “caia de uma vez, caia, apenas dessa vez, caia, maldição”.
Ele não caía, e do meu lado via a senhora olhando para mim com um misto de
espanto e reprovação no olhar. Pelo visto eu não murmurei baixo o suficiente.
Eu ri, meu primeiro sorriso desde a decolagem. Caras como eu não deveriam viajar de avião. Senti uma saudade enorme do
garoto que não decolava e caía n’água, mas ri porque sabia que lá embaixo
haveria uma estrada pra mim como há para todo mundo.
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