"Opa!"; Ele já entrou tropeçando, esbarrando em alguma coisa estranha na escuridão da casa. Se deteve. Não deveria ficar assustado, afinal de contas aquele já não era mais o seu lar, aquilo ia acontecer em algum momento. Já não há mais tempo sequer para um triste olhar de despedida, um adeus a toda uma obra erguida a partir de momentos que agora teria de deixar para trás. "Nem ao menos um instantâneo final, nenhuma saideira", pensava ele enquanto tateava cauteloso objetos potencialmente fatais, arranjados de uma maneira que a suas mãos pareciam aleatórias. A sala já não era aquela cheia de fumaça e música e conversas madrugada adentro. O quarto, que jogos perigosos e excitantes ele poderia guardar agora? Preferiu nem entrar. Cruzou a cozinha, com cuidado mas tentando ser o mais ligeiro possível para ir direto ao que importava naquele momento. Foi até o local que os dois costumavam chamar de escritório, resgatar daquela casa os discos de vinil e os livros contra o provável incêndio sentimental de que ela seria vítima; antes que o furacão sob o nome de esquecimento resolvesse se abater sobre eles, se é que ele já não se anunciava naquela súbita mudança dos móveis de seus lugares. Já quando se retirava, seus dedos que procuravam o vidro da janela para orientarem a viagem de volta, tocaram um nervo exposto. As violetas na janela, eram elas, ali, prontas para morrer junto com as lembranças. as violetas que lembravam as promessas de manter as flores intactas, a despeito de todo ódio, toda dor e toda loucura que pudesse se erguer naquele lugar. As flores ficariam intactas, um símbolo de que nem tudo precisa sucumbir, que algo sempre resta. Uma luz que nunca se apaga. E agora ele estava no escuro. Só assim permitiu que aquela lágrima caísse, solitária e vã. Empurrou os dois vasos de violetas e suspirou. Agora era só ele de novo. Porque ele não era nada mais que um homem e as canções que o acompanham, um homem e seus pecados, um homem e sua melancolia, tudo que ele tinha a oferece a qualquer pessoa cabia em uma caixa apenas, ou talvez no seu olhar. Se sentiria mal por toda uma vida depois de virar aquela chave na porta de uma vez por todas e atirá-la de cima da ponte na água suja do rio. Seus olhos já estavam habituados à escuridão. Poderia ter pensado em sentar-se no sofá, olhar para tudo que deixava pra trás e refletir se não poderia tentar mais uma vez ficar ali. Inútil tarefa. Escreveria cartas quando se instalasse num inferno mais confortável, e essa busca por si só ele já sabia ser motivo suficiente para retirar tudo seu que havia ali.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Hallelujah
Jeff Buckley interpretando "Hallelujah", de Leonard Cohen.
Mais um que morreu muito cedo...
"Eu soube que havia um acorde secreto
Que David tocava, e que agradava o Senhor
Mas você não liga para música, não é?
É assim..., a quarta, a quinta,
O menor cai, e o maior sobe,
O rei frustrado compõe aleluia
Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia
Sua fé era forte mas você precisava de provas
Você a viu tomando banho do telhado
A beleza dela e o luar arruinaram você
Ela amarrou você à cadeira da cozinha
Ela destruiu seu trono, e cortou seu cabelo
E dos seus lábios ela tirou um aleluia
Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia
Talvez eu já estivesse aqui antes
Eu vi este quarto, eu andei neste chão
E, sabe, eu vivia sozinho antes de conhecer você
E eu vi sua bandeira no arco de mármore
O amor não é uma marcha da vitória
É um frio e sofrido aleluia
Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia
Mas houve um tempo em que você me disse
O que realmente acontecia lá embaixo
Mas agora você nunca me mostra, não é?
Mas você se lembra quando eu entrei em você
E o Espírito Santo também entrou
E todo o suspiro que dávamos era um aleluia
Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia
Talvez haja um deus lá em cima
Mas tudo que eu já aprendi com o amor
Era como atirar em alguém que excluiu você
E não é um choro que você pode ouvir de noite
Não é alguém que viu a luz
É um frio e sofrido aleluia
Aleluia, aleluia
Aleluia, aleluia"
domingo, 26 de setembro de 2010
Pequenas Alegrias
Há um pequeno poema caindo do bolso da minha calça
Há estrelas caindo do teto da igreja
Há a garota assustada encolhida no canto da cama
Há o homem grande e triste segurando um copo de whisky
Há a mãe mentindo para o seu filho dizendo um dia ele vai ser feliz
Há os que acreditam em mães carinhosas e bem-intencionadas
esses se tornam psicopatas ou suicidas
Mães não vão para o inferno
Há uma espécie de limbo para as mães e elas estão todas lá
Há os que não prestaram atenção em suas mães
esses assobiam swamp music no metrô
e voltam para suas casas lendo "o monstro do pântano"
esses terão apenas pequenas alegrias
como afagar a cabeça de um cachorro
ou abraçar o porteiro do restaurante
Mensagens fúnebres na noite de Natal
Mas eles já estavam preparados
por isso apenas enchem seus olhos de lágrimas
enquanto servem outra dose
ao contrário dos outros que arrancam os cabelos
e arremessam telefones contra a parede
esses querem vingança
e acham que enganam Deus quando se ajoelham pra rezar
Os que não ouviram suas mães não rezam
apenas andam por aí com seus pequenos poemas caindo
do bolso de suas calças
e fazem de suas pequenas alegrias uma farra eterna
Há essas pessoas simples e evidentemente tristes
que enchem de alegria meu coração presciente
E há essas mulheres lindas que querem conquistar o mundo
e que inevitavelmente perdem todo o charme
quando procuram esbaforidas algo em suas bolsas
(Mário Bortolotto)
Há estrelas caindo do teto da igreja
Há a garota assustada encolhida no canto da cama
Há o homem grande e triste segurando um copo de whisky
Há a mãe mentindo para o seu filho dizendo um dia ele vai ser feliz
Há os que acreditam em mães carinhosas e bem-intencionadas
esses se tornam psicopatas ou suicidas
Mães não vão para o inferno
Há uma espécie de limbo para as mães e elas estão todas lá
Há os que não prestaram atenção em suas mães
esses assobiam swamp music no metrô
e voltam para suas casas lendo "o monstro do pântano"
esses terão apenas pequenas alegrias
como afagar a cabeça de um cachorro
ou abraçar o porteiro do restaurante
Mensagens fúnebres na noite de Natal
Mas eles já estavam preparados
por isso apenas enchem seus olhos de lágrimas
enquanto servem outra dose
ao contrário dos outros que arrancam os cabelos
e arremessam telefones contra a parede
esses querem vingança
e acham que enganam Deus quando se ajoelham pra rezar
Os que não ouviram suas mães não rezam
apenas andam por aí com seus pequenos poemas caindo
do bolso de suas calças
e fazem de suas pequenas alegrias uma farra eterna
Há essas pessoas simples e evidentemente tristes
que enchem de alegria meu coração presciente
E há essas mulheres lindas que querem conquistar o mundo
e que inevitavelmente perdem todo o charme
quando procuram esbaforidas algo em suas bolsas
(Mário Bortolotto)
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Cuidando de feridas, compreendendo as cicatrizes
Finalizou aquela garrafa de vinho como quem conclui um poema.
Ébrio, pensou em quanto tempo ainda teria pela frente. Quantas noites febris, monótonas, singulares ou solitárias ainda teria de suportar admiravelmente. Houve um tempo em que se considerava fraco. Bobagem; É preciso estômago pra suportar tanto. Lembrou de Tom Waits:
"Você precisa me dizer, Mr. Siegal,
Por que os arrasados são tão fortes?
Como os anjos fazem pra dormir quando os demônios deixam a luz da varanda acesa?"
Era verdade. Aqueles para quem a realidade costuma bater mais dura, que sofrem mais com simples contratempos, que deliram, que se auto-flagelam sem motivos, não são fracos. Pelo contrário. Reúnem forças de suas entranhas para superar as tormentas, Cada noite de sono é uma guerra, e conseguir sair cama pela manhã é uma vitória (ou coisa que o valha).
Revirou o quarto de bagunças que era sua memória e recordou o tempo em que negava essa dor constante, essa melancolia crônica. E percebeu a maneira pela qual esses horrores, por contraste, faziam brilhar ainda mais suas pequenas alegrias. No efeito claro-escuro que era sua vida, sempre houve tempo para a morte e para o amor. Não sabia ao certo como, mas havia feito mesmo dos seus mais belos dias, obras de arte expressionistas. Olhou no espelho e conseguiu enxergar alguma beleza, sem se importar se algum dia alguém perceberia aquilo. Era tarde da noite, e o ultimo cigarro queimava no cinzeiro. No dia seguinte, acordaria em desespero, mas haveria uma música para lhe trazer a paz, para abrandar as ondas no interior de sua alma, talvez haveria até uma voz para lhe dizer que, até que você esteja morto, os abutres não pousam sobre si.
Deixou o telefone tocar indefinidamente, poderiam ser boas notícias, poderiam ser más. Sorriu. O que importa é que não dependeria delas pra decidir o que fazer quando a peste invadisse o agridoce refúgio do seu lar.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Fixação
A tentação
De ouvir uma doce musica em tuas asas.
Seria a morte menos triste que esse suave blues?
*********
Ninguém ampara
o cavaleiro do mundo delirante...
domingo, 19 de setembro de 2010
John Lurie and the Lizzard Lounge
Homenagem ao "estiloso" John Lurie, para que ele não se sinta tão perseguido. Musica: "Big Heart".
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Lábios que não se abrem, lábios
Lábios que não se abrem, lábios
com seu segredo
calado
Segredo no ermo da noite
resiste à rosa dos ventos
calado.
Flauta sem a vibração
do sopro.
Luar e espelho, frente a frente,
em calada
vigília.
Fria espada unida
ao corpo.
Resto de lágrimas sobre
lábios
calados.
Borboleta da morte
em sorvo
pousada à flor dos lábios
calados
calados.
Henriqueta Lisboa, "A face Lívida"
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Quem esquece um furacão?
No terceiro dia, seu terceiro encontro, era a terceira noite de lua cheia e eles já dispensavam todo o estágio da conversa, das amenidades, dos meios pra se chegar a um fim, todas as mesuras e cortesias, toda “conversa fiada”, como se diz por aí. Reagiram, e só. Pois, desde a última vez que se viram, ele só pensava em quando a teria de novo, quando sentiria mais uma vez o calor de sua pele a escaldá-lo, a faca de seus olhos violadores, o palpitar de suas veias e órgãos mais íntimos. A impulsividade deste novo encontro só se igualava em violência ao tamanho de sua insegurança, diante da mulher que ele não conseguia compreender. Sua economia de palavras era fonte de pesadelos e mortes todas as noites. A cada encontro seguiam-se febres, arrebatamentos, crises de insônia. No décimo - primeiro encontro, no dia em que completara vinte e nove anos e em que Saturno retornava, o peso foi demais. Queria saber dela, seus segredos (ele jurava que ela tinha mais de um, segredos mortais que assombrariam seu sono o resto da vida), sua história, seus pequenos medos, os cantos não-iluminados de seus pensamentos quando ela simplesmente se apoiava na janela, fumava um cigarro e deixava o tempo passar, alheia à presença do homem que se revira em suores, desejando não apenas seu corpo, mas sua mente. Ele importunou-a com perguntas, novas inquisições, torturas rasas. Exigia explicações para o comportamento daquela que lhe deu tudo o que podia (ela não poderia dar nada além de amor), e apenas lhe avisa que o que ele quer não está ao seu alcance, de que adiantaria dizer a ele o conteúdo do livro que era ela se não poderia contar o significado daquela flor achatada e amarelada entre suas páginas? Ele não entendia, e o que ele não entendia era que entre dois amantes poderia haver entrega sem conhecimento pleno. Não era o que ela achava. Se a poeta estiver certa, então o mistério da mulher está em cada afirmação ou abstinência, na malícia das plausíveis revelações, no suborno das silenciosas palavras, e ele estava lendo-a com as lentes erradas. Ela já havia contado tudo e um pouco mais, sem precisar espremer seu ser até que todo seu conteúdo jorrasse pra fora de si como suco. E ele não vira. Depois desse dia, ela nunca mais voltou, e ele nunca mais voltou. A si. Um furacão devastou sua terra, e ele estaria condenado a nunca mais esquecê-lo.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
As Sementes do Mal (Ou A Correta Incerteza)
Guardo em mim as sementes de tudo o que odeio.
E guardo também o medo dela brotar,
Pois me prometeram o céu,
Mas o preço é uma breve estada no inferno...
Quero viver cem vezes antes de desaparecer,
Pois aquilo que vejo grita para não ser esquecido,
E mesmo se calasse meus olhos ainda ouviria meu
Coração.
Por que nada pode vir sem um preço?
Por que até os menores prazeres
Cheiram a enxofre?
Não vejo certo o que é errado
E até me engano no que é certo.
Faço o que acho certo
E mais tarde pago por estar errado.
Ah! Mas como é bom viver errado!
- Flávio André (o "Alemão"), poema de "A Ultima Luz de Narciso", ed. Ixtlan.
New Orleans
... E quando veio a tempestade, tudo parecia estar perdido.
Era uma criatura sem raízes, sem peso, sem âncoras.
Não suportaria um sopro tão opressivo.
Procurou na bolsa e encontrou um bilhete deixado ali por muito tempo.
Sentiu uma lágrima rolar (e ser levada pelo vento),
E foi tomado de súbita esperança:
Agora sim tinha onde se agarrar.
E um temporal tem sempre hora pra cessar.
Esperaria calmamente, e faria de si uma New Orleans Pós-Katrina:
Com jazz, com calma, com força que nem imaginou que tivesse.
Era uma criatura sem raízes, sem peso, sem âncoras.
Não suportaria um sopro tão opressivo.
Procurou na bolsa e encontrou um bilhete deixado ali por muito tempo.
Sentiu uma lágrima rolar (e ser levada pelo vento),
E foi tomado de súbita esperança:
Agora sim tinha onde se agarrar.
E um temporal tem sempre hora pra cessar.
Esperaria calmamente, e faria de si uma New Orleans Pós-Katrina:
Com jazz, com calma, com força que nem imaginou que tivesse.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Direitos de autor
Fiquei sabendo hoje dessa declaração do Godard sobre as novas restrições ao uso de obras alheias:
"Direitos de autor? O autor tem deveres!".
Não gosto de entrar nesse assunto porque minha posição quanto a direitos intelectuais sempre foi muito particular. Não reconheço nenhuma propriedade sobre o que digo, escrevo ou mesmo penso. Mas é bom ver que não estou sozinho.
"Direitos de autor? O autor tem deveres!".
Não gosto de entrar nesse assunto porque minha posição quanto a direitos intelectuais sempre foi muito particular. Não reconheço nenhuma propriedade sobre o que digo, escrevo ou mesmo penso. Mas é bom ver que não estou sozinho.
Verídico
Conheço uma pessoa que é um aglomerado de massa adiposa comandada pelo pênis. Conheço outra que é uma salamandra. Tem uma terceira que é um prédio destruído habitado por espíritos de baixa harmonia. Também há um casal que é um cadáver. Tem um homem que parece um chapéu e mais um que daria tudo para ser uma joaninha. Já eu sou uma TV sem som passando um filme antigo em um quarto de hotel.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
06:45 AM
Bem cedo,
O cano de um revólver sorri pra mim
Me oferecendo uma charada, mas não uma fuga.
Bem cedo,
O6: 45, eu penso em me mandar.
Na falta de um inferno blues com garotas e Whisky,
Penso em qualquer outro lugar.
Um fim de tarde na praia;
Um samba no Estácio;
Um pueblo abanbonado no meio do deserto;
Qualquer lugar, menos aqui.
Já pensou se a cidade fosse toda feita de giz
E pudéssemos desenhar nosso próprio esconderijo longe dos olhos alheios?
Já, já pensei.
E juro, é a única ilusão que me sobra.
Uma alucinação, mas ainda assim cheia de esperança.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Felicidade?
"Têm sido assim meus dias. Sou mais feliz que 97,6% da humanidade, nas contas do professor Schianberg. Faço parte de uma ínfima minoria, integrada por monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos. Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem entregar-se por inteiro àquilo que consagraram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg."
- Marçal Aquino.
"Acho que sou um estúpido. Ou talvez, apenas feliz."
- Kurt Cobain, "dumb".
- Marçal Aquino.
"Acho que sou um estúpido. Ou talvez, apenas feliz."
- Kurt Cobain, "dumb".
Confissões coronárias
Inferno, o que fizeram do meu coração?
Ele costumava estar no lugar correto.
Agora tenho que me acostumar com ele por aí.
Correndo derrubando coisas bagunçando meu quarto
Enquanto tomo meu café da manhã.
Quando acendo o primeiro cigarro do dia
Ele se agita mais ainda, quase o escuto gritando
E ele sai às ruas antes de mim;
O maldito, estou sempre um passo atrás dele.
Às vezes ele some.
Não é incomum encontrá-lo seguindo alguma passante,
Hipnotizado pelo balançar de alguma saia distraída.
Ou então tenho de recolhê-lo de alguma lixeira,
Escondido sabe-se lá de que, de quem
(de mim?)
Soluçando enquanto murmura frases desconexas
Qualquer coisa sobre uma mulher que sumiu
No clima seco do cerrado;
Outra que ficou para trás e faz falta,
Outra que nunca vai ser sua de verdade;
Confesso que não sei do que ele fala.
Só queria ele aqui,
No lado esquerdo do peito.
Mas ele me evita. E bebe.
E fuma e joga e chora.
E some nas sextas-feiras, e como um gato,
Só volta na segunda pela manhã
Cheirando a vinho barato e bordéis.
Já pedi a ele, já implorei.
Quis que ele ficasse no lugar.
Mas pra ele o peso é terrível.
E eu pago o preço de carregar um coração psicótico.
Sei que um dia, enquanto estiver dormindo,
Ele vai me devorar por inteiro.
Ele costumava estar no lugar correto.
Agora tenho que me acostumar com ele por aí.
Correndo derrubando coisas bagunçando meu quarto
Enquanto tomo meu café da manhã.
Quando acendo o primeiro cigarro do dia
Ele se agita mais ainda, quase o escuto gritando
E ele sai às ruas antes de mim;
O maldito, estou sempre um passo atrás dele.
Às vezes ele some.
Não é incomum encontrá-lo seguindo alguma passante,
Hipnotizado pelo balançar de alguma saia distraída.
Ou então tenho de recolhê-lo de alguma lixeira,
Escondido sabe-se lá de que, de quem
(de mim?)
Soluçando enquanto murmura frases desconexas
Qualquer coisa sobre uma mulher que sumiu
No clima seco do cerrado;
Outra que ficou para trás e faz falta,
Outra que nunca vai ser sua de verdade;
Confesso que não sei do que ele fala.
Só queria ele aqui,
No lado esquerdo do peito.
Mas ele me evita. E bebe.
E fuma e joga e chora.
E some nas sextas-feiras, e como um gato,
Só volta na segunda pela manhã
Cheirando a vinho barato e bordéis.
Já pedi a ele, já implorei.
Quis que ele ficasse no lugar.
Mas pra ele o peso é terrível.
E eu pago o preço de carregar um coração psicótico.
Sei que um dia, enquanto estiver dormindo,
Ele vai me devorar por inteiro.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Oferta
Te entrego minhas elegias mais prodigiosas. Te entrego um pouco desta saúde frágil, desta alma irrequieta. Te dedico uma lágrima. Te dedico também alguns dos meus mais preciosos sentimentos. Para que no momento em que te chames, no momento em que preciso de ti para me fazer chama, atendas. E quando gritar, sedento, por qualquer um dos teus 100 nomes, venha sem me negar os teus sabores. Ainda que saiba que sou fraco e conheças meus delírios, não me recuse, deixe-me levar-te à boca carente e afogar em ti meus anseios, minhas torturas, minhas visões, estas surpreendentes obras de arte da mente. Encantam-me teus odores, teus teores, tua vaga familiaridade com o Mistério. Em troca, não posso te oferecer nada que não seja esta paixão, este milagre, esta ode ao veneno; todo lastro de loucura que trocamos nesses encontros que a noite insiste em encerrar com sua sabedoria de velha senhora para que não perpetuemos esses crimes, essa euforia destilada nos pobres alambiques dos corpos. Te entrego minha voz para que faça dela cacofonia, te entrego meu nome pra que faça dele maldição, te entrego meus humores mais violentos, meus pensamentos mais sutis, cidade afora, coração a dentro.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
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Deixa eu bagunçar você
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