quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Romance Noir




"Mas, nada de fantasias mórbidas desta vez", avisou ela com sua voz rouca ao telefone. Seu olhar confuso, trêmulo. "De que serve uma fantasia que não seja mórbida?". Esse era mesmo ele, alguém sem muito talento para as coisas que são exibidas à luz do sol. Ela desligou. Em alguns minutos estaria ali. Ele desligou o telefone devagar, ainda confuso, as unhas raspando o vidro da janela, não mais pintado de preto desta vez. Imaginou como seria quando ela chegasse ali, o que diria. Queria conversar. Expor a ela sentimentos e imagens e palavras que passam por sua cabeça e que não pode confessar facilmente para ninguém. Como isso: Tantas mulheres por aí, todas elas belas, gostosas, doidas para serem fodidas incansavelmente, doidas para gozarem subitamente, incontrolavelmente, para ouvirem todas aquelas palavras que se espera ouvir de quem você tem um contato carnal perfeito, e definitivamente não é nada de "eu te amo" ou "Quero você para sempre", ou talvez seja isso mesmo, mas dito de uma maneira mais chula, vai saber. E esses pensamentos, que cheiravam a chauvinismo, possuíam uma origem nebulosa que tinha a ver com uma compreensão extra-amorosa da solidão, pensamentos de quem é sozinho por condição, mas que respira o néctar sangrento que escapa das veias furadas ou cortadas ou somente porosas dos não-estabelecidos. Isso - essa desculpa complacente forjada em noites de fogo - era o que ele esperava poder compartilhar com ela, ela sabia disso e por isso soltou aquele "nada de fantasias mórbidas". Mas, se ela não queria fantasias mórbidas, porque insistia em responder a seus chamados? O sexo nem devia ser tão bom assim, uma vez que ela só se dirigia até ele por um acordo unilateral, no qual ela mesmo ganhava bem pouco e era obrigada a ceder a impulsos, pedidos, ordens que nem sempre desejava realizar. O que ela ganhava realmente com aquilo? Sim, é isso, as fantasias mórbidas vinham antes do sexo, não durante. As posições, os gestos, os insultos, as idéias, os gritos, o exibicionismo, o que mais ele pedisse, nada era reprovável, mas ouvi-lo despejar fantasias como "ontem à noite imaginei como seria entrar num ônibus de madrugada e ficar pedindo cigarros a todos que entrassem, durante todo o itinerário, só para puxar assunto e quem sabe uma trepada", isso ela não queria. Isso era o que ele pensava. Talvez ela gostasse? De ouvir? De trepar? Mas ela viria de qualquer jeito. E ele precisava falar. Desta vez falaria sobre a sensação permanente que tinha de que estava sendo seguido, de como uma vez caminhou por um bairro nobre e percebeu um siena branco que cruzava com ele a toda esquina que dobrava, um passeio só para terminar com um maço de cigarros, e que quando parou num café para tomar algo, alguém sentou a seu lado e ele sabia que era a pessoa do siena, tinha certeza. E a pessoa sentou a seu lado e pediu o mesmo tipo de café que ele, com todas as sutilezas, e que essa pessoa só tomou o primeiro gole depois que ele tomou o primeiro gole. "E aí?", ela perguntaria. E aí nada. Ou melhor, e aí trezentas estrelas subitamente brilharam no céu, amarelas, naquela tarde de café com chantilly, todos os carros pararam e todos eles tocavam Radiohead e bastou ele ouvir a frase "Immerse your soul in love", que lágrimas subiram aos olhos e aí ele deixa de se sentir perseguido e ninguém está tomando café a seu lado. Ele ouve o portão abrir, e ela o surpreende com um sorriso de Mona lisa no canto da boca. Sem dizer nada ela entra no quarto, deixa escorregar a bolsa pelo braço até o chão, tira os sapatos, deita-se na cama apoiada sobre os cotovelos e diz, maliciosa (com o veneno de quem finge estar cumprindo meramente sua parte no trato), "estou pronta, faça o que quiser". E ele: "Já te contei como sempre tenho a impressão de estar sendo seguido na Praia do Canto?".
E lá se vão cinco anos de romance, mais ou menos sempre desse jeito...


3 comentários:

Cami Silveira disse...

bixo vc é muito doido... como assim vc não avisa que esta de blog novo!!!!!!
cara vc é muito desnaturado!!!!

Priscila Milanez disse...

demais o texto, Rô!

Camila Bravim Silveira disse...

vc me mostrou esse conto no rio... ficou muito bom!!!

Deixa eu bagunçar você

Durmo na esperança de sonhar contigo Acordo somente pro desejo de te encontrar Menos que obsessivo, meu amor por você é abrigo ...